Sistema de garantias e estabilidade das relações bancárias em regimes concursais 

A realidade do setor financeiro brasileiro   

É ponto pacífico que a atividade de intermediação realizada pelas instituições financeiras (consistente na captação de recursos de poupadores e investidores para a sua disponibilização aos tomadores de crédito) depende de ambiente de segurança jurídica, estabilidade e previsibilidade, sob pena de se criar risco de descasamento entre as operações ativas e passivas dos bancos. Tal realidade é ainda mais sensível em se tratando de financiamentos garantidos por alienações/cessões fiduciárias de bens em geral que, dada a qualidade da garantia e a esperada celeridade em sua recuperação, permite a adoção de taxas de juros bastante reduzidas (em se comparando com outras espécies de mútuos bancários) e longos prazos de duração. As Leis nºs 4.728 de 1965 (com as alterações que lhe foram incorporadas pela Lei 10.931, de 2004), 9.514, de 1997 (naquilo que é aplicável por disposição legal à alienação fiduciária de bens móveis), e o Decreto-Lei 911, de 1964, estabelecem um microssistema de constituição e excussão da garantia fiduciária sobre bens móveis, cuja sistematização e racionalidade independe da avaliação do valor atual do bem dado em garantia. 

 Na realidade do setor financeiro do Brasil, há que se distinguir, para efeitos de submissão e classificação de créditos em procedimentos de execução concursal (recuperações e falências), alguns itens, tais quais: 

(i) os créditos com propriedade fiduciária em garantia (absolutamente extraconcursais);  

(ii) dos créditos com direitos reais de garantia (concursais e cujo valor excedente deve ser classificado como quirografário); e a possibilidade de excussão extrajudicial da garantia fiduciária (com a consolidação da propriedade resolúvel) converge com a legislação processual contemporânea no sentido de se favorecer os meios de composição extrajudicial dos conflitos, sendo certo que a tentativa, em todas as formas, de submissão de credores extraconcursais ao regime da recuperação judicial contraria a própria perspectiva da análise econômica do direito e de sua plena efetivação.   

 Um pouco da história   

No início dos anos 60, os agentes financeiros precisavam escolher entre alguns elementos hoje conhecidos, tais quais  a utilização dos tradicionais direitos reais de garantia, embora fosse reconhecida  sua  ineficácia na tempestiva recuperação dos recursos emprestados, sobretudo nas situações em que submetidos os devedores a regimes concursais; a utilização de fórmulas jurídicas complexas, sob a forma de negócios fiduciários atípicos (com a mistura de direitos reais e obrigacionais), com todos os riscos a eles inerentes, sobretudo o da sua desconstituição por simulação ou fraude, e, por fim,  o excessivo aumento do rigor e, consequentemente, do custo, na concessão de crédito.   

Aplicando essa lógica para a realidade atual, conforme o registro de José Carlos Moreira Alves,  “as [garantias reais] existentes nos sistemas jurídicos de origem romana – e são elas a hipoteca, o penhor e a anticrese – não mais satisfazem a uma sociedade industrializada, nem mesmo nas relações creditícias entre pessoas físicas, pois apresentam graves desvantagens pelo custo e morosidade em executá-las, ou pela superposição a elas de privilégios em favor de certas pessoas, especialmente o Estado”[1].  

Tornara-se, imperativo, pois, para o Estado, em sua função de preservar a solidez e solvência do sistema financeiro, a necessidade de promover o desenvolvimento equilibrado do País, propiciar um ambiente de certeza jurídica quanto aos prazos e procedimentos na execução de garantias atreladas a operações de crédito.  

Foi justamente nesse sentido que, no bojo da criação da lei que veio a disciplinar o mercado de capitais no Brasil (Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965), foi introduzida em nosso ordenamento jurídico a figura da alienação fiduciária em garantia, como instituto jurídico típico, de caráter dispositivo, a dar ensejo à criação da propriedade fiduciária em garantia.  

O objetivo da medida legislativa, sem dúvida, era o de criar ambiente propício para a retomada da concessão de crédito, pelas vantagens práticas que essa nova modalidade de garantia oferecia ao credor, traduzidas sobretudo na transferência, a ele, do domínio resolúvel e da posse indireta da coisa móvel alienada. Em outras palavras, solvida a dívida garantida, a propriedade fiduciária do credor resolvia-se, sendo então restituída a coisa ao devedor fiduciante. No caso de inadimplemento da obrigação, o credor fiduciário poderia, extrajudicialmente, vender a coisa dada em garantia a terceiros para a satisfação de seu crédito.   

Segundo Eduardo Secchi Munhoz, “a finalidade da criação desse instituto foi claramente a de conferir às instituições financeiras um instrumento mais eficiente para a recuperação de créditos. Afinal, a grande vantagem da alienação fiduciária é o desdobramento da propriedade entre credor e devedor, de tal sorte que, na hipótese de inadimplemento, o credor-proprietário fiduciário pode buscar e apreender o bem, vendendo-o extrajudicialmente e aplicando o produto correspondente na satisfação de seu crédito. Além da busca e apreensão do bem móvel objeto da alienação fiduciária, a lei autorizou o credor a ajuizar ação de depósito contra o devedor, na medida em que passa a ser equiparado a depositário” [2]. 

A aceitação da alienação fiduciária em garantia, pelo mercado, como instrumento de recuperação de crédito foi tanta, com claros reflexos tanto no volume quanto no custo do crédito disponível, que, rapidamente, o instituto da propriedade fiduciária teve seu campo original de aplicação ampliado, passando a ser utilizado em operações financeiras ligadas a outros segmentos chave da economia. 

Nesse contexto, de aperfeiçoamento dos mecanismos de recuperação de crédito, sobretudo das garantias oferecidas no mercado financeiro, uma série de alterações legislativas foi implementada. 

A primeira delas se deu, ainda em 1999, com a edição da Medida Provisória nº 1.925, de 14.10.1999, que dispôs sobre a Cédula de Crédito Bancário como título executivo extrajudicial. Em 2001, a Medida Provisória nº 2.160-23 introduziu dispositivo à Lei nº 4.728, de 1965, para instituir a alienação fiduciária em garantia de coisa fungível ou de direito. O Código Civil de 2002 regulou a propriedade fiduciária com escopo de garantia (limitando-se exclusivamente às coisas móveis infungíveis). Então, em 2004, a Lei nº 10.931 ampliou o rol dos ativos elegíveis à constituição de propriedade fiduciária em garantia. 

Fábio Ulhoa Coelho, autor do artigo de revista “A cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditórios e a recuperação judicial do devedor cedente” [3], argumenta que a propriedade fiduciária pode instituir-se sobre qualquer tipo de bem imóvel, fungível ou infungível, ou direitos a eles relativos. Assim, mesmo que o devedor esteja sujeito a regime concursal, o cessionário fiduciário continua podendo exercer seu direito de realizar a garantia fora daquele regime, independentemente de qualquer medida judicial, podendo retomar os títulos representativos de seu direito se eventualmente estiverem na posse do devedor falido ou em recuperação judicial.  

Nesse mesmo contexto, e como não podia ser diferente, dispôs a Lei de Falências e Recuperações Judiciais, no que concerne à questão da propriedade fiduciária.  Parece indiscutível, assim, a opção legislativa de criar e tutelar a propriedade fiduciária como novo instrumento – mais célere e menos burocrático – de garantia de recuperação de crédito, sobretudo nas situações de quebra do devedor.  

A propriedade fiduciária  

As principais modalidades do direito de propriedade no ordenamento jurídico nacional são classificadas pela doutrina, de uma maneira geral, como: 

  1. a propriedade plena: quando todos os direitos elementares que a formam acham-se reunidos na pessoa do proprietário (é o direito real por excelência) [4]; 
  1. a propriedade restrita: quando algum ou vários desses direitos elementares estão limitados ou são destacados e atribuídos a outrem. Nesta última situação, por exemplo, o sistema pelo qual se criam os direitos reais sobre coisa alheia – o penhor, a anticrese e a hipoteca –, também classificados como direitos reais de garantia;   
  1. a propriedade perpétua: de duração ilimitada e irrevogável; 
  1. a propriedade resolúvel: propriedade por tempo determinado.  

Em paralelo aos modelos de direito de propriedade acima descritos, cabe destacar que o ordenamento jurídico nacional, ao longo das últimas décadas, passou a regular (e, portanto, a conviver com) nova modalidade de direito real (direito de propriedade especial sobre coisa própria), caracterizada pela afetação especial da propriedade para a consecução do fim que justifica a sua constituição.  

Essa nova modalidade de direito real, denominada de propriedade fiduciária, serve de substrato a uma série de complexos especiais de direitos, cujos regimes jurídicos se diferenciam em razão das especificidades das situações em que são empregadas, mas que têm em comum o fato de, assim como ocorre com os demais direitos reais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, serem criados por lei.  

Consoante Melhim Chalhub, “a propriedade fiduciária é uma propriedade limitada pelas restrições que sofre em seu conteúdo, considerada a finalidade para a qual é constituída, tendo duração limitada, enquanto perdurar o negócio”, ou, em outras palavras, “é direito real caracterizado pelo fato de ser essa espécie de propriedade condicionada à consecução de determinada finalidade e, nesse mister, não se constitui em caráter perpétuo, mas é temporário, constituído que é estritamente para atender a destinação específica definida no ato translativo da propriedade” [5]. 

Segundo Márcio Calil de Assunção, “Os negócios jurídicos de natureza fiduciária em garantia caracterizam-se pela transmissão da propriedade de um bem ou direito ao credor, em caráter resolúvel, até que seja cumprida a obrigação garantida. (…) Por efeito da transmissão fiduciária, o bem passa a integrar o patrimônio do credor fiduciário, mas em regime de afetação, vinculado que é a uma destinação específica.” [6]. 

A propriedade fiduciária em garantia (a revelar crédito extraconcursal) e os direitos reais de garantia (a revelarem créditos concursais cuja classificação depende da apuração do valor do bem dado em garantia).   

A propriedade fiduciária em garantia não se confunde com os direitos reais de garantia (hipoteca, penhor, anticrese). Nos direitos reais de garantia, o direito de propriedade do dador desta sobre o bem dado como tal permanece íntegro, mesmo após a constituição da obrigação garantida. Contudo, este fica limitado por efeito de direitos reais que restringem o exercício pleno de parte das faculdades de que é dotada a propriedade. No caso da propriedade fiduciária, não. Nela, como um direito real em garantia, a propriedade do bem dado como tal – pelo devedor ou por terceiro garantidor – é transmitida ao proprietário fiduciário, ainda que limitada a uma finalidade específica e resolúvel [7]. 

Outra circunstância é a de direitos e títulos de crédito dados como garantia. Nesses casos, enquanto pelo penhor o direito de crédito permanece no patrimônio do devedor, na propriedade fiduciária em garantia (criada por contrato de cessão fiduciária de títulos de crédito ou de outros bens móveis) o referido direito passa ao cessionário fiduciário, até que adimplida a obrigação garantida. Não se trata, neste último caso, de uma simples caução dos títulos de crédito em favor do cessionário fiduciário. Há uma verdadeira transferência (fiduciária) do bem para o patrimônio do credor fiduciário, como objeto da propriedade desta. 

Disso decorre que, inadimplida a obrigação garantida por penhor de títulos de crédito, a excussão da garantia alcança-se pela expropriação judicial do próprio bem. Busca-se no patrimônio do devedor a satisfação do crédito inadimplido.  No caso da propriedade fiduciária em garantia de títulos de crédito, diferentemente, o credor poderá, no inadimplemento da obrigação garantida, (i) liquidar extrajudicialmente os títulos, cedendo-os a terceiros [8], ou, 

 (ii) nos termos do §4º do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 1965, que manda aplicar o art. 19 da Lei nº 9.514, de 1997, receber diretamente dos devedores (dos títulos de crédito) os créditos cedidos fiduciariamente, à semelhança do que ocorre com a alienação fiduciária de coisas corpóreas, em que se dá a consolidação da propriedade do bem garantido no patrimônio do credor [9]. 

Se os bens transferidos com a propriedade fiduciária não mais pertencem ao patrimônio do devedor (porque afetados no patrimônio do credor ao adimplemento da dívida garantida), e partindo do princípio de que o  patrimônio representa o conjunto dos bens da pessoa física ou jurídica que servem de lastro garantidor do cumprimento de todas as obrigações assumidas indistintamente com todos os seus credores[1], é intuitivo que os bens que não mais pertencem a este  de determinado devedor não possam ser usados para garantir os credores daquele devedor, quando submetido este a regime concursal, independentemente do valor atual do bem. 

Para que não houvesse dúvidas quanto à sua vontade, o legislador excluiu expressamente os créditos do titular da posição de proprietário fiduciário em garantia dos efeitos da recuperação judicial ou da falência do devedor fiduciante, sem que, para isso, a sua condição inviolável de extranconcursalidade estivesse dependente da aferição “atual” do valor do bem dado em garantia. 

Em outras palavras: a condição de credor extraconcursal de titular de posição fiduciária nasce da circunstância de o bem dado em garantia já estar em sua propriedade (ainda que resolúvel) e não do seu atual valor em relação ao crédito que é por ele garantido. Essa é a única conclusão que pode ser extraída da interpretação literal do §3º do art. 49 da Lei 11.101, de 2005, já citado. 

Deixou o legislador, assim, clara sua opção em conciliar, em prol do interesse da coletividade, pela importância com que o crédito se apresenta no desenvolvimento econômico social do País, o objetivo de se buscar mecanismos para promover a recuperação da empresa em crise, garantindo, principalmente, os empregos diretos por ela gerados, com os novos instrumentos de política creditícia, que buscam baratear o crédito e que podem mesmo ser tidos, em uma visão mais abrangente, como mecanismos preventivos de crise das empresas.  

O titular de propriedade fiduciária em garantia, pois, advindo a recuperação judicial do devedor, não sofre qualquer consequência própria do plano ou do regime de recuperação no que tange a seu crédito garantido. 

IV. 

 O processo de excussão extrajudicial da garantia dada em alienação fiduciária e a sua não submissão (em quaisquer termos) ao juízo de recuperação.  

Sobre os contornos específicos do microssistema do regime inerente à propriedade fiduciária, resta tecer alguns comentários em relação à efetivação dessa garantia, bem como à forma de sua excussão, com o condão de demonstrar, também por esse viés, a não submissão dos créditos extraconcursais a qualquer jurisdição do juízo ao que concerne à sua recuperação.  

Reitera-se que, tendo sido requerida tal recuperação judicial ou decretada a falência do devedor (e tornada exigível a obrigação garantida), tem o credor fiduciário o direito de satisfazer seu crédito, sem se sujeitar aos efeitos materiais e procedimentos do regime concursal. 

No caso da alienação fiduciária em garantia, não estando o credor fiduciário na posse da coisa, cabe a ele pedir a restituição do bem para que possa promover a satisfação de seu crédito, nos termos do art. 7º do Decreto-lei nº 911, de 1965, a dispor que: “Art 7º Na falência do devedor alienante, fica assegurado ao credor ou proprietário fiduciário o direito de pedir, na forma prevista na lei, a restituição do bem alienado fiduciariamente. Parágrafo único. Efetivada a restituição o proprietário fiduciário agirá na forma prevista neste Decreto-lei.”  

Assim, na hipótese de recuperação judicial ou de falência do devedor em operação garantida por cessão fiduciária de direito de crédito ou de títulos de crédito, o credor fiduciário poderá 

 (i) alienar extrajudicialmente os direitos de crédito ou os títulos de crédito que recebeu em garantia, para saldar a dívida, por força do art. 66-B, §3º, ou 

 (ii) promover a cobrança dos créditos cedidos fiduciariamente e se valer, de imediato, dos pagamentos realizados para a satisfação de seu crédito, por força do §4º do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 1965, c/c o art. 19, inciso IV, da Lei nº 9.514, de 1997. 

À luz desses dispositivos, mostra-se mandatória a conclusão de que os direitos e títulos de crédito dados em cessão fiduciária em garantia e que, por conseguinte, passam à propriedade fiduciária do credor até a liquidação da dívida garantida, não são [nem podem ser] alcançados pelos procedimentos de arrecadação de bens e de concurso de credores aplicáveis ao regime da falência ou da recuperação judicial, devendo receber tratamento específico e especial fora do regime de quebra. 

Dessa realidade decorre que, se o bem objeto da garantia fiduciária se deteriora, perde ou ganha valor de mercado, o procedimento de sua excussão está devidamente previsto em lei e a ele se submete o credor fiduciário se optar por exercer os seus direitos sobre os bens objeto da garantia. 

Sob a ótica econômica, é preciso também se ter em conta que, em vista da finalidade assecuratória dos direitos do credor, a alienação fiduciária em garantia e o respectivo procedimento de execução extrajudicial possuem uma razão de ser, notadamente no que tange à possibilidade de recuperação do crédito de forma célere, eficiente e com custo inferior, quando verificada a inadimplência do devedor. Tal procedimento, obviamente, representa impacto direto no custo da operação em favor dos mutuários, já que a sua precificação toma em conta a qualidade da garantia prestada e o tempo de recuperação do crédito. É um verdadeiro “ganha-ganha” [11] para as partes envolvidas.  

A ideia é simples: existem diferentes tipos de garantia, cada um com suas peculiaridades. Quanto mais eficiente for (correlação entre a higidez da garantia e o tempo para a sua excussão), menor será o risco da operação de crédito e, portanto, menores serão os seus custos. 

Por fim, a referendar a utilidade prática, inclusive para consecução de política judiciária, há de ser reconhecida a inteireza e a higidez do microssistema que revela a propriedade fiduciária inclusive como um meio de satisfação de relações contratuais em âmbito extrajudicial, imune, portanto, ao controle do juízo de recuperações. 

Bibliografia  

[1] “Da Alienação Fiduciária em Garantia”. José Carlos Moreira, 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 8.   

[2]“Cessão fiduciária de direitos de crédito e recuperação judicial de empresa”. Revista do Advogado, vol. 105, 2009, pp. 33-47. 

[3]“A cessão fiduciária de títulos de crédito ou direitos creditórios e a recuperação judicial do devedor cedente”. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Magister, v. 7, n. 37, p. 14-31, jul./ago. 2010. 

[4] Sobre esse enfoque, destaca Orlando Gomes que o direito de propriedade “confere ao titular o poder de decidir se deve usar a coisa, abandoná-la, aliená-la, destruí-la, e, ainda, se lhe convém limitá-lo, constituindo por desmembramento outros direitos reais em favor de terceiros”. (Direitos Reais, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1996. 12ª Ed., pág. 100). 

Essa definição clássica, embora forneça os elementos aptos a caracterizar o conceito de propriedade dos dias atuais, não mais representa o conteúdo exato do que se tinha por direito de propriedade individual, em razão das interferências externas que subjugam o caráter absoluto da propriedade.  

Como assinala Caio Mário da Silva Pereira, “é certo que se reconhece ao dominus o poder sobre a coisa; é exato que o domínio enfeixa os mesmos atributos originários – ius utendi, fruendi e abutendi. Mas é inegável também que essas faculdades suportam evidentes restrições legais, tão frequentes e severas, que se vislumbra a criação de novas noções. São restrições e limitações tendentes a coibir abusos e tendo em vista impedir que o exercício do direito de propriedade se transforme em instrumento de dominação”. (Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 84). 

Lembre-se que a Constituição de 1988 insere entre os princípios gerais da atividade econômica, em seu art. 170, ao lado da propriedade privada, a sua ‘função social’, o que, de forma principiológica, sujeita sua existência a uma finalidade de interesse geral, útil e benéfica a todos. 

[5] “Propriedade Fiduciária de Bens Móveis em Garantia”, Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 21, Jul/2003. Editora Revista dos Tribunais. 

[6] ASSUMPÇÃO, Márcio Calil e CHALHUB, Melhim Namem. A propriedade fiduciária e a recuperação de empresas. Revista do Advogado AASP -Recuperação Judicial: Temas polêmicos. Nº 105, março 2009, pp. 135 – 141. 

[7] A terminologia direito real em garantia em distinção aos direitos reais de garantia, conforme Fabio Ulhoa Coelho, “… foi proposta, no direito brasileiro, por Pontes de Miranda, ao discutir a dação em garantia de direitos reais sobre coisa alheia. José Carlos Moreira Alves, ao tratar da natureza da alienação fiduciária, recuperou a distinção de Pontes de Miranda, averbou ter sido inspirada na doutrina alemã e estendeu aos direitos reais ditos ilimitados. Os direitos reais de garantia são o penhor, a hipoteca e a anticrese; enquanto os direitos reais em garantia são a alienação fiduciária em garantia e a cessão fiduciária de títulos de crédito e direitos creditórios” (Op. loc cit.) 

[8] Nos termos do § 3º do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 1965. 

[9] Nos termos do §1º do art. 3º do Decreto-lei nº 911, de 1969, alterado pela Lei nº 10.931, de 2004. 

[10] Caio Mário da Silva Pereira, “Instituições de Direito Civil”, vol. IV, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1984, pág. 215 e Ronaldo Brêtas C. Dias, “Digesto de Processo”, vol. 3, 1ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1985, pág. 1. 

[11] Nesse sentido, Luciano Benetti Timm, dando ênfase à autonomia da vontade e à necessidade de observância ao que fora validamente pactuado, observa que: “Os contratos, em geral, garantem melhorias de Pareto, justamente porque são acordos de vontade e somente existem quando todas as partes envolvidas concordam. Assim, na ausência de erro, dolo, coação ou fraude, as pessoas somente concordarão com mudanças que melhorem ou, pelo menos, não piorem sua situação. Como regra geral, as pessoas devem ser devidamente recompensadas para que aceitem diminuições em seu bem-estar. (…) Afinal, pressupomos que as pessoas são autointeressadas e somente cooperarão na medida em que puderem desfrutar de algum benefício proporcionado por essa cooperação. Nas palavras de Ejan Mackaay, contratos são situações win-win, onde todas as partes envolvidas encontram-se melhor após a transação” (TIMM, Luciano Benetti, GUARISSE, João Francisco Menegol. “Análise econômica dos contratos”. Direito e Economia no Brasil: estudos sobre a análise econômica do direito, organizado por Luciano Benetti Timm. São Paulo: Editora Foco, 2019. Grifou-se.) 

Autor: Gustavo Cesar de Souza Mourão

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