Justiça Federal do Pará julga improcedentes os pedidos veiculados em sede de ação civil coletiva que requereu a condenação de instituições financeiras a devolverem em dobro os valores eventualmente cobrados indevidamente de beneficiários do INSS; tal ação ocorreu, pois, a Justiça reconheceu que se trata de direito heterogêneo, não sendo possível a sua tutela pelo veículo eleito.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e diversas instituições financeiras, com o objetivo de que (i) o INSS fosse compelido a suspender os descontos efetuados sobre a aposentadoria ou pensão dos beneficiários que aleguem não ter realizado o empréstimo consignado, a partir da simples reclamação feita pelo segurado, sob pena de multa diária em caso de descumprimento. Dessa forma, ficaria suspenso o desconto, endeveria o INSS, para averiguar a regularidade da cobrança, instaurar procedimento e somente após a sua conclusão reativar ou não o desconto no benefício previdenciário; e (ii) as instituições financeiras fossem compelidas a restituir em dobro os valores cobrados indevidamente, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o procedimento administrativo necessário à suspensão dos descontos (previsto em regulamentação própria) lesaria tais beneficiários, na medida em que estes são mantidos até o fim do procedimento que supostamente seria demorado, quando se constata a existência (se concreta) da alegada fraude. Desse modo, segundo alega o MPF, o referido procedimento violaria o Código de Defesa do Consumidor, especificamente o disposto no art. 6º, inciso VIII, que prevê a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, uma vez que existiria verossimilhança em suas alegações ou quando verificada sua hipossuficiência.
O juízo de primeira instância julgou extinta a ação sem resolução de mérito em relação ao pedido de suspensão dos descontos efetuados sobre a aposentadoria ou pensão dos beneficiários os quais alegarem a não realização do empréstimo consignado, em razão da superveniente edição de uma Instrução Normativa do INSS que passou a prever a suspensão pleiteada pelo MPF.
Em relação ao pedido de devolução em dobro, direcionado às instituições financeiras, o pedido foi julgado improcedente por se reconhecer a heterogeneidade do direito alegado, sendo impróprio o veículo eleito – ação civil pública – para tutelá-lo.
Nesse ponto, o juízo esclareceu que, ao término da fase de conhecimento da ação civil coletiva, somente há a certificação, em sentença genérica, de uma situação jurídica dotada de homogeneidade, resolvendo-se as seguintes questões, concernentes à obrigação deduzida em juízo: se é devida (“an debeatur”); o que é devido (“quid debeat”); quem deve (“quis debeat”). Sendo assim, afirmou-se que, com a liquidação, há a complementação do título executivo, mediante a identificação da margem de heterogeneidade dos direitos tutelados: para quem é devido (“cui debeatur”) e o quanto é devido (“quantum debeatur”).
Com efeito, ainda que se fale em descontos decorrentes de empréstimos consignados em benefícios previdenciários, o juízo entendeu que não há como se concluir que: i) os referidos descontos são decorrentes de fraudes e, sobretudo; ii) ainda que decorrentes de fraudes, seriam derivados do mesmo ato ilícito.
Assim, em relação à restituição em dobro, o magistrado afirmou que se trata de situações e valores individualizados, que devem ser cobrados pelos próprios segurados eventualmente lesados, após a análise da ilicitude, em cada caso concreto.
Por fim, o juízo ressaltou que, caso constatado o ato ilícito na demanda individual ajuizada, a restituição em dobro requerida pelo MPF já possui previsão legal, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC, de modo que não seria necessária a determinação judicial genérica para sua aplicação.
A sentença foi publicada em 30.5.2023 e ainda está em curso o prazo recursal.