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STJ ratifica a possibilidade de exclusão, em fase de cumprimento de sentença, da condenação ao pagamento de expurgos inflacionários
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou a possibilidade de discussão, na fase de cumprimento de sentença, de teses sobre as quais não houve decisão na fase de conhecimento e, com isso, reiterou o entendimento de que não são devidos expurgos inflacionários em depósitos judiciais com aniversário (data de crédito dos juros e da correção monetária) na segunda quinzena do mês.
O processo em referência tratou-se de ação de cobrança movida por empresas do ramo cafeeiro em face de banco depositário judicial, a fim de receberem os “expurgos inflacionários” – que consistem na diferença entre os valores creditados, a título de correção monetária dos depósitos judiciais, pelo banco depositário à época dos planos econômicos e aqueles que os beneficiários dos depósitos entendem como devidos –, supostamente incidentes sobre valores depositados em juízo, referentes aos Planos Verão, Collor I e II.
Durante a fase de cumprimento de sentença, as autoras requereram o pagamento de quantia milionária, sob a alegação de que, apenas, cumpriam a sentença condenatória, ao que se seguiu a apresentação de impugnação pelo banco.
Em sua defesa, além de outras matérias, o banco alegou excesso de execução, decorrente da indevida inclusão, nos cálculos, de depósitos judiciais com aniversário em segunda quinzena (inclusive, pelo fato de que a sentença da fase de conhecimento nada decidiu sobre o tema). Apresentada réplica pelas autoras, o juízo de primeira instância indeferiu o pedido formulado pela instituição financeira.
Por consequência, o banco interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento pela 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A casa bancária, novamente, recorreu, pela via do recurso especial. Remetidos os autos ao Superior Tribunal de Justiça, o recurso foi distribuído à Quarta Turma, sob a relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti.
Nesta circunstância, a análise de dois aspectos da disputa era fundamental:
- definir se a decisão sobre matérias não alegadas (e apreciadas) na fase de conhecimento é possível na fase de cumprimento de sentença; e
- definir se o entendimento aplicável às cadernetas de poupança, com relação à inexistência dos expurgos inflacionários nas contas que aniversariavam em segunda quinzena, deve ser utilizado nos depósitos judiciais.
A resposta do Tribunal Superior foi positiva para as duas questões.
Em sede de decisão monocrática proferida em fevereiro de 2020, a Ministra Relatora ressaltou que a inexistência de decisão específica, na fase de conhecimento, permite a análise do pedido de exclusão dos depósitos judiciais com aniversário em segunda quinzena na fase de cumprimento de sentença, visto que “não constitui ofensa à coisa julgada a apreciação, em sede de cumprimento de sentença (execução), de matéria a respeito da qual não houve decisão na fase de conhecimento do processo “.
Além disso, destacou que “se não existe no título exequendo alusão alguma aos depósitos judiciais efetuados na segunda quinzena do mês (seja determinando expressamente sua inclusão na condenação, seja excluindo-os dela), não subsiste, ao meu modo de pensar, vedação à discussão do tema na fase executória, conforme tem orientado a jurisprudência (do STJ)”.
Para fundamentar esse entendimento, a decisão se apoiou nos precedentes Agravo Regimental no Recurso Especial número 1349387/MT (Quarta Turma do STJ), Embargos de Declaração no Recurso Especial número 1299094/RS (Quarta Turma do STJ), Ação Rescisória número 5512/RS (Segunda Seção do STJ), Agravo Interno no Recurso Especial número 1555529/PR (Segunda Turma do STJ) e Agravo Regimental no Recurso Especial número 1147301/PR (Primeira Turma do STJ).
Sem afastar a importância constitucional e legal da coisa julgada, um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito, já que garante a confiança e a segurança nas relações jurídicas (e, por isso, são restritas, taxativas e expressas as possibilidades de sua rescisão), o STJ enfrentou a seguinte questão: O que fazer se a coisa julgada – no caso, decisão de mérito já transitada em julgado – não menciona questão de fundamental importância?
A resposta do STJ, reafirmando sua jurisprudência, é de que é possível a apreciação, na fase de cumprimento de sentença, de questões sobre as quais não houve decisão na fase de conhecimento.
Com efeito, uma vez ultrapassada a questão processual – já que, no caso, a coisa julgada não mencionou a inclusão ou exclusão dos depósitos judiciais com aniversário e segunda quinzena –, no mérito, acerca da possibilidade de exclusão, dos cálculos, destes depósitos, a Relatora destacou que “o STJ já deliberou que os depósitos judiciais regem-se pelos critérios estabelecidos para os depósitos em contas de poupança, e que a aplicação de índices decorrentes de expurgos inflacionários (originados da implementação de planos governamentais de estabilização econômica) só é devida em relação a valores depositados na primeira quinzena do mês”.
No particular, sustentou sua posição nos precedentes Agravo Regimental no Recurso Especial número 740791/RS (Quarta Turma do STJ), Agravo Regimental no Agravo número 1268089/SP (Terceira Turma do STJ), Agravo Regimental no Recurso Especial número 436.880/SP (Terceira Turma do STJ), Recurso Especial número 182.353/SP (Quarta Turma do STJ), Embargos de Divergência em Recurso Especial número 119602/SP (Corte Especial do STJ), extraído do Recurso Especial número 119602/SP (Terceira Turma do STJ), Recurso Especial número 69305/SP (Sexta Turma do STJ), Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial número 1332895/SP (Quarta Turma do STJ), Agravo Regimental no Recurso Especial número 883124/SP (Quarta Turma do STJ), Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial número 162326/SP (Terceira Turma do STJ).
Destaca-se que o precedente oriundo dos Embargos de Divergência no Recurso Especial número 119.602/SP, julgado pela Corte Especial do STJ em 02.09.1998, utilizado como fundamento em diversos julgados, assevera, em sua ementa, que “os depósitos judiciais são atualizados conforme os critérios estabelecidos para as cadernetas de poupança, reavivados nos ordenamentos administrativos judiciais pertinentes aos procedimentos apropriados ao depósito, nos estabelecimentos bancários. O período de correção fica compreendido entre as datas dos depósitos e dos ‘aniversários’. Não se compatibiliza com as disposições positivas de regência a correção fora das datas dos ‘aniversários’ dos depósitos”.
Em conclusão, a Relatora ressaltou, ainda, que “a exclusão dos depósitos judiciais efetuados na segunda quinzena do mês não caracteriza ofensa à coisa julgada, além de constituir medida compatível com a jurisprudência do STJ, conforme demonstrado”.
As empresas recorridas, por sua vez, interpuseram agravo interno em face desta decisão, a fim de induzirem a análise do caso pelo órgão colegiado, no qual veicularam, em suma, violação à coisa julgada, à preclusão e ao princípio da fidelidade do título judicial (arts. 502, 505, 507, 508 e 509 do Código de Processo Civil), além de preclusão lógica, decorrente do ajuizamento de ação rescisória pela instituição financeira.
Em março de 2021, contudo, a Quarta Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno e, por consequência, manteve a decisão monocrática recorrida.
Nesse sentido, a Turma ressaltou que “quanto à suposta afronta à coisa julgada, à preclusão e ao princípio da fidelidade ao título judicial, o posicionamento firmado na decisão agravada considerou a orientação do STJ, segundo a qual ‘[…] não constitui ofensa à coisa julgada a apreciação, em sede de cumprimento de sentença (execução), de matéria a respeito da qual não houve decisão na fase de conhecimento do processo'”, além do que “a decisão agravada não promoveu reanálise de fatos e provas da causa para construir sua conclusão. Ao contrário, apoiei-me no mesmo quadro fático com que laborou a Corte de origem, mormente o fato – afirmado no acórdão recorrido – de o título exequendo não haver versado sobre a aplicação de expurgos inflacionários em relação a depósitos judiciais realizados na segunda quinzena do mês”.
Ou seja, como já exposto, decidir, na fase de cumprimento de sentença, sobre questões que não foram apreciadas na fase de conhecimento não ofende a coisa julgada, tampouco abala a segurança jurídica (e, dessa forma, não fere os preceitos constitucionais inerentes ao Estado Democrático de Direito). Trata-se, isto sim, de uma regra de interpretação da coisa julgada.
Há que se destacar, por fim, que, nos dizeres do órgão julgador, as matérias não suscitadas em sede de contrarrazões de recurso especial não podem fundamentar o agravo interno, em razão da vedação à inovação recursal. Nesse sentido, dispôs o acordão que “a superveniência de perda de interesse na reforma do acórdão recorrido não foi suscitada nas contrarrazões do recurso especial, sendo alegada, de forma inovadora, na presente sede processual. Deixo de conhecer dessa matéria, haja vista que o agravo interno não constitui instrumento processual destinado a possibilitar inovação argumentativa”.
O acórdão foi publicado em março de 2021.