Banking – Sistema financeiro e mercado de capitais, Bolsas de valores, mercadorias e futuros – Clearings e sistemas de pagamento, Decisões, Direito do consumidor, Moeda e crédito

TJSP permite que instituição financeira encerre conta corrente de corretora de bitcoin

A 21ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que instituição financeira tem o direito de encerrar conta corrente de corretora de bitcoin após conceder prazo para que esta se reorganize.

O acordão foi proferido em recurso de apelação interposto pela corretora de criptomoedas em face da instituição bancária.

A corretora ajuizou a ação afirmando ter sido surpreendida com notificação da instituição financeira na qual mantinha sua conta corrente, a qual, segundo a autora, seria utilizada para a realização de suas movimentações financeiras diárias, isto é, para o desenvolvimento de sua atividade empresarial.

Apesar disso, alegou que haveria relação de consumo entre ela e a instituição financeira e que o encerramento por desinteresse comercial iria de encontro ao conteúdo da Circular nº 3788/2016 do Banco Central.

Afirmou, além disso, que haveria comportamento anticoncorrencial por parte da instituição financeira, que, segundo a inicial, tinha por objetivo restringir a atuação da corretora.

Desta forma, a corretora reputou abusiva a notificação da instituição financeira e ajuizou a ação requerendo fosse esta condenada a manter, indefinidamente, as contas correntes de sua titularidade.

A instituição financeira contestou a inicial, esclarecendo que agiu em estrita observância da lei e dos termos do contrato, o qual, por sua vez, exigia, de qualquer das partes que quisesse rescindi-lo unilateralmente, apenas o prévio aviso por escrito, com antecedência mínima de 30 dias – prazo este que foi cumprido pela ré.

Da mesma forma, apontou que a legislação vigente (art. 474 do Código Civil) estabelece que a cláusula resolutiva expressa, como no caso concreto, opera de pleno direito, de modo que não houve nada de ilícito em sua conduta de notificar a corretora acerca de seu desinteresse comercial na manutenção da conta. Asseverou que tal disposição deriva da liberdade de iniciativa das partes, que podem decidir com quem se deseja contratar ou não, segundo os interesses e conveniências de cada um.

No que diz respeito aos argumentos específicos da petição inicial, a instituição financeira demonstrou que:

  • não se tratava de relação de consumo, uma vez que a conta corrente era utilizada como insumo para o desenvolvimento da atividade da corretora – que, portanto, não era destinatária final;
  • a rescisão do contrato não impedia que a corretora tivesse conta corrente em outras instituições financeiras;
  • contudo, a ré se preserva no direito de cautela ao lidar com qualquer participante do mercado, procurando garantir que a utilização das contas que seus clientes com ele mantêm seja sempre compatível com a política de gestão de risco por ela adotada;
  • o contrato de conta corrente entre as partes obrigava a autora a adotar padrões para a gestão do risco, uma vez que as instituições financeiras são obrigadas a conhecer seus clientes e a só manter contas daqueles que, como referido, delas se utilizam de maneira compatível com sua política de prevenção e gestão de riscos; e
  • houve diversos elementos na relação entre as partes que levaram a instituição financeira a entender que o risco da atividade por ela desenvolvida era incompatível com aquelas por si adotadas, exemplificativamente o não registro no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que visa prevenir a lavagem de dinheiro.
Leia também:  STF nega provimento a agravo interno por ausência de interposição de recurso extraordinário  

 

Foi, então, proferida sentença que refutou os pedidos iniciais, julgando a ação improcedente, levando-se em conta que não se verifica que o encerramento unilateral da conta, precedido de prazo suficiente para abertura de conta corrente em outra instituição, inviabilize a atividade da autora, que não demonstrou, durante o curso da ação, ter negado ou tomado providências burocráticas demoradas para alteração de conta bancária que superassem o prazo previsto na notificação, de modo que não se verifica abuso na prática adotada pela ré.

Além disso, considerou que a resilição estava autorizada nos termos da Resolução 2025/93 do Banco Central.

A corretora interpôs recurso de apelação, diante de seu inconformismo com a sentença, o qual foi devidamente respondido, eis que não há, no Direito brasileiro, norma alguma que obrigue a instituição financeira a manter qualquer empresa, seja o seu objeto intermediação de ativos digitais ou qualquer outro, como cliente. Vale dizer, não há lei que obrigasse a ré a manter um contrato de conta corrente que não lhe convém mais.

E foi esse o entendimento adotado pela 21ª Câmara de Direito Privado do TJSP, que concluiu que sequer seria necessário que a instituição financeira motivasse as razões da rescisão contratual, uma vez que o contrato a autorizava a fazê-lo de modo imotivado e ambas as partes estavam plenamente cientes de suas cláusulas.

Além disso, assentou que a permissão para tanto está disciplinada no Código Civil, em seu art. 474, destacando, ainda, que foi concedido prazo razoável à corretora.

A turma julgadora, na sessão de julgamento, destacou que a instituição financeira se encontra sujeita às regras do Sistema Financeiro Nacional e, portanto, insere-se em contexto de alta regulamentação, ao passo em que a corretora de criptomoedas não se enquadra em nenhum sistema regulatório.

Leia também:  TJRS acolhe alegação de erro de fato e reconhece inexistência material de número de ações alegadas como adquiridas por pessoa física

E, nesse sentir, em um contexto em que se apure eventual incompatibilidade entre as políticas de gestão de risco (inclusive no que diz respeito às políticas de lavagem de dinheiro adotadas), entendeu que é absolutamente lícito que a instituição financeira opte por não prosseguir com o contrato de conta corrente.

Ainda, os componentes da 21ª Câmara de Direito Privado do TJSP ressaltaram que não há que se falar em prática anticoncorrencial, eis que não houve demonstração de tanto, e que, no caso em tela, isso seria mera conjectura.

Por fim, observaram que era irrelevante o juízo de valor sobre a motivação contida na notificação enviada pela instituição financeira, eis que o contrato autorizava ambas as partes a requerer o encerramento da conta sem especificação de motivo algum, se assim o quisessem.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

Voltar para lista de conteúdos