O status do sócio durante o processo de dissolução parcial de sociedade limitada

O ordenamento jurídico brasileiro, após evolução histórica, passou a considerar não só a autonomia contratual e a preservação dos interesses pessoais dos sócios de uma sociedade limitada, como também passou a considerar o próprio interesse da preservação dessa sociedade, o que, entre outros aspectos, fez consagrar a chamada teoria da dissolução parcial da sociedade.  

Com a possibilidade de uma sociedade se dissolver parcialmente, porém, inicia-se outra discussão, com relação à apuração dos haveres devidos ao sócio que se retira ou é excluído, bem como, com relação à perda do seu chamado status socii, uma vez que é a esse status que está vinculado direitos essenciais dos sócios, tais como o direito de votar, de comparecer às reuniões da sociedade, além do direito de participar dos resultados sociais na proporção ajustada no contrato social. 

É por isso que a definição do momento exato em que ocorre a perda do status socii é de extrema importância, tanto para o cálculo dos haveres devidos a esse sócio ou aos seus herdeiros/espólio, tanto para se saber quando foi que ele deixou, efetivamente, de ter os direitos inerentes à sua condição de sócio.  

O vigente Código de Processo Civil buscou sanar esses questionamentos e apresentou hipóteses fáticas e momentos específicos que devem ser considerados como a “data da resolução” parcial da sociedade, mas esse mesmo diploma legal concedeu ao magistrado e às partes a possibilidade de modular essa data de acordo com a realidade fática e as provas produzidas nos autos de eventual demanda judicial.  

 

Rememorando conceitos essenciais

Sociedade Limitada 

O legislador brasileiro, já em 1916, no então Código Civil, buscou formular o conceito de sociedade1, cujo enunciado foi reproduzido pelo legislador de 2002, com pouca variação, no artigo 981 do atual Código Civil: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. 

No entanto, existem diversas formas de classificações possíveis de sociedades, bem como, tipos possíveis de contratos de sociedade para serem celebrados entre as pessoas, dependendo dos seus interesses, objeto de exploração e exigências legais. Entre eles, há a chamada sociedade limitada, que é regulamentada pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil.  

A lei não apresenta uma definição de sociedade limitada, mas, como seu nome sugere, ela se caracteriza essencialmente pela limitação da responsabilidade dos sócios, “das pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir para o exercício de atividade econômica”, diante do risco dos negócios, ao valor de suas respectivas quotas e, em caráter solidário, até a integralização do capital social. 

 

Capital Social 

Os recursos necessários à sociedade limitada, para que exerça sua atividade, são provenientes dos sócios, que fornecem esses recursos à sociedade em forma de dinheiro ou de bens com valor econômico, sendo capital social “a expressão em moeda nacional da somatória dos valores das contribuições (em bens ou em dinheiro) que os sócios trazem para formar o patrimônio da sociedade, seja no momento da sua constituição, seja em virtude de deliberações posteriores que o aumentem para atender seu crescimento pelo ingresso de novos recursos, ou que o reduzem” 2 

 

Quota Social 

Enquanto o capital social corresponde à somatória dos valores das contribuições dos sócios para a formação do patrimônio da sociedade limitada, as quotas representam a contribuição de cada sócio, que está expressa no valor total do capital social.  

Mais uma vez, nas lições de Alfredo de Assis Gonçalves Neto3: 

A quota, portanto, é a parcela do capital social que representa o quinhão que cada sócio possui no patrimônio da sociedade e os direitos daí decorrentes. É a contrapartida de sua contribuição, que se destina a lhe conferir os direitos de sócio. Ela nasce com a subscrição do capital social pelos sócios que constituem a sociedade ou por ocasião de aumentos de capital que sejam realizados ao longo da vida social.  

[…] é uma espécie de bem que possui existência autônoma e valor próprio, suscetível, por isso, de ser objeto de relações jurídicas com as condicionantes que a lei estabelece para tanto. É bom esclarecer que a quota tem existência autônoma no sentido de que pode ser objeto unitário de direitos – e aí se fala em liquidação, cessão, usufruto de quota, etc.), mas é um bem que, diferentemente da ação, vincula-se ao ato constitutivo da sociedade e dele depende para o exercício de certos direitos.  

 

A dissolução parcial da sociedade

 

Apesar de a legislação não apresentar um rol de direitos dos sócios, é certo que o Código Civil consagrou alguns direitos inerentes à sua condição, mesmo que não estejam sistematizados ou distinguidos, destacando-se: o de manter a participação percentual no capital social; o de permanecer na sociedade, a não ser que haja motivo justo para sua exclusão; o de participar nos resultados sociais na proporção ajustada no contrato social; o de votar; o de participar das reuniões de sócios; o de se retirar; o de renunciar à titularidade das quotas socias; entre outros, sendo que, enquanto o sócio mantiver seu status de sócio, ele mantém todos esses direitos.  

No histórico do ordenamento jurídico brasileiro, o Código Comercial de 1850 possuía uma abordagem individualista dos contratos sociais, buscando preservar os interesses pessoais dos sócios e não da sociedade. Naquele diploma, quando deveria haver a saída de um dos sócios, por motivo que fosse, era provocado o desfazimento de todo o vínculo social. O Código Civil de 1916, apesar de prever algumas exceções, também seguia a mesma linha e determinava a dissolução total da sociedade quando houvesse a dissolução do vínculo de qualquer um de seus membros.  

A teoria da dissolução parcial da sociedade surgiu, desenvolveu-se e evoluiu com o intuito de preservar a sociedade comercial sempre que se fizesse necessária a saída, a retirada ou a exclusão de um dos sócios, tendo sido incorporada pelo Código Civil de 2002, que incorporava o princípio da preservação da empresa, passando a prever uma seção para a “resolução da sociedade em relação a um sócio” (artigos 1.028 a 1.032), no capítulo destinado às sociedades simples.  

Com o novo regime, há a ruptura do vínculo societário, porém, apenas com relação a um dos sócios, o que acarretará a chamada apuração de haveres, procedimento no qual ocorre a liquidação da quota de participação do respectivo sócio, sem levar à dissolução da sociedade, que permanecerá ativa.  

O Capítulo destinado às sociedades limitadas dispõe brevemente acerca da resolução da sociedade em relação aos sócios minoritários (artigos 1.085 e 1.086), mas naquilo que a matéria (dissolução parcial da sociedade e apuração de haveres) for omissa, por força do art. 1.053 do Código Civil, a elas incidem os mencionados artigos 1.028 a 1.032. 

 

Apuração de haveres  

Apuração de haveres é o procedimento de liquidação de quota social, ou seja, é o levantamento do valor em dinheiro dos direitos patrimoniais que cabem ao sócio que se retira ou é retirado da sociedade, por qual seja o motivo, pela sua participação na sociedade, deixando de ser sócio e se tornando credor da sociedade, credor no sentido de possuir o direito de exigir a apuração dos haveres, mas4 

Isso não significa, necessariamente, o direito de receber uma prestação pecuniária, pois o direito de crédito é eventual ou potencial e depende do procedimento de apuração de haveres para ser determinado. É que, se o patrimônio foi igual ou inferior às dívidas, o sócio que se desliga da sociedade nenhum crédito terá a receber dela, podendo ainda ficar com a obrigação subsidiária de satisfazer, na proporção de sua participação nas perdas, as dívidas assumidas pela sociedade que o patrimônio social não puder saldar anteriores à sua saída. O mesmo raciocínio aplica-se aos herdeiros ou legatários do sócio morto, os quais, na hipótese antes ventilada, nada receberão a título de haveres ou terão de suportar, na insuficiência do patrimônio da sociedade e até as forças da herança, a satisfação proporcional das dívidas sociais existentes à época do falecimento. 

Em outras palavras, é uma parte proporcional nos lucros e no patrimônio líquido da sociedade, que é paga por ela própria e por isso leva à redução do seu capital social, sendo que o cálculo considerará “o estado patrimonial da sociedade existente naquele momento, que deve ter seu valor determinado para a apuração do quantum de sua quota social”5 ou a “data da resolução”, conforme nomenclatura utilizada pelo artigo 1.031 do Código Civil e pelos artigos 604 e 605 do Código de Processo Civil. 

No entanto, a importância da fixação da “data da resolução” vai além do cálculo dos haveres, pois, corresponde à data da dissolução do vínculo social, ou seja, até essa data, “o sócio que se retira ou o espólio/herdeiros do que faleceu têm direitos à participação nos lucros e à remuneração como administrador, se o caso” 6, conforme previsão expressa no artigo 608 do Código de Processo Civil. 

Essa data, portanto, pode ser objeto de controvérsia entre as partes envolvidas e, muitas vezes, é apenas resolvida com a interferência do Judiciário, que deve decidir a data base para apuração de haveres, bem como o momento no qual o sócio dissidente perdeu o status de sócio e, como consequência, os direitos e obrigações inerentes a essa condição. 

Registra-se, por sua vez, que há precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ainda poucos, mas há, em que a Corte Superior indiretamente faz uma distinção entre a perda do status de sócio para os fins de direito relacionados às prerrogativas inerentes a essa condição, tais como os já mencionados direitos sociais e o de participar nos resultados sociais na proporção ajustada no contrato social, que efetivamente ocorreria na “data da resolução”, entre a perda do status de sócio perante terceiros, que apenas é oponível com a averbação/registro da alteração contratual perante a Junta Comercial competente7 

 

A perda do status de sócio

Direito de renúncia  

Corresponde a uma das prerrogativas do sócio o direito de justamente renunciar à sua condição de sócio e, com isso, encerrar o vínculo social que até então existia entre ele e a sociedade, mas “não passa a ter, com tal ato, qualquer direito à liquidação de sua quota, visto que nada terá a pleitear a título de haveres, pois abdica do status socii e suas quotas passam a pertencer à sociedade, sem que ocorra qualquer desembolso por parte dela e, portanto, sem a redução do capital social” 8. 

Não há previsão expressa nos diplomas legais prevendo essa possibilidade de desligamento do sócio, mas também não há previsão vedando-a. Logo, entende a doutrina que é possível, sendo que, o Projeto 487/2013 do Senado Federal9, que visa à reforma do Código Comercial, prevê que “o sócio tem o direito de renunciar à sua qualidade, por declaração unilateral de vontade no sentido de se desligar incondicionalmente da sociedade, sem recebimento de haveres” (art. 262) e sem se fique liberado “da responsabilidade que tinha durante o período em que foi sócio” (§1º) e “Tal renúncia opera-se por notificação à sociedade e produz efeitos perante terceiros somente após seu arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis (§2º)”. 

Caso o supracitado projeto de lei seja aprovado com a redação transcrita acima, a “data da resolução” para a hipótese ora analisada, o momento da perda do status de sócio será a data do arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis, pois o dispositivo legal determina que sua renúncia apenas produzirá efeitos perante terceiros neste momento, ou seja, até lá, ele permanecerá sendo sócio perante terceiros, o que pode gerar discussões futuras, especialmente quanto ao direito de esse sócio “aparente perante terceiros” continuar exercendo seus direitos de sócios, além de controvérsia quanto à data base para cálculo dos haveres. 

Registra-se que o Superior Tribunal de Justiça, em precedente recente, inclusive invocando a doutrina transcrita acima, reconheceu o direito de sócia de uma sociedade limitada renunciar ao seu status renunciando à realização de apuração de haveres, apesar da inexistência de texto legal expresso10. 

 

Falecimento do sócio 

Na hipótese de falecimento do sócio, salvo se houver disposição em contrário no Contrato Social (CC, art. 1.028), não há a dissolução automática da sociedade. Se o contrato social nada dispuser, deve haver a liquidação da quota social pertencente ao sócio falecido por meio do procedimento de apuração de haveres. 

Com o falecimento, a perda do status de sócio é instantânea, cessando todas as suas responsabilidades de sócio no instante do seu óbito, não havendo possibilidade de controversa quanto a esse ponto, pois se conclui que o fim da pessoa natural impede que ela participe das responsabilidades sociais em data posterior à de seu falecimento. 

Quanto a esse ponto, tendo em vista que os direitos pessoais do sócio não são transmitidos aos seus sucessores, ou seja, tendo em vista que eles não herdam sua condição de sócio, durante o procedimento de liquidação e apuração de haveres, que se inicia com o falecimento, os herdeiros não possuem status de sócio e não participam da sociedade. 

A apuração dos haveres do sócio falecido seguirá a regra geral do art. 1.031 do Código Civil, ou seja, faz-se de forma extrajudicial, seguindo os critérios estabelecidos no contrato social, sendo que, se omisso, ensejará a apuração “com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado”. 

A “data da resolução” se dá com o falecimento do sócio, cujo status não é transferido aos seus herdeiros, justamente o entendimento que fora consagrado pelo legislador no art. 605, inciso I, do Código de Processo Civil. Dessa forma, durante o processo de dissolução e apuração de haveres do sócio falecido, seu espólio ou herdeiros não possuem status de sócios e, com isso, não possuem os direitos inerentes a essa condição, tal como a participação nos lucros. 

No entanto, registra-se que, mesmo com previsão legal expressa, a data base do cálculo para apuração dos haveres do sócio falecido, pode gerar controvérsias entre as partes, pois é possível encontrar alguns entendimentos na doutrina e na jurisprudência de que devem ser consideradas: (a) data do óbito, conforme o já mencionado art. 60511; (b) data da abertura da sucessão; (c) data da recursa dos herdeiros a ingressar na sociedade; ou (d) data em que a sociedade recursou os herdeiros como sócios12 

Caso haja discussão entre as partes, seja com relação à data base do cálculo, seja com relação ao valor final ou qualquer outro critério, o espólio do sócio falecido tem legitimidade ativa para “promover a liquidação da quota judicialmente; após a partilha, a ação tem de ser promovida pelos sucessores (CPC/2015, art. 600, I e II)” 13. 

 

Direito de recesso 

Corresponde ao direito de o sócio sair da sociedade, mediante o recebimento do valor correspondente à sua quota social, em cinco hipóteses previstas nos artigos 1.077 e 1.114 do Código Civil, quais sejam: (i) modificação do Contrato Social; (ii) fusão da sociedade; (iii) incorporação de outra sociedade por ela; (iv) incorporação dela por outra sociedade; e (v) transformação da sociedade.  

Em outras palavras, caso ocorra alguma das hipóteses indicadas acima, o sócio possui o direito de manifestar seu interesse pessoal, nos trinta dias subsequentes à reunião, de deixar a sociedade a qual pertence, que terá o dever de lhe reembolsar pela sua quota social, sendo que, para fins de cálculo dos haveres e para dissolução do vínculo social, a “data da resolução”, conforme previsão do inciso III do art. 605 do Código de Processo Civil, será a data do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio comunicando seu interesse em exercer seu direito de recesso. 

Assim, durante o processo de dissolução e apuração de seus haveres, o sócio dissidente, em verdade, não mais possui status de sócio a partir do momento em que a sociedade recebe a comunicação da sua saída, mesmo que haja desdobramentos e disputas judiciais a respeito, e, com isso, não mais possui os direitos inerentes a essa condição, tal como a participação nos lucros e a administração da sociedade, se o caso. 

 

Retirada imotivada 

O recesso não é a única forma assegura ao sócio para se retirar da sociedade conforme seu interesse pessoal, mas aos sócios que integram as sociedades limitadas de vínculo instável com prazo indeterminado, é também assegurado o direito da retirada imotivada, já que ele não assumiu obrigação por prazo determinado ao assinar o contrato social, mas deve ser assegurado a ele o princípio da autonomia da vontade.  

Para tanto, conforme determinação do art. 1.029 do Código Civil, o sócio que pretende exercer tal direito deve notificar os demais sócios, “com antecedência mínima de sessenta dias”. Nesse caso, o inciso II do art. 605 do Código de Processo Civil prevê que a data da resolução da sociedade deve ser “o sexagésimo dia seguinte ao do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio retirante”, ou seja, o sócio permanece com seu status de sócio e com todos os direitos e obrigações inerentes a essas condições até esse momento.  

Dessa forma, durante o processo de dissolução e apuração de seus haveres, o sócio dissidente permanece com seu status de sócio durante o prazo de sessenta dias estipulado pela lei, perdendo-o no dia seguinte, mesmo que haja desdobramentos e disputas judiciais a respeito, quando deixa de possuir os direitos inerentes a essa condição, tal como a participação nos lucros e a administração da sociedade, se o caso.  

Esse entendimento, inclusive, é pacificado no Superior Tribunal de Justiça, conforme informativo de jurisprudência nº 0595 de 201714: 

Ao disciplinar o direito societário, o Código Civil de 2002 incorporou ao direito nacional o entendimento, já sedimentado na jurisprudência, de que o vínculo associativo não poderia ser imposto ao sócio que desejasse se retirar de sociedade constituída por prazo indeterminado, ainda que ausente a imposição de alteração contratual. Nesse rumo, excluídas as sociedades de capitais que seguem reguladas pela Lei n. 6.404/1976, o art. 1.029 do CC/2002 assegurou, de forma expressa, a possibilidade de retirada voluntária de sócios dos demais tipos societários, mediante a mera notificação da empresa, respeitado o prazo de sessenta dias de antecedência mínima. Constitui-se, portanto, a retirada em direito potestativo positivado em favor de cada sócio, individualmente considerado e uma vez exercido e respeitado o prazo de antecedência da notificação, opera-se plenamente a resilição do vínculo associativo individual, sujeitando os demais sócios e a empresa, independentemente de anuência ou de intervenção judicial. Nas hipóteses em que é regularmente exercido o direito de retirada, a apuração dos haveres deve sempre observar como marco temporal a data da resolução do contrato societário. É o que determina o art. 1.031, caput, do CC/02. A existência de farta jurisprudência desta Corte Superior no sentido de considerar resolvida a sociedade na data da propositura da ação de dissolução não contraria a conclusão no sentido de que a resolução de sociedade em testilha ocorre após os sessenta dias contados da notificação extrajudicial. Isso porque os precedentes existentes cuidaram de decidir causas em que a própria resolução da sociedade era fato controverso nos autos – mesmo porque a dissolução de sociedade em razão da pretensão do sócio de retirar-se somente se fazia por meio da via processual antes do atual Código Civil. Todavia, a regra de direito extraída desses precedentes já atentava para a relevância do ato de comunicação do interesse de retirar-se, consubstanciado na propositura da demanda na sistemática legal anterior. Dessa forma, reconhece-se como data-base para a apuração de haveres o término do prazo legal, data em que houve o efetivo desligamento de sócio retirante em relação à sociedade. 

Por sua vez, na sociedade limitada que tenha prazo determinado, o mencionado art. 1.029 prevê que a retirada depende de uma “justa causa judicialmente comprovada”, sendo que o inciso III do também já mencionado art. 605 fixa a data da resolução como sendo a data do recebimento, pela sociedade, da notificação do sócio dissidente, ou seja, o sócio perde seu status de sócio no momento em que a sociedade recebe a notificação, mesmo que ainda esteja pendente o reconhecimento judicial da justa causa, ao contrário da hipótese acima, em que é necessário aguardar o prazo de sessenta dias.  

Assim, durante o processo de dissolução e apuração de seus haveres, o sócio dissidente, em verdade, não mais possui status de sócio a partir do momento em que a sociedade recebe a comunicação da sua saída, mesmo que haja desdobramentos e disputas judiciais a respeito, e, com isso, não mais possui os direitos inerentes a essa condição, tal como a participação nos lucros e a administração da sociedade, se o caso.  

Registra-se que há situações em que o sócio dissidente, que exerce seu direito de retirada imotivada, ajuíza ação de dissolução de sociedade cumulada com apuração de haveres sem que tenha notificado a sociedade previamente do seu interesse pessoal de se retirar. Nessa hipótese, a jurisprudência vem firmando entendimento de que, se não houver, nos autos, provas suficientes para definir o marco temporal da dissolução, a “data da resolução”, para todos os seus fins, deve ser considerada a data do ajuizamento da demanda15. 

Exclusão do sócio 

A “exclusão” é mais uma das hipóteses em que há “resolução da sociedade em relação a um sócio” e obrigação da sociedade em promover o pagamento ao sócio excluído dos seus respectivos haveres e se caracteriza “pelo afastamento compulsório do sócio, fundado em uma justa causa, que pode ocorrer tanto por descumprimento pelo sócio de suas obrigações sociais (falta grave), como em razão de outros fatos relevantes capitulados na lei (falência, incapacidade superveniente, liquidação coativa de quota)” 16. 

A exclusão de um sócio minoritário de uma sociedade limitada pode se dar de duas formas, extrajudicial, na hipótese de haver previsão no contrato social da sociedade (CC, art. 1.085), ou judicial (CC, art. 1.030), caso não haja. Por sua vez, a exclusão de um sócio majoritário, deve sempre ser judicial. 

Na primeira hipótese, a extrajudicial, pelas palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto, que segue a atual corrente jurisprudencial majoritária17: 

A exclusão de sócio na sociedade limitada, portanto, pode operar-se por deliberação dos sócios em reunião ou, se for o caso, em assembleia, desde que o contrato tenha autorização e que a decisão indique a justa causa para exclusão, sem prejuízo de revisão judicial ulterior. 

Uma vez tomada a deliberação, a ata da reunião deve ser instrumentalizada em alteração contratual e assim levada a registro na Junta Comercial onde a sociedade for inscrita. Essa alteração contratual faz-se por sócios que representem mais da metade do capital social (art. 1.085), não necessitando da maioria qualificada de ¾, prevista no art. 1.076, I, do CC. Os efeitos da exclusão assim deliberada produzem-se, então, a partir desse registro (art. 1.086). 

Em outras palavras, com relação ao cenário ora tratado, o sócio minoritário perde seu status de sócio quando há o registro na Junta Comercial da alteração contratual que fora promovida, mesma data que deverá ser considerada como data base para cálculo dos haveres, sem prejuízo de revisão judicial ulterior.  

O art. 605 do Código de Processo Civil, porém, em seu inciso V, nem sequer exige que tenha havido o registro na Junta Comercial da alteração contratual, mas indica que, na exclusão extrajudicial, a data da resolução será “a data da assembleia ou da reunião dos sócios que a tiver deliberado”.  

A depender do caso concreto, porém, o Judiciário pode revisar a “data da resolução”, atendendo a pedido da parte, conforme autoriza o art. 607 do Código de Processo Civil, como fez, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar recurso de Agravo de Instrumento18 em que foi desconsiderada a data de registro na Juntada Comercial de alteração contratual, tendo em vista que o sócio dissidente conseguiu provar nos autos que permaneceu exercendo suas atividades administrativas até data posterior, que foi considerada a “data da resolução”, para todos os fins de direito. 

Por sua vez, na exclusão judicial de sócio majoritário ou de sócio minoritário, o inciso IV do supracitado art. 605, determina que a data da resolução da sociedade será “a do trânsito em julgado da decisão que dissolver a sociedade”, o que gera muitas controversas, especialmente ao se considerar a morosidade do Judiciário e a possibilidade de o sócio réu estar causando graves prejuízos à sociedade.  

Quanto a esse ponto, registra-se a possibilidade de ser concedida uma antecipação de tutela, se preenchidos os pressupostos legais, para permitir que a sociedade prossiga suas atividades sem a participação do sócio réu19. No entanto, isso não resolve o problema, pois ele permanecerá com seu status de sócio e com todos os seus direitos inerentes a essa condição. 

Para Marcelo Guedes Nunes, por exemplo20: 

A data da sentença é uma boa regra geral, que, no entanto, comporta exceções. Caso, por exemplo, o sócio tenha sido afastado pelo juiz no transcorrer do processo por uma antecipação de tutela, o correto é considerar a data do afastamento como base da exclusão. 

O entendimento transcrito acima está fundamentado no fato de que, por exemplo, não seria justo pagar dividendos a sócio por período em que ele estava afastado da sociedade, em que não contribuiu para a percepção desses lucros, sob pena de enriquecimento sem causa.  

Da análise da jurisprudência, observa-se que o Judiciário vem aplicando a autorização do já mencionado artigo 607 do Código de Processo Civil e aplicando data diversa à “data da resolução” da sociedade, que não seja a data do transito em julgado da ação de exclusão de sócio, como por exemplo o Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao analisar os autos de recurso de Apelação21, chegou à conclusão de que, para aquele caso em concreto, a data da resolução deveria ser a data na qual os réus apresentaram contestação à ação, momento no qual perderam seus status de sócios e todos os direitos inerentes à essa condição. 

 

[Comentários finais] 

Em sendo a sociedade limitada, em sua essência, contratual, a autonomia dos seus sócios é ampla para, por exemplo, prever diversas condições, hipóteses e determinantes em seu contrato social, a fim de evitar buscar o Judiciário para dirimir controvérsias e disputas que eventualmente possam surgir, entre elas, o processo de dissolução parcial da própria sociedade e o procedimento de apuração de haveres do sócio dissidente, inclusive quanto ao marco temporal para a “data da resolução”, momento no qual esse sócio perde tal status e todos os direitos a ele inerentes.  

É por isso que o bom aconselhamento legal no momento da elaboração do contrato social é de extrema importância, pois pode evitar muitos conflitos futuros e expressivas perdas financeiras à sociedade, mas, sendo necessária a interferência do Judiciário, há de se considerar que a atual legislação evoluiu positivamente ao passar a regular expressamente hipóteses para a dissolução parcial da sociedade, tais como o falecimento, recesso e retirada, por exemplo. 

No entanto, acertou o legislador ao entender que não poderia supor ser possível prever todas as possibilidades fáticas das sociedades existentes e que viriam a existir, bem como dos sócios que as compunham e, por isso, previu que o magistrado, ao analisar o caso concreto, poderia modular alguns critérios definidos na lei, tal como o da “data da resolução”.  

Nesse sentido, apesar de o Código de Processo Civil apresentar um rol com indicação de momentos que devem ser considerados como sendo as datas da resolução da sociedade para fins de direito, tal como a perda do status do sócio dissidente, esse mesmo diploma legal previu que o magistrado pode alterar essas datas caso haja, nos autos do caso concreto, prova em sentido contrário, de que a resolução ocorreu em momento diverso.  

Essa é uma matéria que, portanto, apesar de possuir regulamentação expressa em lei, quando judicializada, depende da análise do caso concreto e das provas produzidas nos autos, devendo-se acompanhar entendimento jurisprudencial que vem se formando quanto à cada hipótese específica.

Autor: Mayara Trassi Villa

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