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Justiça de São Paulo declara que a concessão de justiça gratuita a quem dela não necessita faz com que o custo do aparato judiciário seja transferido a todos por meio de tributos
O Juízo da 39ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo – SP revogou benefício da assistência judiciária gratuita anteriormente concedido à parte após verificar, ao analisar documentação apresentada por ela própria, que ela não faz jus à gratuidade processual que fora previamente deferida.
Para assim concluir, inicialmente, a decisão lembrou que a presunção de alegação de insuficiência deduzida por pessoa natural, prevista no §3º do artigo 99 do Código de Processo Civil, é meramente relativa, uma vez que deve ser interpretada à luz das disposições constitucionais e que a própria Constituição Federal, por sua vez, restringe a concessão da gratuidade da justiça àqueles que “comprovem” a insuficiência de recursos, conforme disposto no inciso LXXIV de seu art. 5º.
Partindo-se dessa premissa, o Juízo julgou por bem afastar a relativa presunção de pobreza no caso concreto em decorrência do conjunto de indícios constantes nos autos, especialmente decorrentes de documentação apresentada pela própria parte pleiteante, que não comprovou sua impossibilidade de arcar com as custas, despesas processuais e sucumbência, mas pelo contrário.
O Juízo, inclusive, adotou um parâmetro econômico como base e fundamento para sua análise, a saber, a renda de 3 (três) salários-mínimos, uma vez que a Defensoria Público do Estado de São Paulo tem como parâmetro próprio, para a prestação de serviços aos assistidos, o recebimento de renda mensal nesse patamar, tendo asseverado a magistrada que “viável a conclusão, portanto, de que quem tem renda acima desse patamar não pode fazer jus à gratuidade da justiça”.
No caso concreto, a parte pleiteante alegou que recebia uma remuneração mensal um pouco inferir a esse parâmetro estabelecido pelo Juízo, porém, além do fato de essa alegação ter presunção de veracidade relativa, a decisão indicou que demais elementos constantes nos autos sugeriam que ela possui outras fontes de renda além da declarada.
Isso porque a própria parte pleiteante apresentou cópias de suas faturas de cartão de crédito, que foram analisadas pelo Juízo, que constatou que os valores nelas constantes, “bem como os gastos nelas expostos são incompatíveis com a renda declarada pelo autor”. Além disso, a decisão fez constar que a alegação de que existiriam dívidas em nome da parte também não seria suficiente para demonstrar que ela faz jus à gratuidade processual, uma vez que não foi “demonstrada a total ausência de renda e patrimônio que inviabilizem saldar eventuais ônus decorrentes desta demanda”.
A decisão lembrou, ainda, que o correto recolhimento das custas e despesas processuais necessárias ao ajuizamento e prosseguimento de demanda judicial constitui verdadeira matéria de ordem pública e, justamente por isso, pode ser analisada a qualquer tempo e grau de jurisdição pelo magistrado, inclusive de ofício, mesmas razões pelas quais é possível a revogação de benefício concedido anteriormente caso, ao realizar essa análise, seja constatado que a parte em questão não faz jus a ele.
Por fim, a decisão fez constar que as taxas e custas do processo possuem natureza tributária e estão atreladas ao princípio da retributividade e, quando não são custeadas pela parte litigante, serão custeadas pelo próprio Estado. Ou seja, a efetiva análise de pedidos de concessão do benefício da justiça gratuita pelos magistrados visa a coibir abusos de direito, pois “a concessão irrestrita da Assistência Judiciária Gratuita a quem dela não necessita faz com que o custo do aparato judiciário seja transferido para todos os cidadãos brasileiros por meio do pagamento de tributos”.
Assim, a conclusão da Justiça de São Paulo é correta no sentido de que cabe aos magistrados realizarem efetiva e atenta análise dos pedidos de concessão do benefício da justiça gratuita para poderem concluir se a parte pleiteante faz jus a ele ou não, uma vez que a presunção de veracidade da alegação de pobreza é relativa e deve ser provada, conforme determina o texto constitucional, a fim de que o aparato judiciário não seja movimentado em abuso de direito.
A decisão foi proferida em 18/08/2021.