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STJ reconhece inexistência de sucessão entre bancos e declara ilegitimidade do suposto sucessor para suportar execução
O Superior Tribunal de Justiça decidiu inexistir sucessão de instituições financeiras nos casos em que o contrato de aquisição de ativos e passivos celebrado entre os bancos se deu no âmbito de programa com regramento próprio, que tinha como objetivo especial a preservação da higidez do sistema financeiro.
No caso em questão, uma empresa de produção cinematográfica e uma pessoa física ajuizaram ação cautelar em face de uma rede de televisão com o objetivo de impedir que fosse exibido um programa produzido pelos autores por meio de contrato firmado com uma instituição financeira – contrato este que teria sido rompido unilateralmente diante de inadimplência da instituição bancária.
Deferida a liminar, foi proposta ação ordinária pelos mesmos autores em face da rede de televisão e do banco para fins de compeli-los ao pagamento das prestações contratuais supostamente inadimplidas, além de perdas e danos.
Conquanto a ação tenha sido julgada improcedente, em sede de recurso de apelação interposto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a sentença foi reformada para o fim de excluir a rede de televisão do polo passivo da demanda e condenar a instituição financeira nas prestações devidas, com seus consectários, além de perdas e danos.
Transitada em julgado a condenação, iniciaram os autores o cumprimento de sentença, requerendo a intimação de nova instituição financeira, que não havia integrado a fase de conhecimento, sob a alegação de que esse banco teria sucedido aquele, assumindo, assim, a dívida executada. Alegaram, também, que o banco originário contratante fora liquidado, razão pela qual a possibilidade de recuperação de crédito via habilitação na liquidação extrajudicial seria remota.
O juízo de primeiro grau entendeu que com a incorporação de um banco ao outro houve também a incorporação do passivo, inexistindo óbice à inclusão do novo banco como executado na fase de cumprimento de sentença, razão pela qual ordenou sua intimação para pagamento dos valores apontados como devidos pela parte contrária.
Contra essa decisão, o banco interpôs agravo de instrumento que foi provido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que reconheceu que a existência de contrato de compra e venda de ativos e assunção de obrigações não implica, necessariamente, a assunção de toda a universalidade de direitos e obrigações e, analisando o caso concreto, reconheceu que a dívida objeto da ação não se encontrava entre aquelas que haviam sido transferidas no contrato entre os bancos, razão pela qual determinou a exclusão da nova instituição financeira da execução.
Contra esse acórdão, os exequentes interpuseram recurso especial, que foi distribuído à 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.
Após ouvir entidades ligadas ao setor financeiro, quais sejam, o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA), a Federação Brasileiras de Bancos (FEBRABAN), o Banco Central do Brasil, o Instituto Brasileiro de Direito Civil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (ANFIDC), e o Ministério Público Federal, entendeu o STJ por negar provimento ao recurso.
Asseverou o Relator que o cerne da controvérsia nos autos “consiste em saber se a alienação de bens, direitos e obrigações de instituição financeira previamente autorizada pelo Banco Central, nos moldes do art. 6º, I, da Lei nº 9447/1997 – em regime de intervenção, liquidação extrajudicial ou de administração temporária – RAET –, pode caracterizar sucessão empresarial a ensejar que a adquirente venha, em virtude dessa operação, a responder por débito estranho ao negócio jurídico”.
Nessa linha de raciocínio, afirmou que crises patrimoniais sofridas por instituições financeiras podem, por vezes, afetar o sistema financeiro nacional, o que exige, em nome do interesse público, que haja intervenção Estatal garantidora de solidez e eficiência do sistema.
Apontou que referida intervenção compete ao Banco Central, que pode valer-se de três regimes especiais: intervenção administrativa, administração especial temporária e liquidação extrajudicial, além de medidas relacionadas ao aporte de capital para soerguimento da empresa, transferência de controle acionário e reorganização societária, nos termos da Lei nº 9.447/1997.
Para fins de contextualizar o caso concreto, identificou o Relator que, na década de 90, com o objetivo de contornar as reviravoltas econômicas que cercaram à época, “o Governo adotou medidas de saneamento bancário constantes da Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2.208 e da Medida Provisória nº 1179, conhecidas como PROER”. Referidas medidas foram responsáveis por fortalecer o Banco Central nas ações de intervenção, “viabilizando a ação do modelo de cisão good bank/bad bank, e a criação do Fundo Garantidor de Créditos”.
Nesse formato de cisão, o banco é dividido em dois: a parte que contém ativos bons é negociada no mercado e a parte ruim liquidada ou submetida à programa de recuperação, sendo certo que “é o próprio Estado que aliena, segregando bens e direitos do patrimônio da instituição financeira em crise, sem necessidade de obtenção do consentimento dos acionistas nem mesmo de qualquer outra pessoa, diversamente do que se verifica nos casos de alienações comuns de bens e direitos ou de cessões de créditos ou débitos”.
Invocando os dispositivos da legislação supracitada e o fato incontroverso de que no caso inexistiu reorganização societária ou transferência de ações porque a alienação foi promovida em Regime de Administração Especial Temporária, por ato de intervenção do Banco Central e não por atos dos sócios e gestores das instituições financeiras, entendeu o Ministro Relator pela impossibilidade de intimação da nova instituição financeira para responder por condenação sofrida pelo banco que sofreu intervenção e que participou da fase de conhecimento.
Por inexistir no caso incorporação, instituto por meio do qual haveria sucessão em todos os direitos e obrigações, e de ser o ato administrativo federal de intervenção e alienação de bens e direitos válido e legítimo, declarou impossível a cobrança nos termos pretendidos pelo exequente, de forma que manteve a decisão do Tribunal do Rio de Janeiro de exclusão da nova instituição financeira da lide.
O acórdão transitou em julgado em 21 de fevereiro de 2020.