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TRF-3 reconhece o dever das instituições financeiras de manterem o sigilo de suas operações, inclusive quando relacionado aos dados cadastrais de seus clientes.

Em junho de 2021, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu como dever das instituições financeiras a manutenção do sigilo em suas operações, o que abrange os dados cadastrais de seus clientes, exceção feita às hipóteses previstas, expressamente, por Lei (e, nestes casos, nos limites da permissão legal).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 traz, em seu artigo 5º, os direitos fundamentais. E, no inciso X daquele mesmo artigo, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Para além disso, o inciso XII do mesmo dispositivo constitucional estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Tais apontamentos afirmam que a intimidade e a privacidade do indivíduo (em seus diversos aspectos), nos termos da Carta Magna, são direitos fundamentais, os quais não podem sofrer violação ou restrição arbitrárias. E, como uma das formas de materialização destes direitos fundamentais, a Lei Complementar 105/2001 dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras. No “caput” do artigo 1º da referida Lei Complementar, impõe-se, às instituições financeiras, o dever de conservação do “sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”. Por outro lado, os §§ 3º e 4º do mesmo artigo 1º esclarecem as hipóteses em que não há violação ao dever de sigilo (§ 3º) e as hipóteses em que é permitida a decretação da sua quebra (§ 4º), sem prejuízo de outras hipóteses também previstas em Lei.

Em outros termos, os titulares dos direitos previstos pela Lei Complementar 105/2001 são os cidadãos e não as instituições financeiras, além do que a manutenção do sigilo é um dever destas instituições (e a quebra do sigilo fora das hipóteses autorizadas constitui crime e “sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa”, nos termos do artigo 10).

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Feitas essas observações, o processo em referência trata de ação civil pública, proposta contra 13 instituições financeiras, em que se pleiteou a condenação das instituições à obrigação de fazer, consistente no fornecimento de informações cadastrais de seus clientes, independentemente de autorização judicial, com o intuito de instruir processo judicial, inquérito policial ou qualquer outro procedimento de investigação criminal ou civil, quando requisitadas pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal. Em Primeira Instância, por entender que “os dados das pessoas devem ser protegidos exatamente por estarem ligados à vida das pessoas, sob pena de violação ao direito à intimidade”, o juízo da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de São Carlos/SP julgou os pedidos iniciais improcedentes. Em sede de apelação, após distribuição do

recurso à Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sob relatoria do Desembargador Federal Miguel Di Pierro, reconheceu-se, de ofício, a inadequação da via eleita pelo autor, o que levou à extinção do processo sem resolução do mérito (e, por consequência, tanto a apelação, quanto a remessa necessária, foram julgadas prejudicadas). Interpostos recursos especial e extraordinário pelo autor, o processo foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça, em que a inadequação da via eleita foi afastada e se determinou a devolução dos autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para prosseguimento da demanda.

Com o retorno dos autos à Sexta Turma do TRF 3, agora sob a relatoria da Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, teve início o novo julgamento da apelação e da remessa necessária. E, nessa oportunidade, por maioria de votos, foi negado provimento à apelação, também, pela aplicação dos princípios constitucionais da igualdade, da legalidade, da livre iniciativa e da separação de poderes.

Com relação aos limites constitucionais ao pleito autoral, esclareceu a Turma que “o poder investigativo do autor deve ceder frente aos direitos e garantias individuais, que não podem ser transpostos, a não ser em circunstâncias excepcionais, cujo reconhecimento demanda a manifestação do Poder Judiciário”. Em sequência, no que se refere à aplicação dos princípios da igualdade, da legalidade e da livre iniciativa, decidiu-se que a demanda “foi proposta apenas em relação a algumas instituições financeiras que atuam no mercado, as quais, muito embora representem a grande maioria dos correntistas e investidores, não podem ser tratadas de forma diferenciada” e que “(a) pretensão visa à prolação de decisão com alcance normativo abstrato, cuja abrangência, porém, limite-se apenas a obrigar as corrés, em desobediência aos princípios constitucionais da igualdade, da legalidade e da livre iniciativa”.

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Como consequência de eventual decisão favorável à pretensão autoral, esclareceu a Turma julgadora que “teria efeitos somente sobre as corrés, que constituem parcela das instituições financeiras em operação. A determinação judicial poderia vir a ocasionar a migração maciça de contas bancárias para as instituições que não fazem parte do polo passivo (…)”.

Para além disso, em atenção ao princípio da separação de poderes, a Turma se pronunciou no sentido de que “o pedido impõe a prolação de decisão com natureza política e de caráter legislativo, que desborda a função jurisdicional, e malfere o princípio da separação dos poderes, inserto na norma do artigo 2º da Constituição da República” e “a partir do exame de toda a ordem jurídica nacional, abordada por intermédio de interpretação literal, sistemática e teleológica, não se vislumbra a existência de comando normativo, expresso ou implícito, com abrangência ampla e irrestrita que confira ao (…) a possibilidade de obter as informações pretendidas”.

Por fim, destacou-se que “o pedido dos autos pretende mover o Poder Judiciário não à prolação de ordem para fazer cumprir determinada norma, mas, sim, à criação do próprio comando normativo, para o qual, evidentemente, seria necessária a descrição de regramentos pormenorizados (…)” e concluiu que “o pedido (…) afigura-se, em princípio,

uma pretensão à supressão do exercício do Poder Judiciário, na medida em que não há norma prevendo ser prescindível a decisão do magistrado (…)”.

O acórdão foi publicado em julho de 2021.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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