O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar agravo em recurso especial, decidiu que não existe, em regra, caráter acessório entre o contrato de compra e venda de bem de consumo e o contrato de financiamento bancário destinado a fornecer os valores necessários à aquisição do mesmo bem. Desse modo, a instituição financeira que concede financiamento não pode ser responsabilizada solidariamente pelo inadimplemento do fornecedor do bem de consumo.
Na origem, trata-se de ação ajuizada com a intenção de obter indenização da instituição financeira que concedeu financiamento para aquisição de bens de consumo. Em razão do não recebimento dos bens adquiridos pelo autor, foi ajuizada a ação de obrigação de dar coisa certa com pedidos de indenização por danos morais e materiais. A sentença extinguiu a ação, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa.
Em julgamento de recurso de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí decidiu que o descumprimento do contrato de compra e venda repercutiria no contrato de financiamento, por se tratar de contratos coligados. Assim, a instituição financeira teria legitimidade solidária para responder pelo inadimplemento da entrega do bem adquirido.
Ao decidir a questão, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática posteriormente confirmada por acórdão proferido no julgamento de agravo interno, entendeu que o acórdão do Tribunal de origem violou duas teses já consolidadas pela Corte Superior.
A primeira delas é no sentido de que não há relação entre os contratos de compra e venda de bem de consumo e o de financiamento, considerando que constituem contratos distintos e independentes. A segunda é no sentido de que a instituição financeira que concede financiamento destinado à aquisição de bem de consumo não tem legitimidade para figurar no polo passivo da ação ajuizada pelo consumidor para discutir o contrato de compra e venda em que foi constatado vício.
Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é incabível a manutenção da instituição financeira no polo passivo da demanda, considerando que o contrato de financiamento e o de compra e venda de bem de consumo são absolutamente autônomos.
Outro ponto do acórdão do Tribunal de origem que o Superior Tribunal de Justiça reformou se refere à condenação à repetição do indébito em dobro. A Corte Superior entendeu que não foi atendido o requisito de comprovação de má-fé, considerando que a condenação à devolução em dobro havia sido embasada tão somente nos “preceitos balizadores do Código de Defesa do Consumidor”.
Ainda, levou-se em consideração a modulação dos efeitos da tese firmada pela Corte Especial no sentido de que é suficiente a demonstração de que a cobrança indevida foi contrária à boa-fé objetiva para que haja condenação à repetição em dobro, de modo que tal entendimento, em que pese mais recente, não seria aplicável ao caso concreto. Assim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, no caso, seria necessária a demonstração de má-fé para que houvesse a imposição da sanção civil de devolução em dobro.
O acórdão foi publicado em 24 de fevereiro de 2022 e transitou em julgado em 14 de setembro de 2023