O primeiro Incidente de Assunção de Competência apreciado pelo STJ e o entendimento da Corte Superior acerca da prescrição intercorrente 

A prescrição intercorrente é matéria que, desde tempos imemoriais, provoca profundo debate no âmbito dos tribunais. Em razão disso, e diante dos mecanismos constantes do vigente Código de Processo Civil, que visam a uniformizar a jurisprudência e estabelecer uma cultura de precedentes capaz de contribuir para o estabelecimento da segurança jurídica, a questão foi objeto do primeiro Incidente de Assunção de Competência – IAC julgado pelo STJ.  

O referido IAC, previsto no artigo 947 do atual Código de Processo Civil, é admissível quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária, envolver relevante questão de direito com grande repercussão social, sem repetição (obrigatória) em múltiplos processos.  

Assim, o IAC-1, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2018, tratou da prescrição intercorrente e definiu, em votação apertada, questões de extrema relevância para o instituto em questão. Na oportunidade do julgamento prevaleceu a tese proposta pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator do incidente.  

Vale afirmar que a hipótese do caso concreto da qual deriva o debate abordava a necessidade de prévia intimação do credor como condição para o reconhecimento da prescrição intercorrente, para a finalidade de imprimir andamento ao processo que estivesse paralisado por prazo superior àquele previsto para a prescrição da pretensão veiculada na demanda.  

Ao final do julgamento do Incidente de Assunção de Competência em questão, o Superior Tribunal de Justiça fixou as seguintes teses: 

1.1 Incide a prescrição intercorrente, quando o exequente permanece inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado, conforme interpretação extraída do art. 202, parágrafo único, do Código Civil.  

1.2 O termo inicial do prazo prescricional, na vigência do CPC/1973, conta-se do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano (aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830/80).  

1.3 O termo inicial do art. 1.056 do CPC/2015 tem incidência apenas nas hipóteses em que o processo se encontrava suspenso na data da entrada em vigor da novel lei processual, uma vez que não se pode extrair interpretação que viabilize o reinício ou a reabertura de prazo prescricional ocorridos na vigência do revogado CPC/1973 (aplicação irretroativa da norma processual).  

1.4. O contraditório é princípio que deve ser respeitado em todas as manifestações do Poder Judiciário, que deve zelar pela sua observância, inclusive nas hipóteses de declaração de ofício da prescrição intercorrente, devendo o credor ser previamente intimado para opor algum fato impeditivo à incidência da prescrição.  

O Ministro Luis Felipe Salomão inaugurou a divergência e defendeu que: 

“Nas execuções ajuizadas antes da vigência do CPC/15, que estejam suspensas, por exemplo, em decorrência da ausência de bens, remanesce o direito do credor para início do prazo da prescrição intercorrente de ser intimado para dar andamento ao feito, conforme era a jurisprudência até então do STJ.”  

No entanto, a ministra Nancy Andrighi apresentou outra tese, na qual defendia um terceiro entendimento a respeito da aplicação temporal da lei, e entendeu que a decisão relativa à necessidade de intimação do credor exequente para decretação da prescrição intercorrente está prejudicada pela disposição de direito intertemporal prevista no art. 1.056 do CPC/15.  

Isto porque, nos termos da análise da Ministra, nas execuções ajuizadas na vigência do CPC/73 e que foram ou estejam suspensas por falta de bens penhoráveis, o termo inicial da prescrição intercorrente seria 18/3/2016, quando entrou em vigor o atual CPC, fundamentando o seu entendimento nos termos do artigo 1.056 do diploma processual.  

Entretanto, as teses divergentes apresentadas, foram repelidas, de forma que aquelas inicialmente apresentadas pelo Relator foram fixadas e o Superior Tribunal de Justiça informou, em 24/06/2022, o trânsito em julgado, ocorrido em 24/05/2022, do acórdão de mérito do Recurso Especial nº 1.604.412/SC, paradigma do Incidente de Assunção de Competência (Tema 1 IAC – STJ). 

Antes do trânsito, o quanto decidido no IAC em questão foi objeto de Recurso Extraordinário, oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal pontuou relevante aspecto relativo ao direito intertemporal. 

Na ocasião, o Ministro Luiz Fux destacou que a modificação do entendimento jurisprudencial estabelecida pela Terceira Turma do STJ não promove a aplicação do “novo” Código de Processo Civil a situações pretéritas, já que inclusive o CPC/1973 sequer tratava da matéria. 

Neste sentido, explicou o fundamento do entendimento anteriormente adotado pelo STJ: 

“Tratava-se de uma interpretação analógica, atrelada ao instituto do abandono da causa, que, conforme demonstrado, em nada tangencia a prescrição, a evidenciar a inadequação do entendimento então adotado. Desse modo, não se pode afirmar que o NCPC modificou o tratamento a ser dado à matéria, ao expressamente preceituar aliás, em absoluta consonância com o instituto a desnecessidade de intimação do exequente, para efeito de início do prazo da prescrição intercorrente.” 

É possível verificar que os Tribunais vêm aplicando o quando estabelecido no IAC, como se extrai de recente julgado oriundo do TJSP: 

APELAÇÃO AÇÃO DE EXECUÇÃO NOTA PROMISSÓRIA – EXTINÇÃO DA AÇÃO PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE PRAZO TRIENAL  

I Sentença de extinção da ação, com julgamento do mérito, ante o reconhecimento da prescrição intercorrente Recurso da exequente  

II – Execução embasada em nota promissória vencida em 2010 Autos encaminhados ao arquivo por 03 vezes, isto é, nos anos de 2013, 2016 e 2017, com último desarquivamento em 2021, sem que fossem localizados bens penhoráveis  

III Prazo prescricional de Inteligência do art. 206, §3º, inciso VIII, do CC, e dos arts. 70 e 77 da Lei Uniforme de Genebra Execução que prescreve no mesmo prazo prescricional da pretensão de cobrança da dívida derivada do título executivo – Inteligência da Súmula 150 do STF Precedentes deste E. TJ – IV – Aplicação das teses firmadas pelo C. STJ no Incidente de Assunção de Competência nº 01 suscitado no REsp 1.604.412/SC, assim como no REsp nº 1.340.553/RS, seguindo o rito dos recursos repetitivos – Termo inicial do prazo prescricional intercorrente, na vigência do CPC/1973, que deve ser contado do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano.  

Sob outra perspectiva, em entendimento também do ano de 2022, nos autos do AgInt no REsp 1818595/DF, analisado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente foi afastada na hipótese de execução fiscal, com fundamento na Súmula 106 do STJ, que prevê que “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”. 

Vale pontuar que a prescrição intercorrente em execução fiscal também é objeto da Súmula 314 do STJ, a qual prevê que: “Em execução fiscal, não localizado bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.” 

No âmbito dos recursos repetitivos, que, nos termos do artigo 927, inciso III do Código de Processo Civil, detém caráter vinculante, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou algumas vezes sobre a matéria: 

Tema 566 do STJ: “O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução.” 

Tema 567 do STJ: “Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável.” 

Tema 568 do STJ: “A efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação (ainda que por edital) são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v.g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens.” 

Tema 569 do STJ: “Havendo ou não petição da Fazenda Pública e havendo ou não pronunciamento judicial nesse sentido, findo o prazo de 1 (um) ano de suspensão inicia-se automaticamente o prazo prescricional aplicável.” 

Tema 570 do STJ: “A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial – 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição.” 

Tema 571 do STJ: “A Fazenda Pública, em sua primeira oportunidade de falar nos autos (art. 245 do CPC/73, correspondente ao art. 278 do CPC/2015), ao alegar nulidade pela falta de qualquer intimação dentro do procedimento do art. 40 da LEF, deverá demonstrar o prejuízo que sofreu (exceto a falta da intimação que constitui o termo inicial – 4.1., onde o prejuízo é presumido), por exemplo, deverá demonstrar a ocorrência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição. 

Dessa forma, o que se vê é que a matéria, tanto no âmbito das causas de natureza fiscal quanto nas demais demandas, carece de previsão legal suficiente e apta a fundamentar as decisões que tratam do tema, redundando, assim, na almejada jurisprudência estável, íntegra e coerente.   

Autora: Ana Gabriela Malheiros de Oliveira

Voltar para lista de conteúdos