Subordinação algorítmica: plataformas digitais e a relação de emprego  

A sociedade contemporânea está imersa em uma era digital, em que algoritmos desempenham um papel cada vez mais proeminente em diversos aspectos da vida cotidiana. No contexto laboral, a subordinação algorítmica já é realidade e está moldando as dinâmicas das relações de trabalho.[1] 

O texto a seguir aborda os diversos tipos de subordinação e verifica a possibilidade de aplicação da subordinação algorítmica que, à rigor, se traduz em substituir o empregador por um sistema tecnológico baseado em algoritmo – e se podem ser tratados como equivalentes.  

O presente texto aborda como o Poder Judiciário brasileiro tem realizado a releitura das normas trabalhistas, em atenção dos novos arranjos produtivos à luz dos preceitos constitucionais, principalmente após o período de emergência sanitária decorrente da pandemia de COVID-19, tempo em que o trabalho intermediado por plataformas digitais, ante a necessidade de distanciamento social, passou a ser imprescindível.  

Este texto aborda a definição desse novo sistema de trabalho baseado em algoritmos e as implicações dessa crescente influência algorítmica nas relações laborais, examinando seus impactos no ambiente profissional que surgem desse novo paradigma, identificando as diferenças e semelhanças entre os tipos de subordinação elencados pela doutrina e o surgimento da economia de compartilhamento (gig economy).  

Os tipos de subordinação e as relações de trabalho

A definição de relação de trabalho perpassa por apreender os elementos que a constituem, sendo eles:  

  1. Pessoalidade: A relação jurídica pactuada deve ser intuitu personae, que não poderá fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados; 
  1. onerosidade: manifesta-se pelo pagamento, feito pelo  empregador, de parcelas dirigidas a remunerar o empregado em função do contrato empregatício pactuado; 
  1. habitualidade ou não eventualidade: para que haja relação empregatícia é necessário que o trabalho prestado tenha caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico; 
  1. subordinação. 

Sendo este último o elemento que, de fato, caracteriza a relação empregatícia a diferenciando, por exemplo, de um contrato de prestação de serviços. 

A subordinação é o elemento principal de diferenciação entre a relação de emprego e as demais formas de contratação de prestação de trabalho no mundo contemporâneo, incluindo as diversas modalidades de trabalho autônomo. [2] 

Por subordinação têm-se a definição etimológica da palavra sendo sub (baixo) e ordinare (ordenar), traduzindo a noção de estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição ou de valores.[3]  

Nessa mesma linha etimológica, transparece na subordinação uma ideia básica de “submetimento, sujeição ao poder de outros, às ordens de terceiros, uma posição de dependência” [4].  

De modo suscinto, pode-se destacar as seguintes formas de subordinação elencadas pela doutrina, com vistas a demonstrar a evolução desse elemento característico das relações de trabalho. 

  1. Clássica (ou tradicional): é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no que diz respeito ao modo de realização de sua prestação laborativa. Trata-se, portanto, da dimensão original da subordinação. 
  1. Objetiva: é a subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços. Essa forma de subordinação demonstra uma relação de coordenação entre as atividades do trabalhador e a atividade empresarial. 
  1. Estrutural: é a subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber ou não suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento. [5] 

Impende destacar que, na subordinação estrutural, não importa que o trabalhador esteja alinhado aos objetivos empresariais, nem que receba ordens diretas dos gestores do empreendimento: o ponto central é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica das operações do tomador de serviços e sujeito às normas dali decorrentes.  

Desse modo, vê-se que a relação empregatícia surge como resultado da combinação dos cinco elementos fático-jurídicos elencados no início deste tópico, sendo a subordinação o elemento central da caracterização da relação empregatícia, seja qualquer de suas modalidades.  

Sendo assim, também é possível notar que ela decorre do poder diretivo de um empregador, ou seja, um gestor – ou um conjunto de gestores – traçam estratégias, critérios objetivos e subjetivos de condução da atividade empresarial, a qual está vinculado ao trabalhador, em maior ou menor grau.  

O que se questiona é: quando não há a figura de uma gestão direta/indireta caracterizada por um indivíduo (ou conjunto deles) existe relação de emprego? 

A questão é nova e controvertida na doutrina e jurisprudência, que buscam nortear as novas relações de trabalho inauguradas com o avanço da tecnologia e demandas sociais, alinhando a nova realidade laboral com os preceitos constitucionais de proteção ao trabalho e emprego, sem que isso resulte na ingerência das atividades empresariais, respeitando a livre iniciativa e a ordem econômica.  

As plataformas digitais e a GIG economy

 A evolução da tecnologia promoveu diversas modificações nas relações sociais, entre as quais observa-se uma crescente alteração nas relações laborais, resultado da introdução da tecnologia na produção de bens e serviços.  

Nesse aspecto, em 2020, a pandemia do COVID-19 funcionou como catalizador para as modificações das relações de trabalho em razão da intensificação das interações por meio de dispositivos eletrônicos ocasionada pela necessidade do distanciamento social.  

As plataformas digitais foram um dos aspectos mais relevantes desse processo de transformação no mercado de trabalho. As relações trabalhistas foram significativamente afetadas pela inovação tecnológica, sobretudo em relação ao requisito da dependência do trabalhador em face do empregador.  

Nesse aspecto, entende-se que as clássicas relações de dependência do empregado em face do empregador, como visto no tópico acima, não parecem se encaixar nesse novo cenário em que a figura do empregador é representada por um dispositivo móvel, virtual, cujas orientações são pautadas em arranjos algorítmicos.   

  1. Definição de algoritmo  

Um algoritmo é uma sequência finita de passos bem definidos e não ambíguos que descrevem um processo ou conjunto de operações para realizar uma tarefa ou resolver um problema específico. Ou seja:  um algoritmo é um conjunto preciso de instruções ou regras que, quando seguidas corretamente, levam a uma solução para um problema ou à execução de uma tarefa. 

Os algoritmos são utilizados em diversas áreas, como ciência da computação, matemática, engenharia e outras disciplinas, para descrever procedimentos sistemáticos e lógicos. Na computação, os algoritmos são fundamentais para o desenvolvimento de programas e para a resolução de problemas computacionais. [6] 

A questão que se coloca é saber se esse conjunto de operações definidos podem ou não caracterizar relação de emprego quando ditam regras para o desempenho de atividades laborais por meio de plataformas digitais, cujo cumprimento pelo indivíduo a ela sujeito tem como contrapartida remuneração pecuniária determinada.  

  1. As plataformas digitais e o surgimento da GIG economy  

De acordo com o dicionário de Cambridge, o termo “gig economy” trata-se de uma modalidade alternativa de labor: “Uma forma de trabalho baseada em pessoas que têm empregos temporários ou fazem atividades de trabalho freelancer, pagas separadamente, em vez de trabalhar para um empregador fixo.” [7] 

A definição de gig economy perpassa por aquilo que os economistas vêm classificando como economia de compartilhamento, uma nova forma de relação econômica baseada no modelo por demanda. Nela, seus operadores são representados, basicamente, por trabalhadores que ingressam na economia de compartilhamento utilizando-se de seus próprios bens, tempo e fontes de capitalização, não dependentes dos meios de produção que outrora estavam sob domínio exclusivo dos empregadores.  

Esse novo modelo econômico (com todas as ressalvas daquilo que a doutrina econômica adota para a definição própria de modelo econômico) abrange a colaboração de bens e serviços utilizando a internet como intermediadora, comungando da ideia de usar uma plataforma digital on-line para ajustar oferta e demanda. [8] 

Por se tratar de plataformas digitais, o ponto mais sensível de se sustentar, entre os elementos necessários à caracterização da relação de emprego, é a subordinação, em especial, em atenção ao conceito clássico desse instituto, como visto no capítulo anterior. 

Nesse cenário, observa-se que são delegadas às funções decisórias aos sistemas das plataformas digitais máquinas, as quais se valem da inteligência artificial (AI) para solucionar questões e adotar medidas, o que decorre sempre da programação e treinamento do algoritmo aliada à base de dados existente no sistema da plataforma digital 

Os sistemas que se utilizam da AI podem ser influenciados pela programação do algoritmo, que sempre gira em torno dos padrões pré-estabelecidos pelo idealizador. Tal constatação levaria a crer que, de fato, restaria caracterizada a subordinação (ainda que em grau mínimo) e, portanto, vínculo empregatício.  

Cabe ressaltar que alguns autores têm defendido a existência de uma nova espécie de subordinação, a algorítmica. Nesse novo regime de organização do trabalho – e, consequentemente, seu controle – apresenta-se como sendo uma programação por comandos, uma direção por objetivos a partir de uma estimulação de regras e comandos pré-ordenados, que incumbe ao trabalhador a reação, em tempo real, dos sinais para realizar os objetivos determinados pelo programa. 

Entretanto, para a existência e validade do contrato de trabalho é necessário que haja, cumulativamente, a caracterização dos elementos da relação empregatícia, não apenas a subordinação.  

As novas relações de trabalho e a competência da Justiça Especializada

Como visto no capítulo anterior, a subordinação é um dos critérios de verificação para a configuração do vínculo de empregado. Nesse aspecto, a realidade mostra que os prestadores de serviço cadastrados nas plataformas têm um grau de independência em relação a elas muito maior que um terceirizado em relação à empresa tomadora de serviço, por exemplo, podendo se desconectar quando quiser e definir sua própria jornada de trabalho, o que afasta o requisito da habitualidade. [9] 

E mais, o mesmo indivíduo pode se ativar nas mais diversas plataformas digitais que promovem essa intermediação entre demandante e demandado da força de trabalho, não originando qualquer vínculo de pessoalidade com as empresas detentoras das referidas plataformas, o que por si só afasta mais um dos requisitos da caracterização do vínculo empregatício. 

Não obstante, essa nova modalidade, que é resultado do uso intenso e sofisticado da moderna tecnologia, vem tornando dificultosa a identificação da subordinação, que, como visto, é elemento essencial da caracterização tradicional da relação empregatícia. Isso denota que o trabalho subordinado está se revelando insuficiente para funcionar como elemento central do direito do trabalho [10] 

Nesse aspecto, surge a necessidade de adaptar o direito do trabalho às novas formas de relações deste, de modo que possa ocupar-se, além da tradicional relação de emprego, do trabalho avulso, do trabalho eventual, do trabalho autônomo, do trabalho precário, cada vez mais comuns nas novas técnicas de produção e no novo mercado de trabalho.  

O art. 114, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional 45/2004, ampliou o prisma de atuação da Justiça do Trabalho. Confira-se a redação do referido dispositivo: 

 Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:        

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;           

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;          

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;           

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;           

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;   

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; 

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;   

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;  

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.  

Essa nova redação abre espaço para a Justiça do Trabalho dirimir não apenas litígios oriundos da relação formal de emprego, bem como solucionar outras controvérsias decorrentes das relações de trabalho lato sensu. Apesar de tal dispositivo constitucional tratar apenas da fixação da competência da Justiça Especializada, delimitando critério processual para o julgamento de demandas, vê-se uma tendência de ampliação da proteção jurídica a outros trabalhadores, além dos tradicionais empregados; entretanto, não parece haver margem para encaixar nessa competência os prestadores de serviço que exercem sua atividade por meio de plataformas digitais. [11] 

Contudo, essa definição de competência não surge por determinação legal ou entendimento doutrinário, mas do reflexo das novas formas de trabalho inauguradas pelas plataformas digitais e o surgimento do “modelo econômico” tratado no tópico anterior que, sem a devida regulamentação, cria espaço para o surgimento da subordinação algorítmica e a possibilidade de reconhecimento do vínculo de emprego.  

Nesse particular, o Poder Legislativo tem se debruçado sobre a temática envolvendo o trabalho intermediado por plataformas on-line, no sentido de prever determinadas garantias a essa forma de trabalho que, se contabilizadas apenas os programas de transporte (Uber, 99pop, iFood), contam com 1,6 milhão de pessoas cadastradas em suas bases de dados. [12] 

O projeto de Lei Complementar n. 90/2023 de autoria do senador Rogério Marinho (PL/RN), que propõe regras trabalhistas para os aplicativos de entrega, deixa claro que não seria criado vínculo de emprego como previsto na CLT –  mesmo que esteja previsto a cobrança de taxas pelas plataformas, benefícios e incentivos, sistemas de avaliação, sistemas de acompanhamento em tempo real, normas de conduta, políticas de utilização da plataforma ou manual de uso, verificações de segurança, definição de políticas de exclusão de cadastro do prestador, oferta de cursos e treinamentos e comunicação com o trabalhador. 

O projeto de Lei, em seu art. 3º, menciona: 

Art. 3º A relação jurídica mantida entre a operadora de plataforma tecnológica de intermediação e o prestador de serviços independente será de natureza civil, não se aplicando o disposto na Consolidação das Leis do Trabalho, de que trata o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. 

§ 1º São características da relação jurídica de que trata o caput: 

(…) 

II – Liberdade para o prestador de serviços independente decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará à plataforma tecnológica de intermediação;  

III – ausência de qualquer relação de exclusividade entre a operadora de plataforma tecnológica de intermediação e o prestador de serviços independente;  

IV – Inexistência de qualquer vedação ao exercício concomitante, pelo prestador de serviços independente, de outras atividades profissionais; [13] 

Os incisos destacados acima demonstram, efetivamente, que o projeto de Lei Complementar afastaria os requisitos para a caracterização da relação clássica de emprego.  

A questão do trabalho intermediado por plataformas digitais também tem sido objeto de embate no Poder Judiciário no sentido de que, uma vez não caracterizada a relação de subordinação, o serviço prestado deve ser tratado como relação contratual civil, portanto, competente o ramo da Justiça Comum como solução das demandas. 

Em recente decisão do Min. Alexandre de Moraes, integrante da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, foi incisivo no sentido de que a Justiça do Trabalho não tem reconhecido a autoridade das decisões do STF proferidas em caráter de controle concentrado de constitucionalidade (as quais vinculam todo o Poder Judiciário). Isso porque, no caso concreto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), deixou de aplicar a ADC 48, que estabeleceu o seguinte entendimento: 

A Lei nº 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 – O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei nº 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF. 3 – Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista” [14] 

A interpretação desse entendimento também vem sendo aplicada aos casos em que se discute reconhecimento de vínculo de emprego entre entregadores e as plataformas digitais. A não observância dessa tese firmada pelo STF é alvo de Reclamações constitucionais – o meio processual pelo qual se objetiva garantir a autoridade das decisões do Supremo.  

O julgamento do Min. Alexandre de Moraes nos autos da RCL 60347, foi julgada procedente com a seguinte certidão de julgamento, ainda pendente de publicação do acórdão: 

A Turma, por unanimidade, julgou procedente o pedido, de forma que seja cassado o acórdão impugnado e, desde logo, julgou improcedente a Ação Trabalhista (processo 0010231.76.2021.5.03.0023), em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho, nos termos do voto do Relator. Em questão de ordem, também por unanimidade, determinou que seja oficiado o Conselho Nacional de Justiça, com o levantamento das reiteradas decisões de descumprimento do que tem decidido esta Corte na ADC 48, na ADPF 324, no RE 958.252 (Tema 725-RG), na ADI 5.835 MC e no RE 688.223 (Tema 590-RG). Falou o Dr. Márcio Eurico Vitral Amaro pela parte reclamante. Presidência do Ministro Alexandre de Moraes. Primeira Turma, 5.12.2023. [15] 

Note-se que não apenas os Tribunais Regionais do Trabalho têm desrespeitado as decisões do STF, mas até mesmo o Tribunal Superior do Trabalho vem reconhecendo vínculo empregatícios sob o fundamento de que há subordinação algorítmica entre a plataforma e os entregadores, como forma de afastar a aplicação do Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral do STF. 

Veja-se o que a 2ª Turma do TST decidiu nos autos do Recurso de Revista 536-45.2021.5.09.0892

“(…) No caso dos autos, constou no acórdão regional que o reclamante fez um cadastro na empresa, enviando seus documentos pessoais e seus dados bancários, recebeu as informações sobre o funcionamento da plataforma também por meio digital e manifestou o seu acordo com relação a elas. Além disso, extrai-se do próprio acórdão que os prepostos da reclamada mencionaram a prerrogativa de descadastramento do trabalhador em caso de desatendimento das condições reputadas adequadas pela plataforma (o que efetivamente acabou ocorrendo) e também constou do acórdão que o reclamante era avaliado pelos usuários, suportando consequências de uma avaliação negativa. 

Pelo trabalho realizado, o reclamante recebia remuneração determinada pela empresa reclamada, a qual não foi negociada com ele mesmo ou com o consumidor. 

No caso dos autos, o trabalho estava inserido na dinâmica da atividade econômica desenvolvida pela reclamada. 

Na petição inicial, o reclamante afirmou que foi contratado pela reclamada em 04/05/2021 e dispensado em 18/07/2021, tendo apresentado prints dos registros diários de sua prestação de serviços, com corridas, trajetos, horários, valores recebidos, tudo a partir da plataforma digital da própria reclamada. E, da leitura do teor da defesa, vê-se que a reclamada não nega a prestação dos serviços nesse período, mas apenas alega que ela não ultrapassava 13,27 horas semanais, em média (fls. 130), dedicando-se a discutir a não caracterização do vínculo de emprego em abstrato, a partir das características do seu modelo de negócios. 

Portanto, da própria natureza das alegações processuais da reclamada fica evidente que ela controlava as demandas e indicava o trabalhador, tudo de acordo com as condições empresariais estipuladas unilateralmente por ela. 

Para trabalhar, o reclamante tinha de ficar conectado à plataforma, sendo avaliado e sofrendo bloqueios oriundos dessas avaliações, observando a lógica do ranqueamento e a pressão do descadastramento. A empresa, de forma discricionária, decidia pela manutenção ou não do reclamante na plataforma, o que evidencia o seu poder diretivo. Essa é uma constatação extraída a partir de uma série de pesquisas empíricas a respeito do modelo de negócios das empresas de plataformas digitais, que não demonstram ter incidência distinta ou peculiar na situação concreta do reclamante, nesses autos. 

Vê-se, assim, que, seja a partir do enquadramento jurídico da atuação empresarial da reclamada, seja a partir dos elementos de fato disponíveis na moldura fática delimitada pela Corte regional, não é possível afastar a subordinação jurídica (em perspectiva algorítmica e estrutural), a não eventualidade, a onerosidade e a pessoalidade da prestação de serviços verificada nos autos, de modo que restaram atendidos os requisitos necessários e suficientes para a configuração do vínculo de emprego mantido entre as partes. 

Saliente-se que o Direito do Trabalho e seus princípios protetores devem abranger os entregadores de aplicativos, visto que nada há de incongruente entre os seus pressupostos e o modelo de negócios das empresas que prestam serviços e que controlam trabalhadores por meio de plataformas digitais, cabendo ao Poder Judiciário a constante releitura das normas trabalhistas, em face dos novos arranjos produtivos, mas sempre em compasso com o horizonte constitucional da dignidade humana e do trabalho protegido por um sistema público de proteção social. 

Ao afastar-se desse horizonte, em face de uma concepção jurídica equivocada a respeito da relação social estabelecida pelas empresas que utilizam plataformas para contratar trabalho, a Corte regional recusou ao reclamante as garantias mínimas previstas nos arts. 1º, III e 6º da Constituição Federal.[16] 

No caso destacado acima, a 2ª Turma do TST deu provimento ao recurso do reclamante por entender que houve violação aos arts. 1º, III, 6º e 7º da Constituição Federal, para reformar o acórdão regional e reconhecer o vínculo de emprego entre o reclamante e a plataforma digital, determinando o retorno dos autos ao primeiro grau para julgar novamente os pedidos formulados pelo trabalhador. (grifou-se). 

Em que pese a discussão ser muito recente e necessitar, como visto, de regulamentação pelo Poder Legislativo, não se pode negar a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal que já entendeu que são válidas e constitucionais outras formas de trabalho, não apenas as previstas na CLT, nos termos da ADC 48. 

O desrespeito reiterado da Justiça do Trabalho, não obstante sua função precípua de garantir os direitos trabalhistas e a dignidade da pessoa humana, não pode se afastar das decisões proferidas em caráter de controle concentrado de constitucionalidade, sob pena de criar insegurança jurídica e violar o princípio da livre iniciativa, inviabilizando a atividade das plataformas digitais no Brasil e, possivelmente, ensejar o encerramento das atividades dessas empresas, criando o efeito inverso, fazendo surgiu uma massa de desalentados, que viu nessa forma de trabalho um meio de escapar dos efeitos deletérios promovidos pelo desemprego e, principalmente, pela pandemia de COVID-19.  

Conclusão 

Vê-se, portanto, que a subordinação algorítmica nas relações de trabalho é um fenômeno complexo que traz desafios significativos, tanto de ordem econômica quanto jurídica.  

É crucial encontrar um equilíbrio entre a eficiência proporcionada pela tecnologia e a proteção dos direitos e bem-estar dos trabalhadores. O diálogo entre todos os Poderes é fundamental para desenvolver regulamentações e práticas que promovam uma transição justa face à proteção da automação do trabalho. 

O diálogo se mostra cada vez mais importante nesse cenário, pois, como visto, o Poder Judiciário tem enfrentado duro embate no tocante à (in) existência de vínculo de emprego entre os prestadores de serviço e as plataformas digitais, ao argumento de que a subordinação algorítmica se mostra presente nessa relação.  

Não se questiona inexistência ou não da subordinação algorítmica, mas sim os efeitos do seu reconhecimento nas relações de trabalho. Se, de um lado, a instância máxima do Poder Judiciário determina que não haja reconhecimento de vínculo de emprego nessas situações, não se pode admitir que instâncias inferiores digam o contrário, sob pena de criar uma situação de insegurança jurídica no país capaz.  

 Portanto, reconhecer o vínculo de emprego ao argumento de se estar diante da subordinação algorítmica, pode ensejar o encerramento das atividades promovidas pelas plataformas digitais, as quais desempenharam um importante papel na mitigação dos efeitos da pandemia de COVID-19, criando postos de trabalho e mantendo, ainda que em parte, o funcionamento de diversos estabelecimentos comerciais.  

Autor: Ulysses Soares dos Santos

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