Decisões

TJSP reconhece que a base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal do imóvel, utilizado para o cálculo do IPTU

Em setembro de 2021, a 9ª Câmara de Direito Público do TJSP, em sede de reexame necessário, confirmou a sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de São Paulo, com o intuito de declarar que a base de cálculo do ITCMD deve corresponder ao valor venal do bem imóvel, utilizado para fins de cálculo do IPTU.

No Estado de São Paulo, a Lei Estadual 10.705/2000 dispõe sobre o ITCMD e, com relação à base de cálculo desse imposto, seu artigo 9º, “caput” e § 1º, esclarece que “a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo). § 1º – Para os fins de que trata esta lei, considera-se como valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação”. O artigo 13, inciso I, por sua vez, estabelece que “no caso de imóvel, o valor da base de cálculo não será inferior: I – em se tratando de imóvel urbano ou direito a ele relativo, ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana IPTU”.

Em disposição ilegal (e inconstitucional), contudo, o artigo 1º do Decreto Estadual 55.002/2009 passou a estabelecer que “passa a vigorar com a redação que se segue o parágrafo único do artigo 16 do Regulamento do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – RITCMD, aprovado pelo Decreto 46.655, de 1º de abril de 2002: (…) 2 – urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso”. E, ao contribuinte, quando do cálculo do ITCMD, não é facultada a adoção da base de cálculo prevista na Lei Estadual 10.705/2000 (valor venal utilizado para cálculo do IPTU), mas, tão somente, o valor venal de referência.

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Para esses casos, em termos constitucionais e processuais, o inciso LXIX do artigo 5º da Constituição de 1988 dispõe que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. A Lei 12.016/2009, por sua vez, ao disciplinar o mandado de segurança, estabelece que será concedido mandado de segurança “sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”. Por outro lado, o artigo 496 da Lei 13.105/2015 (Código de Processo Civil) dispõe sobre a remessa necessária (ou reexame necessário), ao estabelecer que, salvo nas exceções contidas nos parágrafos do próprio dispositivo, “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público (…)”

Estabelecidas as premissas teóricas, o caso concreto consiste em um Mandado de Segurança, incluído pedido de liminar, impetrado por contribuintes que, após o falecimento de seu pai, se viram impelidos a adotar, como base de cálculo do ITCMD (cujo recolhimento é indispensável à lavratura da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecido), o ” valor venal de referência” (e não o valor venal utilizado para cálculo do IPTU), o que majorou, sobremaneira, o valor do tributo.

Em sede de liminar (artigo 7º, inciso III da Lei 12.016/2009), o Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de São Paulo autorizou os impetrantes a “recolherem o ITCMD tomando por base o valor venal do IPTU – ano 2021, dos imóveis mencionados, com repercussão nos eventuais emolumentos daí decorrentes”. Após a prestação de informações pela autoridade coatora (artigo 7º, inciso I da 12.016/2009), sobreveio sentença cujo objetivo era confirmar a decisão proferida em sede de liminar, para declarar que “a sistemática adotada pelo Estado de São Paulo ao estipular um valor venal de referência não se afina ao ordenamento jurídico em vigor, ferindo o princípio da legalidade”, pelo que concedeu a segurança, a fim de “assegurar às impetrantes o recolhimento do ITCMD, para os imóveis descritos na inicial tomando-se por base de cálculo o valor venal do IPTU para 2021”.

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Nos termos do artigo 496 do Código de Processo Civil, a sentença foi submetida à remessa (ou reexame) necessária, pelo que a demanda foi distribuída à 9ª Câmara de Direito Público do TJSP. E a Turma julgadora, por sua vez, à unanimidade, negou provimento ao reexame necessário, com a consequente manutenção da sentença, porque “a base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido (art. 9º), o qual corresponde ao valor objeto de avaliação e homologado pelo juiz (art. 10) (…) , devendo, pois, ser utilizado aquele efetivamente declarado pelas impetrantes, adotado de acordo com a Lei nº 10.705/2000, com a regulamentação do Decreto nº 46.655/02 (RITCMD), que na redação original do artigo 16, inciso I, alínea “a”, também previa a base de cálculo do IPTU como limite mínimo da base de cálculo do ITCMD”.

Os julgadores ainda consideraram que “o fisco do Estado de São Paulo estima valor que melhor lhe apraz, aplicando a nova redação do parágrafo único do artigo 16, do RITCMD, que foi dada pelo Decreto nº 55.002/09, prevendo a possibilidade de se adotar o valor atribuído ao ITBI para a base de cálculo do ITCMD. Entretanto, não se pode olvidar que esse Decreto colide com a Lei nº 10.705/00, ao fixar parâmetro novo, não previsto na pretérita norma” e que “não pode o ente público alterar a base de cálculo de tributos por decreto (somente inserir a correção monetária do período). A Administração não pode agir sem limite algum. No campo tributário (e no penal) vige a reserva legal em toda a sua intensidade (…)”.

O acórdão foi publicado em setembro de 2021.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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