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STJ reconhece licitude de propaganda publicitária comparativa explícita

O Superior Tribunal de Justiça manteve acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que autorizou a realização de propaganda publicitária comparativa explícita feita por empresa privada do ramo alimentício, negando indenização à empresa que teve seus produtos comparados com os da publicidade.

No caso em comento,  foi ajuizada ação de obrigação de não fazer cumulada com indenização por perdas e danos por empresa privada do ramo alimentício contra sua concorrente, sob a alegação de que a empresa ré teria veiculado filme publicitário de divulgação de seu próprio produto, utilizando indevidamente, em conjunto, produtos da marca da empresa autora, descumprindo, pois, com a ética concorrencial e publicitária. Pretendia assim, compelir a ré a não usar as marcas da autora sem autorização, sob pena de multa, além de requerer o pagamento de indenização por danos materiais e morais. 

Em primeiro grau, foi proferida sentença de procedência da demanda, contra a qual a ré interpôs recurso de apelação que, por sua vez, foi provido, eis que entendeu o tribunal não ter restado caracterizado qualquer ato ilícito por parte da empresa concorrente. Contra esse acórdão, a autora procedeu à interposição de recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça.

No recurso endereçado ao Tribunal Superior, a parte autora alegou que o dono da marca tem exclusividade de uso do sinal e que a legislação veda expressamente a publicidade que utiliza marca alheia sem autorização, razão pela qual deveria a demanda ser julgada procedente, impedindo que a propaganda continuasse a ser veiculada, bem como para que fosse a empresa ré condenada ao pagamento de indenização.

Todavia, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu por manter o aresto proferido pelo TJSP, por maioria, rechaçando as alegações do recurso especial.

Sintetizou o Relator do recurso, Ministro Luis Felipe Salomão, que a questão controvertida na demanda em análise “é saber se é lícita propaganda comparativa entre produtos e marcas distintas e, em caso positivo, quais são seus limites”.

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Previamente a tratar do caso concreto e definir se houve ilicitude ou não a ensejar indenização, tratou o Ministro Relator de dizer inexistir na legislação brasileira definição de publicidade comparativa. 

Contudo, trouxe à tona previsão contida no art. 32 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária criado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que permite a publicidade comparativa, observados os limites expressos nos incisos do referido dispositivo, e afirmou que “embora não possua status de lei é importante fonte que expressa os costumes do mercado publicitário”.

Em conceituação própria, afirmou o Ministro que a propaganda comparativa é “forma de publicidade que identifica explícita ou implicitamente concorrente de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como um instrumento de decisão do público consumidor” e que ela não está vedada pelo ordenamento, mas apenas restrita às regras contidas no Código de Defesa do Consumidor, bem como na legislação de propriedade industrial, devendo ser clara, objetiva, não abusiva e leal, inclusive com os concorrentes.

Afirmou que a propaganda comparativa é vedada quando cause confusão ao consumidor ou importe em ato depreciativo capaz de desviar clientela e que, do seu ponto de vista, vedar a publicidade comparada em outras situações que não as que causem os problemas acima importaria em impedimento da livre iniciativa e concorrência e em diminuição de informação ao consumidor.

Na análise do caso concreto, argumentou o Ministro Relator que as marcas das partes não guardam semelhança, de forma que impossível haver confusão entre elas, e que não se verificou qualquer atitude da ré capaz de denegrir a imagem da recorrente, não havendo que se falar em concorrência desleal. Por consequência, julgou a propaganda possível, mantendo a decisão de afastamento dos pleitos indenizatórios.

Houve voto divergente do Ministro Raul Araújo que abordou a proteção à marca prevista na constituição, bem como as disposições do direito marcário, sustentando que com o registro da marca o detentor dela adquire o direito de exclusividade de uso, sendo vedada a sua citação em “publicação comercial que lhe seja desfavorável” quando a publicidade comparativa for explícita (indicação da marca de terceiro), o que se coaduna com o caso em análise.

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Salientou ainda que “a liberdade constitucional de imprensa não pode ser invocada para legitimar a publicidade comparativa explícita e verídica, pois nessa espécie não é o interesse público de informação ao consumidor que prepondera, mas sim o interesse individual e comercial de auferir vantagem em relação ao produto concorrente”.

Concluiu, então, pela impossibilidade de uso explícito e não autorizado da marca alheia registrada, defendendo o provimento do recurso especial diante da ilicitude da propaganda veiculada.

Após a prolação de voto divergente, a Ministra Maria Isabel Galotti pediu vista dos autos, tendo, quanto ao mérito, acompanhado o Relator. Asseverou a “possibilidade de se ter determinada marca ou produto expostos para fins comparativos em publicidade concorrente” já que não há vedação expressa e específica na legislação.

Afirmou que o que a legislação pretende impedir é a apropriação indevida da marca e afetação negativa na reputação da marca, de forma que o sentido de “uso exclusivo” previsto na legislação “tem por escopo impedir a imitação/falsificação, a dúvida quanto à produção/fabricação e quanto à associação da imagem a determinado produto”.

No caso concreto, entendeu a julgadora que em momento nenhum houve tentativa de apropriação da marca e que o que se pretendia com a publicidade comparativa explícita “era demonstrar a existência de produtos concorrentes e ressaltar as características nutritivas do produto anunciado”.

Concluiu assim que não houve uso da marca, mas apenas exposição comparativa, sem informação inverídica e sem depreciação do produto concorrente, não havendo que se falar em retirada da publicidade e em dever de indenizar.

Os demais Ministros acompanharam o voto do Relator e da Ministra Galotti, de forma que restou negado provimento ao recurso especial por maioria.

O acórdão transitou em julgado em fevereiro de 2015.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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