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Sentença de ilegitimidade da Defensoria Pública para discutir direitos heterogêneos em ACP é mantida por falta de dialeticidade da apelação
Em decisão monocrática, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará negou conhecimento à apelação da Defensoria Pública estadual com fundamento em ofensa ao princípio da dialeticidade, por entender que não houve impugnação aos fundamentos utilizados pela sentença para declarar a ilegitimidade ativa da autora.
A ação civil pública originária foi ajuizada pela Defensoria Pública do Estado do Ceará em face de instituição financeira pedindo que a ré fosse condenada a respeitar o limite de 30% da margem consignável dos beneficiários do regime geral de previdência social que podem ser objeto de mútuo pelo beneficiário. Em sentença, o Juízo local extinguiu a ação, sem resolução do mérito, em razão da ilegitimidade ativa da Defensoria Pública para tutelar direitos heterogêneos em ação civil pública.
Nos termos da sentença, a heterogeneidade do direito decorre do fato de que a discussão de suposto descumprimento de margem consignável não caracteriza direito coletivo ou individual homogêneo, pois diz respeito a variadas modalidades de empréstimos cujas situações financeiras de fundo são diversas. Assim, eventuais abusos ou ilegalidades só poderiam ser reconhecidas mediante a análise caso a caso.
Além disso, o Magistrado entendeu que a tese em discussão, de superendividamento, configura debate de direito privado e disponível, sendo necessária a análise particularizada da situação financeira e pessoal de cada consumidor, que deveria comprovar a extensão da violação de seu direito. Desse modo, entendeu-se que não haveria homogeneidade, expressão coletiva ou relevante interesse social a amparar o ajuizamento de ação civil pública pela Defensoria Pública.
Assim, em primeira instância, a ação foi extinta, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa. Ocorre que, ao interpor apelação, a Defensoria Pública se limitou a defender a legitimidade passiva da instituição financeira, questão que sequer foi objeto das razões de decidir da sentença. Isso tornou claro que a Defensoria Pública protocolou peça processual desvinculada do caso, tendo inclusive indicado, no recurso, instituição financeira que sequer é parte no processo.
Desse modo, em decisão monocrática, o Desembargador relator do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará entendeu que a apelação seria inadmissível. Reconheceu que não houve impugnação específica dos argumentos lançados em sentença ou esclarecimento das razões pelas quais seria cabível a sua reforma.
Apontou que, para conhecimento do recurso, não é suficiente a impugnação genérica das razões da sentença, sendo essencial que haja o cotejo entre as razões de decidir e os fundamentos de fato e de direito pelos quais se entende necessária a reforma. A dissociação, como no caso, das razões do recurso e da decisão, enseja o não conhecimento da apelação.
Para embasar tal entendimento, o Desembargador Relator fez um paralelo entre a falta de dialeticidade da apelação e as Súmulas 42/TJCE, 182/STJ e 283/STF, que tratam da necessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão para conhecimento do agravo interno.
Desse modo, a sentença foi integralmente mantida e a apelação não conhecida, por ofensa ao princípio da dialeticidade, com amparo nos arts. 932, inciso III, do Código de Processo Civil e 76, inciso XIV do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.
A decisão monocrática foi proferida em 13 de abril de 2021 e transitou em julgado em 18 de setembro de 2023.