O Supremo Tribunal Federal, em acórdão publicado em 14/02/2024, reconheceu a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial em contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), conforme a Lei nº 9.514/1997.
O julgamento do Tema 982 pelo Plenário da Suprema Corte fixou a referida tese no bojo do Recurso Extraordinário de nº 860.631, com repercussão geral reconhecida, interposto por mutuário contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, mantendo a sentença de improcedência proferida nos autos de ação anulatória, entendeu pela constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial de imóvel para a satisfação de créditos garantidos por alienação fiduciária, nos termos do que dispõe a supracitada lei, e que restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – CPC, ART. 557 – SFH – EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL – CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA – ARTIGO 38 DA LEI 9514/97 – NÃO HÁ QUE SE FALAR NA APLICAÇÃO DO DL 70 66 – O PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO DO TÍTULO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NÃO OFENDE A ORDEM CONSTITUCIONAL.
I – Cumpre consignar que o presente contrato possui cláusula de alienação fiduciária em garantia, na forma do artigo 38 da Lei nº 9.514/97, cujo regime de satisfação da obrigação difere dos mútuos firmados com garantia hipotecária, posto que na hipótese de descumprimento contratual e decorrido o prazo para a purgação da mora, ocasiona a consolidação da propriedade do imóvel em nome da credora fiduciária.
II – Diante da especificidade da lei em comento, não há que se falar na aplicação das disposições do Decreto-Lei nº 70/66 neste particular.
III – O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário.
IV – “In casu”, verifica-se no registro de matrícula do imóvel (fls. 40/45), que o autor foi devidamente intimado para purgação da mora, todavia, o mesmo deixou de fazê-lo, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária.
V – Agravo legal improvido.
Em sede de recurso extraordinário, sustentou o recorrente que a execução extrajudicial no Sistema Financeiro Imobiliário, prevista pela referida lei, viola os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, na medida em que permite ao credor fiduciário a excussão do patrimônio do devedor sem a participação do Poder Judiciário e, consequentemente, sem a figura imparcial do juiz natural, o que representaria forma de autotutela.
Em razão disso, alegou a violação ao artigo 5º, incisos XXIII, XXXV, LIII, LIV e LV, da Constituição Federal.
Defendeu, ainda, a inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista na supracitada lei, comparando-a ao procedimento previsto no Decreto-Lei nº 70/1966, submetido a julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal sob a sistemática da repercussão geral (RE 627.106, Tema 249).
O voto do Relator, Ministro Luiz Fux, abordou o contexto da edição da Lei nº 9.514/1997, dispondo acerca da criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em 1964, por meio da Lei nº 4.380, com o objetivo de facilitar o acesso a financiamentos imobiliários e reduzir o déficit habitacional no país.
Nesse âmbito, destacou a edição do Decreto-Lei nº 70/1966, pelo qual instituiu-se a cédula hipotecária como instrumento hábil para a representação de créditos hipotecários e trouxe a previsão de emissão da garantia hipotecária nos casos de operações compreendidas no SFH. Ainda, quanto ao trâmite da execução hipotecária, foi conferida, na ocasião, a opção ao credor hipotecário de executar a hipoteca pelas vias dispostas no CPC ou pelo trâmite do decreto, prevendo, assim, a possibilidade da execução de forma extrajudicial.
Em razão de um cenário de inflação acelerada e agravamento de crises financeiras que se seguiram nas décadas posteriores, bem como da consequente estagnação do financiamento habitacional, foi editada, em 1997, a Lei nº 9.514, que passou a dispor sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, dando início a um novo modelo regulatório.
A esse respeito, pontuou o Relator em seu voto que:
[…] a inadequação do modelo regulatório então vigente (garantia hipotecária do SFH) levou à queda do número de financiamentos imobiliários de 300 mil imóveis por ano (no fim da década de 1970) para aproximadamente 30 mil imóveis por ano (no fim da década de 1990), em sinal que apontava a necessidade de uma reformulação do sistema e da criação de mecanismos mais seguros de garantia ao seu financiamento.
Nesse contexto, o sistema regulado pela Lei 9.514/1997 surgiu como importante alavanca ao setor imobiliário, tornando-o mais dinâmico e atraente a investimentos, sobretudo pela celeridade e efetividade na recuperação do crédito objeto de financiamento imobiliário. A partir daí, passou-se a observar o abandono gradual da garantia hipotecária, evidenciando-se, em comparação ao novo instituto, suas desvantagens, como a morosidade na execução judicial e o desfavorecimento da posição do credor hipotecário.
Prosseguindo em seu voto, ponderou o Relator sobre a cláusula de alienação fiduciária nos contratos de mútuo, previsão trazida pela Lei nº 9.514/1997, que assim dispôs:
Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:
IV – alienação fiduciária de coisa imóvel.
§ 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.
Nesse ponto, destacou o Ministro Luiz Fux que a alienação fiduciária de coisa imóvel é o negócio jurídico pelo qual o devedor fiduciante (pessoa adquirente do imóvel), com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor fiduciário (a instituição financeira, lato sensu) da propriedade resolúvel do bem, de modo que a mera pactuação da garantia de alienação fiduciária torna o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto do imóvel.
A propriedade fiduciária resolve-se quando, adimplida a dívida, extingue-se a garantia real com a transferência da propriedade plena ao adquirente. Por sua vez, não satisfeita a obrigação a cargo do devedor fiduciante, surge o interesse de agir do credor fiduciário para a cobrança do crédito imobiliário, no que o artigo 26 da Lei nº 9.514/1997 disciplina que, constituída sua mora, consolida-se a propriedade do imóvel em nome do fiduciário:
Art. 26. Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.
Acerca do procedimento para a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, observou o Relator que a constituição da mora, nos termos da Lei nº 9.514/1997, deve ser formalizada perante o Ofício de Registro de Imóveis a partir de requerimento do credor, mediante a expedição de mandado para a intimação do devedor fiduciante.
Essa comunicação, conforme o art. 26, § 1º, da referida lei, abre o prazo de 15 (quinze) dias ao fiduciante para a purgação da mora1. Todavia, consoante alteração benéfica ao devedor promovida pela Lei nº 13.465/2017, o prazo de que dispõe para purgar a mora restou ampliado, podendo ocorrer até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária (art. 26-A, § 2º)2.
Entretanto, se transcorrido o prazo sem a quitação do passivo, consolida-se a propriedade em nome do fiduciário (art. 26, § 7º)3, impondo-se que a satisfação do crédito se dê por meio de leilão, sob a responsabilidade da instituição financeira, no prazo de 30 (trinta) dias (art. 27). Mesmo nesse estágio de oferta pública do bem, destacou o Relator que o devedor fiduciante assume tratamento especial (§ 2º-B do art. 27)4, eis que a este se garante direito de preferência para a aquisição do imóvel até a data de eventual segundo leilão, com preço fixado com base no saldo devedor.
Com relação ao Decreto-Lei nº 70/1966, mencionado pelo recorrente em suas razões de recurso, pontuou o Ministro Luiz Fux que a hipoteca, garantia sobre a qual dispõe o referido decreto, é um instituto distinto da alienação fiduciária de imóvel, eis que, enquanto na hipoteca não ocorre a transferência de propriedade ao credor – o que se caracteriza, portanto, como direito real de garantia sobre coisa alheia –, na alienação fiduciária se verifica a transferência da propriedade do imóvel ao credor fiduciário com a finalidade de garantia – tratando-se, pois, de direito real sobre coisa própria.
Dessa forma, diversamente do quanto alegado pelo recorrente, assentou o Relator que, nos contratos de mútuo pelo Sistema Financeiro Imobiliário com alienação fiduciária de imóvel não há transmissão da propriedade ao devedor, mas somente transferência da posse direta do bem, de modo que, durante eventual procedimento de execução extrajudicial, o credor fiduciário não se insere no patrimônio do devedor para executar bem de propriedade alheia, eis que se trata de propriedade do próprio credor:
Essa diferença, por si só, revelar-se-ia suficiente para afastar os fundamentos pela inconstitucionalidade do procedimento executório disposto na Lei 9.514/1997 referentes às alegações de que a legislação permitiria ao credor fiduciário indevida excussão do patrimônio do devedor. Isso porque, tratando-se de propriedade resolúvel, enquanto não satisfeita a condição — adimplemento do contrato —, a titularidade do bem permanece junto ao credor fiduciário, que detém a propriedade, ainda que resolúvel, do bem.
Não obstante essas diferenças, destacou o Ministro que a Suprema Corte já afirmou a recepção, pela CF/88, do procedimento de execução extrajudicial da garantia hipotecária nos contratos do SFH, ocasião na qual restou refutada argumentação no sentido de que a possibilidade de execução extrajudicial de imóvel objeto de dívida hipotecária, da forma como prevista pelo Decreto-Lei nº 70/1966, violaria as disposições dos artigos 5º, incisos XXII, XXIII, XXXII, XXXV, XXXVII, LIII e LIV, e 6º da Constituição Federal.
Posteriormente, esse entendimento restou reafirmado e sedimentado no julgamento do RE 627.106, com a fixação da seguinte tese ao Tema 249 da Repercussão Geral: “É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial previsto no Decreto-lei nº 70/66”.
Acerca da constitucionalidade da Lei nº 9.514/1997, destacou o Relator que inexiste afronta ao princípio da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à justiça, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, tema amplamente debatido pela Corte no julgamento do RE 627.106:
Como destacou o Ministro Dias Toffoli na ocasião, “esse procedimento não é realizado de forma aleatória e se submete a efetivo controle judicial em ao menos uma de suas fases, sendo certo que o devedor é intimado a acompanhá-lo, podendo impugnar, inclusive no âmbito judicial, o desenrolar do procedimento se irregularidades vierem a ocorrer durante seu trâmite”.
Do mesmo modo, também em relação à Lei nº 9.514/1997, ponderou o Ministro que o procedimento de execução extrajudicial efetivado pelo credor fiduciário não padece de vício de inconstitucionalidade, eis que permanece resguardada ao devedor fiduciante a possibilidade de provocação do Poder Judiciário caso identifique eventual mácula do procedimento ou considere violado direito de que se julgue titular:
Os envolvidos dispõem, assim, de ampla liberdade para defender seus interesses em Juízo, em qualquer fase do procedimento, consoante preconiza o art. 5º, XXXV, da Carta Magna brasileira. É dizer, o fato de o procedimento específico realizar-se fora da jurisdição estatal não obsta o acesso ao Judiciário para dirimir controvérsias ou reprimir eventuais ilegalidades perpetradas no seu curso.
[…] Desse modo, inexiste violação à garantia da inafastabilidade de jurisdição, tampouco há ofensa à garantia do juiz natural (art. 5º, LIII, CF/88), tendo em vista que, não obstante a consolidação da propriedade independentemente de intervenção judicial, assegura-se às partes a possibilidade de controle de legalidade do procedimento executório na via judicial. Dispensa-se, assim, que o credor fiduciário obtenha na via judicial o reconhecimento do direito já avençado extrajudicialmente, sem prejuízo que o devedor fiduciante pleiteie suas razões em via própria junto ao Poder Judiciário.
Na mesma linha, acrescentou o Relator que imperativo o afastamento das alegações de ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, eis que a lei dispõe de “medidas indutivas ao cumprimento das obrigações contratuais, sob a orientação de redução da complexidade procedimental, cuja aplicação pressupõe o consentimento válido expresso das partes contratantes e a não-exclusão total de apreciação da situação pelo Poder Judiciário”.
Aclarou, ainda, não se tratar de procedimento aleatório ou auto conduzido pelo credor fiduciário, mas sim de procedimento com etapas graduais, que asseguram a concretização do devido processo legal, ainda que em fase extrajudicial:
Em que pese se tratar de procedimento extrajudicial […] destaca-se que o procedimento se guia por requisitos essenciais à constituição e desenvolvimento do trâmite extrajudicial ora analisado, tais como: i) a provocação inicial exercida por requerimento do fiduciário; ii) a comunicação oficial do fiduciante por meio de intimação; e iii) a observância a normas de competência, uma vez que o requerimento deve ser apresentado perante o Cartório de Registro Imóveis competente.
[…] Não se trata, portanto, de procedimento aleatório ou autoconduzido pelo próprio credor, que poderia configurar ilegítima forma de autotutela de sua pretensão executiva.
Ainda, dispôs o Relator em seu voto que a simplificação procedimental para a execução da garantia alinha-se com a tendência do direito moderno de transferir para o âmbito administrativo atos que outrora exigiam a intervenção do Judiciário:
Esse ponto permite introduzir contributos possíveis de uma análise econômica da questão, sob o prisma de sua compatibilização aos meios de composição extrajudicial de conflitos, privilegiados pela legislação processual contemporânea. Com efeito, como forma de desafogar o Judiciário frente à avalanche de demandas que enfrenta, medidas de fortalecimento da execução extrajudicial e/ou da desjudicialização da execução têm sido fortalecidas nos últimos anos. Trata-se, aliás, de uma tendência identificada também nas experiências de direito comparado, na busca de formas de desburocratizar e simplificar o processo executivo.
Ressaltou o Ministro que a via judicial é mecanismo custoso e que não exaure outras formas de solução de conflitos igualmente adequadas para o controle do comportamento humano e a promoção do interesse social:
Nesse âmbito, entendeu o Relator que eventual reconhecimento de inconstitucionalidade da execução extrajudicial prevista na Lei nº 9.514/1997, além de gerar consequências sistêmicas na dinâmica de financiamento imobiliário, poderia penalizar partes contratantes que optaram pelo método de composição extrajudicial, impondo o enfrentamento de tribunais congestionados e mais lentos, na contramão da garantia de prestação jurisdicional em prazo razoável, prevista no artigo 5º, LXXVIII, da CF.
Concluiu o Relator, pois, que o procedimento para satisfação de créditos decorrentes de alienação fiduciária em garantia de bem imóvel previsto na Lei nº 9.514/1997 é medida legítima, que equilibra a proteção à instituição credora fiduciária pelos riscos tomados e a conservação dos direitos fundamentais do devedor fiduciante:
[…] o arcabouço legislativo em torno do instrumento atribui tratamento regulatório adequado à controvérsia, ao estabelecer garantias mínimas ao devedor e limitações à possibilidade de ação do credor (como as impossibilidades de que este promova a consolidação da propriedade em seu nome sem atendimento aos requisitos legais, de que promova o leilão do bem de forma irrestrita, de que o tomador do financiamento seja surpreendido com o valor do débito ou de que fique ele próprio com a coisa alienada em garantia). Portanto, trata-se de complexa regulação econômica legislativa, com efeitos múltiplos na organização socioeconômica, que promove tratamento constitucionalmente adequado à questão, sem que haja violação à autonomia privada, que envolve a previsibilidade sobre as consequências da inexecução contratual em um patamar mínimo de informações que as partes contratantes presumidamente detêm.
O Relator, Ministro Luiz Fux ponderou, também, que o contrato de mútuo garantido por alienação fiduciária aumenta as possibilidades de acesso ao financiamento imobiliário, de modo que a judicialização da excussão dessa garantia poderia prejudicar o equilíbrio regulatório desenvolvido legislativamente e ocasionar um possível aumento da taxa média de juros, a redução do prazo médio para amortização da dívida e, consequentemente, a menor acessibilidade ao contrato de financiamento:
Nesse sentido, destaca-se que o tema apreciado veicula questão não apenas economicamente relevante, mas que também envolve aspectos sociais de alta monta. Deveras, ao reconhecer a repercussão geral do tema ora analisado, destacou-se a relevância não só jurídica, mas econômica e social da questão, haja vista a possibilidade de afetar significativa parcela da população, mutuários do Sistema Financeiro Imobiliário, além de impactar diretamente no estabelecimento das taxas de juros desses contratos, as quais se relacionam diretamente com os riscos decorrentes da inadimplência e o tempo estimado com a execução das garantias.
Em seu voto, destacou o Relator dados trazidos pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), admitida nos autos na qualidade de amicus curiae, que apresentou parecer econômico de outubro de 2018 acerca do mercado de crédito brasileiro:
[…] a utilização da alienação fiduciária passou de apenas 0,1% dos contratos de financiamento em 2007 para mais de 94% dos contratos em 2017. Em termos de volume financiado, a alienação fiduciária é a forma de garantia utilizada em R$ 544 bilhões de reais em operações de crédito imobiliário, de um total de R$ 547 bilhões em operações de crédito ativas em 2017, o que corresponde a mais de 99% do volume de crédito imobiliário contratado no Brasil.
Esse movimento foi acompanhado de expressiva redução da taxa de inadimplência, que passou de 9,4% em 2009 para 2,3% em 2017. A baixa inadimplência observada nos contratos de alienação fiduciária – apenas 1,5% dos contratos em 2017 – mostra que a introdução dessa modalidade foi, de fato, responsável pela redução da inadimplência no crédito imobiliário no Brasil no período.
Essas observações confirmam a teoria econômica ao mostrar que a qualidade das garantias está diretamente ligada ao volume e ao preço (taxa de juros) do crédito ofertado pelas instituições financeiras. Além disso, o comportamento do mercado de crédito mostra que os credores também respondem aos incentivos que são colocados pelas regras do jogo: quanto mais rápida a retomada da garantia, maior o esforço para se manter adimplente.
Destacou o Relator, também, as ponderações trazidas pelo Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), igualmente admitido no feito na qualidade de amicus curiae, acerca de eventual declaração de inconstitucionalidade do procedimento extrajudicial para a recuperação do crédito:
“22. De outro ângulo, cumpre ressaltar que anteriormente à introdução da alienação fiduciária de imóvel, o financiamento à aquisição de imóveis estava carente de garantia eficaz. Os problemas da hipoteca – que ainda persistem – causavam retração de todo o crédito, que depende fundamentalmente da existência de garantias eficazes. […]
23. Eis a razão de a presente controvérsia não se limitar aos aspectos jurídicos. Estes, por si, são suficientes para estabelecer a constitucionalidade do procedimento de excussão extrajudicial, seja no tocante à alienação fiduciária de bem imóvel, seja em relação às demais hipóteses previstas em lei. No entanto, ainda mais relevantes são os aspectos sociais e econômicos do caso em tela, pois uma decisão em sentido diverso, ainda que sob o pretexto de proteger os mutuários, significaria um retrocesso ao cenário de insegurança jurídica que culminou na grave crise habitacional que o país enfrentou antes do advento da Lei 9.514/1997, quando a deficiência das garantias tradicionais inviabilizava a obtenção de financiamentos imobiliários e, consequentemente, o acesso da população a moradias adequadas.” (doc. 63, p. 7/8)
No que se refere à análise da diferença de spread e dos juros antes e depois da edição da lei que instituiu o SFI, pontuou o Ministro Luiz Fux que, conforme o Parecer 4109/2019-DENOR/COCIP, de 4/11/2019, apresentado pelo Banco Central, “as taxas de juros médias das operações de crédito residenciais com a utilização da alienação fiduciária são inferiores às taxas médias dos financiamentos garantidos por hipoteca em todos os períodos considerados – de junho de 2014 a junho de 2019”.
Destacou, também que, conforme constou no parecer, “‘para redução sustentável do custo do crédito, é fundamental avançar em iniciativas que reduzam a inadimplência, aumentem a capacidade de recuperação de garantias e reduzam assimetrias de informação sobre os tomadores de crédito’ (doc. 125, p. 15)”.
Ainda, com relação à evolução da taxa de juros e do prazo médio do financiamento imobiliário, conforme Nota Técnica da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), emitida em dezembro de 2020, por consulta da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), após análise de dados disponibilizadas pelo Banco Central do Brasil,
“‘é possível constatar como a taxa média de juros recuou expressivamente entre janeiro de 2003 e outubro 2020 (passando de mais de 16,3% ao ano para cerca de 7,1% ao ano nesse intervalo), em paralelo ao aumento do prazo médio do financiamento imobiliário no período (Gráfico 3), que mais que triplicou no período, elevando-se de um prazo médio de cerca de 8 anos, em janeiro de 2003, para cerca de 29 anos, em outubro de 2020’ (doc. 143, p. 19-20).”
Nesse âmbito, considerando que, em regra, a taxa de juros é inversamente proporcional à qualidade da garantia, enfatizou o Ministro Relator em seu voto a necessidade de estabilidade do sistema, entendendo que com ela contribui a confirmação da constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial de imóvel para a satisfação de créditos garantidos por alienação fiduciária, especialmente em razão do “potencial impacto no custo de operações de crédito no ramo imobiliário e, consequentemente, no déficit habitacional do país”.
Por essas razões, econômica e socialmente situadas, entendeu o Plenário, por maioria, por conhecer do recurso extraordinário e, no mérito, negar-lhe provimento, fixando a constitucionalidade da excussão extrajudicial da garantia fiduciária de imóvel alienado fiduciariamente no regime da Lei 9.514, 1997, ao entendimento de que a medida não viola os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do acesso à justiça, tampouco as demais garantias processuais constitucionais.
Restaram vencidos os votos dos Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, que se manifestaram pela inconstitucionalidade do procedimento.
- § 1º Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação. ↩︎
- § 2º Até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3º do art. 27 desta Lei, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária. ↩︎
- § 7º Decorrido o prazo de que trata o § 1º sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá a averbação, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário, à vista da prova do pagamento por este, do imposto de transmissão inter vivos e, se for o caso, do laudêmio. ↩︎
- § 2º-B Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado às despesas, aos prêmios de seguro, aos encargos legais, às contribuições condominiais, aos tributos, inclusive os valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes aos procedimentos de cobrança e leilão, hipótese em que incumbirá também ao fiduciante o pagamento dos encargos tributários e das despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, inclusive das custas e dos emolumentos. ↩︎