Financiamento de projetos e Operações estruturadas;, Recuperação de empresas e falências

Judiciário paulista decreta a desconsideração da personalidade jurídica de empresa atuante na construção civil 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de decisão da 20ª Vara Cível do Foro da Comarca da Capital, reconheceu estarem presentes os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica de empresa atuante no ramo de construção civil. 

Em síntese, a questão se colocou nos seguintes termos: 

  1. em março de 2015, a empresa-devedora pediu recuperação judicial e a instituição financeira-credora teve o seu crédito – oriundo de uma fiança bancária – reconhecido como extraconcursal por decisão transitada em julgado; 
  1. em agosto de 2016, após a fiança ter sido honrada, a instituição financeira deu início à execução de título extrajudicial, cujas tentativas de localização de bens – permeadas por diversas medidas de resistência da empresa-devedora – viram-se frustradas; 
  1. em março de 2020, foi proferida a sentença de encerramento da recuperação judicial; 
  1. em outubro de 2021, a empresa-devedora ajuizou seu segundo pedido de recuperação judicial. 

Esses quatro “marcos” deram ensejo a um exercício de reflexões e aprofundamento das buscas patrimoniais sobre a empresa-devedora. Como resultado de tais  reflexões, agregaram-se alguns elementos à cronologia acima narrada, por meio de pesquisas em fontes públicas de informação, as quais revelaram que  houve a constituição de uma sociedade anônima de capital fechado constituída por uma sociedade integrante da empresa-devedora e, além disso,  foram realizados uma série de atos societários buscando transferir patrimônio e know-how da empresa-devedora para a referida companhia fechada, com ulterior aquisição de sua participação societária por outra empresa do mesmo grupo econômico. 

Esses fatos deram ensejo ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica a pedido da instituição financeira-credora, em que se pretendia a inclusão das corrés no polo passivo da execução, ante: 

  1. o reconhecimento do abuso de personalidade jurídica da empresa-devedora, caracterizado (A) pelo reconhecimento de que entre as corrés do incidente havia controle único e indiviso, de modo que a estrutura societária fora utilizada para realocar ativos da executada de modo abusivo; (B) pela identidade de objetos sociais entre as corrés do incidente, que também não se diferenciavam por sua administração, já que compartilhavam os mesmos diretores nomeados; (C) apesar do inadimplemento da executada, houve diversos aumentos de capital por ela levados a efeito nas corrés do incidente, de modo a propositadamente afetar sua capacidade de pagamento. 
  1.  o reconhecimento de desvio de finalidade da empresa-devedora, possível de ser visualizado em suas demonstrações financeiras, que mostraram patrimônio líquido negativo, mesmo depois de ter se levado a efeito atos societários para aumentar ativos e diminuir passivos das empresas corrés, com números que colocavam em dúvida a confiabilidade de sua contabilidade (de um lado, a devedora subscreveu aumentos de capital milionários, de outro lado,  a mesma empresa não pagou nem garantiu a execução contra si movida, chegando a mencionar, em outro feito, que não estava autorizada a indicar bens à penhora). 
  1. o reconhecimento de confusão patrimonial caracterizada (A) pela transferência de ativos sem contraprestação efetiva (notadamente o acervo líquido da devedora, com referência a centenas de obras, para uma das corrés); (B) pelo compartilhamento dos endereços para as sedes das diferentes sociedades, equipes administrativas, máquinas, equipamentos, transferência de certificações de obras já executadas no passado (para fins de participação em licitações em grandes obras), contratos de obras firmados com clientes (contratos “intercompany”); (C) pelo controle comum que resulta não só da cadeia de participações societárias cruzada, como também pelo fato de que em todos os atos e postos societários relevantes havia a participação das pessoas físicas fundadoras e controladoras, e, notadamente, que a controladora de uma das corrés (e também corré do incidente) estava estatutariamente autorizada a proceder a retiradas mensais lançadas sob rubrica de “despesas gerais” no seu balanço. 
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Após estabelecimento do contraditório, a juíza da 20ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital entendeu como comprovado o aumento de capital realizado na companhia fechada e integralizado pela empresa-devedora, de modo que esta, inclusive, passou a ter a maioria da participação societária (isto é, passou a ser controladora da companhia fechada). Além disso, a magistrada reputou comprovado que havia relação de controle administrativo e influência recíproca entre as demais corrés do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em comento. 

 A magistrada entendeu, ainda, que a própria devedora fez prova cabal da existência de grupo econômico, declarando sua estrutura organizacional em seu pedido de recuperação judicial, com o intuito de fazê-lo de modo conjunto com uma das corrés deste incidente. 

Em razão disso, por meio de decisão proferida em julho de 2022, deferiu-se a desconsideração da personalidade jurídica da empresa-devedora para incluir as empresas-corrés do incidente. 

Para saber mais, confira aqui a íntegra da decisão.

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