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Justiça declara ilegitimidade de sindicato para postular descaracterização de cargos de confiança

O juízo da Vara do Trabalho de Santiago reconheceu a ilegitimidade de sindicato para postular pedidos correspondentes à configuração ou desconfiguração de cargos de confiança, por caracterizarem-se como direitos individuais heterogêneos.

A sentença foi proferida em ação trabalhista coletiva, movida por sindicato em face de instituição financeira que possui agências bancárias no município do Estado do Rio Grande do Sul, sob a alegação de que o banco não estaria adimplindo com as horas extras devidas aos seus empregados.

Isso porque, conforme o sindicato autor, os empregados ocupantes do cargo de “Gerente de Contas Pessoa Jurídica” e outros cargos similares estariam exercendo serviços meramente burocráticos nas agências do banco réu, sem poderes de mando, gestão e representação, que não se distinguiriam das atividades rotineiras desenvolvidas pelos demais empregados.

Dessa forma, argumentou que tais empregados não se enquadravam na função de confiança prevista no §2º do art. 224 da CLT, e postulou a limitação de suas jornadas de trabalho a seis horas diárias, conforme o caput do art. 224 da CLT, e o pagamento de duas horas extras diárias – quais sejam, a sétima e a oitava horas – pelo banco em favor dos substituídos.

Assim, pediu, em síntese:

  • a declaração da aplicabilidade da jornada de trabalho limitada à seis horas diárias para o cargo de “Gerente de Contas Pessoa Jurídica” ou cargo similar;
  • o pagamento de horas extras excedentes à sexta hora diária e à trigésima hora semanal, bem como o de seus reflexos;
  • a declaração de incorporação dos valores percebidos pelos empregados substituídos a título de “gratificação de chefia” ou nomenclatura similar aos seus salários;
  • na hipótese de improcedência, fosse declarado efeito inter partes apenas com relação ao sindicato, não objetando a propositura individual de nova ação com idêntico objeto e causa de pedir pelos empregados do reclamado;
  • a separação das parcelas tributáveis e não tributáveis quando da apuração do imposto de renda, com a inclusão de juros de mora nestas últimas e a aplicação do regime de “apuração ou competência” com relação às primeiras;
  • a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita ao sindicato autor e o pagamento de honorários advocatícios, no importe de 15% sobre o valor total bruto da condenação, pelo reclamado.
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Em contestação, a instituição financeira ressaltou o descabimento da ação coletiva por falta de autêntico interesse coletivo, uma vez que os interesses postulados pelo sindicato não correspondem a direitos individuais homogêneos, mas sim heterogêneos.

A esse propósito, apontou a Súmula 102, I, do TST, que dispõe que a configuração ou desconfiguração do exercício do cargo de confiança previsto no § 2º do art. 224 da CLT depende de prova das reais atribuições do empregado, ou seja, da verificação da atividade específica de cada gerente, o que seria inviável no âmbito de ação coletiva.

Destacou, assim, que a verificação de eventual existência de jornada extraordinária referente aos representados somente pode ser dirimida pelo Judiciário de forma individual, atento às circunstâncias do caso concreto, apontando a inexistência de legitimidade do sindicato para a propositura da ação na qualidade de substituto processual dos empregados e a impertinência de uma sentença genérica à presente situação.

Além disso, ressaltou que o cargo de “Gerente de Contas Pessoa Jurídica”, mencionado pelo sindicato, sequer existe na atual estrutura bancária da empresa, destacando a ausência de lógica narrativa e a generalidade das alegações do autor, bem como a propositura de ações idênticas por este contra instituições diversas.

Por fim, a instituição bancária esclareceu que os ocupantes de cargo gerencial das agências em questão detêm poderes e responsabilidades diferenciadas dos bancários dos cargos de base, além de receberem gratificação de função superior a um terço do salário, conforme o disposto no § 2º do art. 224 da CLT.

Assim, requereu fosse acolhida a defesa do banco para a declaração de extinção do processo sem resolução do mérito ou, subsidiariamente, a total improcedência da demanda.

Em sentença, o juízo de 1º grau acolheu os argumentos da instituição bancária, considerando que os pedidos postulados pelo sindicato autor se inserem no âmbito dos direitos individuais heterogêneos.

Nesse sentido, afirmou que “além das alegações acerca das diferentes funções de gerências, a matéria objeto da presente substituição processual (horas extras excedentes da sexta hora diária e trigésima semanal, conforme horários constantes nos controles de jornada), diz respeito apenas a parcela da categoria, se inserindo no rol de direitos individuais heterogêneos, quanto aos quais não é processualmente admitida a substituição processual”.

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Além disso, assentou que o pedido de pagamento de horas extras depende exclusivamente de circunstâncias individualmente verificadas, ou seja, da produção de provas particulares acerca das reais atribuições desempenhadas por cada empregado, bem como de seus respectivos graus de responsabilidade no exercício dos cargos questionados pelo sindicato autor, eis que a referida função poderia, em realidade, configurar ou não o exercício de cargo de confiança pelo trabalhador.

Sobre isso, o juiz Marco Aurélio Barcellos Carneiro declarou que “se há necessidade de produção de prova individualizada, quanto a todos ou alguns dos substituídos, para que possa o Juízo decidir, em sede de conhecimento, notadamente se trata de direito individual heterogêneo, porquanto direitos individuais homogêneos não demandam a produção de prova individualizada para cada substituído”.

Acrescentou, ainda, que a controvérsia não se resolve pela simples leitura das atribuições e responsabilidades do cargo como descrito nos normativos do banco e considerou a via processual eleita pelo autor, de fato, inadequada.

Além disso, reconheceu que a legitimidade ativa, ou seja, do demandante, ou sua ausência é questão processual e prejudicial ao exame do mérito pelo juízo.

Diante disso, concluiu ser o sindicato autor parte ilegítima para postular tais pedidos, declarando a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV e VI, do CPC/2015.

Por fim, indeferiu o benefício da gratuidade judiciária ao sindicato autor, entendendo que aos sindicatos é assegurado o direito aos honorários advocatícios, e não aos benefícios que se prestam a isentar a parte de despesas processuais, eis que tal isenção está vinculada à condição de hipossuficiência, inaplicável em se tratando de pessoa jurídica, ressaltando que a presente ação foi ajuizada antes do advento da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017).

Em face da sentença, houve a interposição de recurso ordinário pelo sindicato autor, que aguarda julgamento.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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