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O mecanismo processual da prescrição intercorrente e as alterações da Lei nº 14.195/2021
A prescrição é o evento que consiste em extinguir a pretensão jurídica que um sujeito tem em relação a outrem e que pode ser exercida por meio de uma ação. Com o advento dela, o sujeito perde o direito de agir, embora o direito, em si, permaneça vivo.
Situações jurídicas imprescritíveis são uma rara exceção cujo principal sustento é a Constituição Federal, a exemplo do que dispõe o art. 5º, incisos XLII e XLIV, os quais constam como prática criminosa o racismo e a ação de grupos armados que atentem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, ambos inafiançáveis e imprescritíveis.
A despeito de eventuais discussões sobre o conceito de prescrição e da investigação sobre o que de fato se extingue, se o direito de ação ou o direito material, neste momento nos interessa o direito de ação, pois a perspectiva da prescrição se desdobra no exercício de seu direito e tal fenômeno chama atenção e merece, portanto, reflexão.
A prescrição intercorrente é um instrumento jurídico que tem como objetivo garantir efetividade e celeridade processual, a fim de cumprir o princípio constitucional previsto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal acerca da razoável duração do processo, judicial ou administrativo. Ou seja, as pretensões precisam sucumbir à ação do tempo e os processos não podem ter duração indefinida. Aqui está o fenômeno objeto deste artigo: a prescrição denominada intercorrente, que ocorre depois de exercido o direito de ação no prazo de direito material.
O estudo do tema é relevante, além de estar sempre evoluindo diante das inúmeras situações que se multiplicam e nos são submetidas na prática jurídica todos os dias, razão pela qual compõe vetor de análise de risco, probabilidade, custo-benefício e outros dados relevantes que precisam ser dominados por profissionais do direito das mais diversas áreas e funções. Vamos a eles.
A prescrição intercorrente e a duração razoável dos processos
O prazo da prescrição intercorrente é o mesmo prazo legalmente estabelecido para o exercício do direito de ação no curso de um processo. Nos termos do art. 205 do Código Civil de 2002, “a prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”, de modo que, dessa maneira, a prescrição intercorrente ocorre no prazo máximo de dez anos nos casos em que não há prazo menor legalmente fixado para o direito de ação.
Diante da falta de qualquer dispositivo legal específico no ordenamento jurídico brasileiro a respeito deste desdobramento, tem-se a consolidada Súmula nº 150, do Supremo Tribunal Federal, a qual vem sendo aplicada em inúmeras teses vencedoras que tratam da prescrição e demais aspectos estabelecidos pelos Tribunais Superiores e que diz: “prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação”.
Nesse sentido, no julgamento do agravo em recurso especial nº 530.094/ES, de Relatoria do Min. Sérgio Kukina, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça dispôs que o prazo para propositura de execução contra a Fazenda Pública é de cinco anos, ao fundamento do art. 1º do Decreto 20.910/1932 e da Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. MARCO INICIAL. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO. SÚMULA 150/STF. 1. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que o prazo para propositura de execução contra a Fazenda Pública, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/1932 e da Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal, é de cinco anos, contados do trânsito em julgado do processo de conhecimento, momento em que o título executivo se torna líquido e certo, ante a incidência do princípio da actio nata. Precedentes. 2. Agravo interno não provido. (STJ – Agravo em recurso especial nº 530.094/ES (2014/0139016-1) – 1ª Turma – Min. Rel. Sérgio Kukina – DJE de 05/05/2021)
Ainda assim, no julgamento do recurso especial nº 1.593.786/SC, de Relatoria do Min. Paulo De Tarso Sanseverino, no qual se debateu controvérsia acerca da prescrição intercorrente no curso de execução de título extrajudicial, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, além de citar a Súmula 150 do Supremo Tribunal Federal, assentou a “ocorrência de prescrição intercorrente, se o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado”. Dessa forma, uma vez que a execução permaneceu suspensa por sete anos sem que o exequente adotasse qualquer providência para a localização de bens penhoráveis, entendeu a Turma pela ocorrência desta.
A jurisprudência dos Tribunais superiores tem se mostrado favorável ao instituto da prescrição intercorrente, principalmente por entender que ele é um mecanismo importante para preservar a celeridade do processo e garantir a efetividade do direito.
No particular, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do agravo em recurso especial nº 540.259/RJ, dispôs que “há entendimento nesta Corte Superior no sentido de que, uma vez registrado pelo Tribunal de origem que o exequente […] não demonstrou a existência de causa suspensiva ou interruptiva que impedisse o reconhecimento da prescrição, não deve ser reconhecida a nulidade da decisão recorrida, em atenção aos princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas”.
Para melhor entendimento do tema, vale mencionar que é comum a referência a dois momentos da prescrição: a prescrição da pretensão condenatória e a prescrição da pretensão executiva.
A propósito, o Código Penal, nos seus arts. 109 e 110, conceitua a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória, respectivamente, espécies que se aproximam conceitualmente da pretensão condenatória e executiva válidas para as demais relações jurídicas não penais.
Nesse sentido, ainda tratando do tema do ponto de vista interdisciplinar, vale mencionar que, durante muitos anos, o mais próximo que tivemos no ordenamento jurídico acerca da prescrição intercorrente, esteve no art. 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) o qual trata da suspensão do prazo prescricional como consequência da suspensão do processo para localização do devedor ou de bens capazes de satisfazer a cobrança judicial, pelo prazo de 1 (um) ano.
A jurisprudência, interpretando o dispositivo, sempre entendeu que findo o prazo de 1 (um) ano e arquivado o processo por falta de ação da Fazenda Pública, conta-se novamente o prazo prescricional aplicável à dívida ativa tributária ou não tributária e, confirmada a inércia, declara-se a prescrição definitiva.
Quanto ao termo inicial, o Superior Tribunal de Justiça, em 2018, nos autos do Recurso Especial nº 1.340.553/RS (temas 566, 567, 568, 569, 570 e 571) consolidou o entendimento de que automaticamente após a ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis, inicia-se o prazo de 1(um) ano de suspensão do processo, e, findo o prazo, inicia-se a contagem da prescrição intercorrente a qual só será interrompida com a efetiva citação do executado ou penhora de bens.
Referido entendimento foi estabelecido em tese vinculante nos temas acima mencionados1, nos quais foram esclarecidas as nuances quanto ao que pode ser considerado termo inicial, hipóteses de interrupção e eventual nulidade por falta de intimação de atos do processo no interesse da parte credora.
O procedimento da execução fiscal protagoniza as discussões sobre prescrição intercorrente justamente pelo peso significativo que esse tipo de processo tem no Judiciário brasileiro.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 636.562/SC sobre o tema em estudo, trouxe dados objetivos do Relatório Justiça em Números 2022 do Conselho Nacional de Justiça para ilustrar relevância do procedimento da execução fiscal e o alto grau de irrecuperabilidade dos créditos, o qual dispôs que:
“Historicamente as execuções fiscais têm sido apontadas como principal fator de morosidade do Poder Judiciário. O processo de execução fiscal chega ao Poder Judiciário depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, provocando sua inscrição na dívida ativa. Dessa forma, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas, sem sucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional. Acabam chegando ao Judiciário títulos de dívidas antigas ou com tentativas prévias de cobranças e, por consequência, com menor probabilidade de recuperação.” (Justiça em números 2022 / Conselho Nacional de Justiça. – Brasília: CNJ, 2022)
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, ao julgar a tese vinculante fixada no Recurso Especial Repetitivo nº 1.340.553/RS, dispôs sobre pedidos de suspensão por prazos aleatórios que extrapolam, segundo o entendimento, a finalidade da lei.
É comum se deparar com processos em fase de execução que estão suspensos ou já no decurso do prazo prescricional sem atividade da parte credora, mas com sucessivos pedidos de dilação destes para diligências e nenhuma decisão judicial que estabelece o marco temporal da suspensão. Tal cenário, visto de fora do processo ou mesmo pelas partes, parece expor alguma insegurança.
Essa situação poderia até ser confortável, a priori, mas representa um risco imprevisível tanto ao credor ou devedor de boa-fé e dificulta o trabalho de quem se propõe a analisar um processo, apontar um diagnóstico e estabelecer uma estratégia de atuação. O credor não sabe se pode prosseguir com a execução e o devedor tem dificuldade de apresentar defesa.
As relações jurídicas e processuais precisam de mais previsibilidade e isso passa pela uniformização dos procedimentos e prazos, e, nesse ponto, a disciplina por meio de lei é mais eficaz do que o casuísmo, até porque uma parcela do seu fundamento social é a pacificação de conflitos oriundos da repetição de demandas com formatos e resultados diversos envolvendo um mesmo instituto jurídico.
Conforme preceituam os autores Augusto Newton Chucri e outros acerca da criação do instituto:
“O fundamento é baseado no princípio da segurança jurídica, na raiz do qual está a repulsa à infinitude de situações pendentes. Além disso, contraria a própria natureza do processo que fique suspenso indefinidamente, ad aeternum. Isso não significa que o processo não possa se prolongar no tempo, como sói acontecer por motivos vários, mas que esse prolongamento se dê pela realização de atos úteis para que o processo atinja o seu termo. O processo existe para chegar a um fim, para atingir seu escopo.” (CHUCRI, Augusto Newton. GONÇALVES, Eduardo Rauber. BAJERSKI, Leonardo Munareto. SILVA, Luiz Henrique Teixeira. POLO, Marcelo. SANDRI, Marcos Paulo. GODOI, Marilei Fortuna. Execução Fiscal Aplicada: Análise pragmática do processo de execução fiscal. 4ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 648)
A importância do mecanismo do ponto de vista prático tem algumas perspectivas. De um lado, induz o credor a tomar as providências necessárias para satisfazer o seu crédito consolidado. De outro, não permite que o devedor fique sujeito a uma execução inviável por ausência notória de patrimônio suficiente para satisfazer a obrigação.
Outra perspectiva que transcende o interesse das partes é a viabilidade dos processos em fase de execução e a duração razoável dos processos. Um processo cujo objetivo é notoriamente inviável no mundo prático deve ser extinto dentro de um prazo cabível e desde que tenha sido observado o contraditório e o interesse das partes.
Corroborando a ideia de que o mérito processual deve ser resolvido o quanto antes, respeitadas a ordem cronológica, as prioridades necessárias e o amadurecimento de cada caso, o Código de Processo Civil prevê que a decisão que reconhecer a prescrição é decisão de mérito, e, portanto, não permitirá nova discussão em juízo sobre a mesma controvérsia.
Também por essa razão é que o Código de Processo Civil de 2015, na sua declaração de princípios, estampa o preceito do art. 4º no sentido de que as partes têm o direito de obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa – que também se submete à ação do tempo e precisa ter um fim.
Do mesmo modo, o advento do art. 10, do Código de Processo Civil, o qual inseriu uma regra geral quanto à oitiva das partes mesmo quando o juiz percebe a existência de causa de extinção do processo, a exemplo das matérias de ordem pública sobre as quais o juiz pode decidir de ofício, entre elas, a prescrição.
Esse dispositivo também consolida a filosofia de que o processo deve estar atento às exigências constitucionais e a importância da participação das partes ainda que o juiz seja o principal responsável pela organização do processo. O art. 10 do Código de Processo Civil de 2015 parece evoluir em relação ao antigo art. 219, § 5º, do Código de Processo Civil de 1973, o qual previa que a prescrição deveria ser pronunciada de ofício sem qualquer ressalva, ainda que a jurisprudência reconhecesse a necessidade de intimação prévia da parte interessada.
Nesse sentido, Hermes Zaneti Jr., em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, volume XIV, publicado pela Revista dos Tribunais no ano de 2016, dispõe que:
“É necessário que o exequente seja cientificado do transcurso do prazo, quer devido ao dever de prevenção do órgão jurisdicional para com a parte decorrente da cooperação (art. 6º), quer porque a prescrição pressupõe inércia do exequente, como diz a jurisprudência do STJ, o prazo só flui ‘se o credor não atender às diligências necessárias ao andamento do feito, uma vez intimado a realiza-las’ (STJ, RESP 327.329/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, j. 14.08.2001, DJ 24.09.2001, p. 316)”. (ZANETI, Jr., Hermes. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 824 ao 925 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 921-922)
Vê-se, pois, que mesmo antes da mudança do Código, o Superior Tribunal de Justiça já entendia pela necessidade de intimar a parte interessada para dar prosseguimento ao feito antes de declarar a prescrição.
Esse também é o entendimento do referido autor, que acrescenta que “o juiz poderá reconhecer a prescrição de ofício e extinguir a execução somente depois de oportunizar as partes sobre ela se manifestar em 15 (quinze) dias (art. 921, § 5.º, do CPC/2015), sob pena de caracterizada decisão-surpresa (art. 10, do CPC/2015)”.
Tal aspecto também foi tratado no âmbito da tese repetitiva do Superior Tribunal de Justiça que esclareceu os termos da prescrição intercorrente objeto deste estudo, pois no procedimento do art. 40 da Lei nº 6.830/80, consta providência de oitiva da Fazenda Pública antes da decretação da prescrição intercorrente. De acordo com o art. 921, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015, a extinção ocorrerá depois de ouvidas as partes em harmonia com a evolução da matéria da lei e na jurisprudência.
Mudanças trazidas pela Lei nº 14.195/2021
A Lei nº 14.195/2021 trouxe um novo regime de tratamento das hipóteses em que verificada a prescrição intercorrente. Em 2021, a Medida Provisória nº 1.040 que tratava da facilitação para abertura de empresas e proteção de acionistas minoritários, foi convertida em lei pelo Congresso Nacional, trazendo consigo a alteração no termo inicial da contagem da prescrição intercorrente no curso do processo.
A inovação é salutar, pois faltava no ordenamento a regulação adequada dos efeitos do tempo sobre um processo que, por mais complexa a matéria discutida e eventual dificuldade na satisfação do direito, não pode durar toda uma vida, sob pena de violação aos direitos do devedor que fica à mercê de um processo sem fim, bem como do mau uso dos recursos públicos empregados na gestão dos processos pelo Poder Judiciário e até de deslegitimação deste Poder pela demora culturalmente imputada aos serviços prestados.
Em vista disso, convém salientar que a Medida Provisória convertida em lei apenas referenciava a prescrição intercorrente com fins a positivar a definição consolidada pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula nº 150. Quando de sua conversão, a Lei nº 14.195/2021 trouxe uma mudança que impactou nos direitos dos credores.
Conforme já mencionado, anteriormente à vigência da nova lei, quando não localizados os bens de um devedor, o processo de execução era suspenso por 1 (um) ano, sendo que somente no caso de ausência de manifestação do credor durante referido período é que se iniciava a contagem do prazo da prescrição intercorrente.
Com a nova lei, estabeleceu-se como termo inicial da prescrição intercorrente a simples ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens passíveis de penhora.
Trata-se de contorno procedimental necessário e que, por ser assim, necessitava de reserva legal, pois o que está em jogo também é o equilíbrio entre os direitos do credor que pretende satisfazer o seu crédito, desde que legítimo e observados a forma e os prazos processuais, tal como dita o art. 921, § 4º-A, dispositivo inserido pela Lei nº 14.195/2021, e, de outra perspectiva, o direito do devedor, sujeito do processo que sofre a tutela executiva, notadamente por meio de constrição ao seu patrimônio.
A nova lei, ainda, inseriu no capítulo da suspensão do processo de execução no CPC/15 a mesma filosofia do procedimento do art. 40 da Lei de Execuções Fiscais.
Naquele dispositivo estão providências processuais que analisadas do ponto de vista conceitual podem e devem ser aplicadas a qualquer processo, não só envolvendo créditos de titularidade da Fazenda Pública, afinal,, também como já exposto, o ordenamento jurídico deve ser visto de maneira integral e em diálogo evolutivo de fontes.
A doutrina especializada no assunto aponta a proximidade entre os procedimentos de aplicabilidade distinta, porém, de forma e finalidade semelhantes:
A Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal) regulou o assunto no âmbito das execuções fiscais (art. 40). O CPC-2105 resolveu generalizar. Previu expressamente a possibilidade de a execução ser extinta, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente (art. 924, V, CPC). O art. 921 do CPC disciplina o específico caso de prescrição intercorrente em razão da suspensão do processo pela inexistência de bens penhoráveis (art. 921, III, CPC). Os §§ do art. 921 cuidam do assunto, seguindo o modelo previsto na Lei de Execução Fiscal: […] (DIDIER, Jr., Fredie. CUNHA, Leonardo Carneiro da. BRAGA, Paulo Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de direito processual civil: execução. 7. Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. p. 456-457)
Há uma semelhança entre os entendimentos diversos acerca da prescrição intercorrente no âmbito cível, das execuções fiscais, em matéria tributária, penal e administrativa: o foco tanto do legislador quanto do Judiciário no estabelecimento de parâmetros para interromper ou não a prescrição no processo diz respeito à intenção de cobrança, de exercício de um direito, de interpelação do devedor.
A Lei nº 14.195/2021 trata da prescrição intercorrente em nível processual e estabelece um pequeno procedimento de identificação e providências antes da declaração da causa de extinção e, assim como ocorre na legislação material, em especial o art. 202 do Código Civil, que estipula causas de interrupção da prescrição da ação.
Além das alterações que tornaram claro o momento em que tem início o prazo de 1 ano de suspensão do processo, bem como o curso da prescrição intercorrente, note-se que o § 4º-A inserido ao art. 921, do Código de Processo Civil, também deixa bastante claro o momento processual em que o prazo é interrompido, sendo a efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis.
O § 5º, por sua vez, além de prestigiar o contraditório e se harmonizar com a filosofia do Código de Processo Civil de 2015, conforme exposto neste texto, também incluiu uma ressalva importante que pacificou controvérsia jurisprudencial a respeito da sucumbência discutível na extinção do processo por prescrição intercorrente. Nesse aspecto, a Lei nº 14.195/2021 passou a prever expressamente a extinção da ação sem sucumbência para o exequente, nos seguintes termos:
Art. 921. Suspende-se a execução:
§ 5º O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo e extingui-lo, sem ônus para as partes. (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021)
Vale ressaltar, ainda, que a Lei nº 14.382/2022 trouxe nova redação ao art. 206-A do Código Civil, mas somente para incluir no texto a noção de que a prescrição intercorrente observará o mesmo prazo da pretensão de direito material, observadas as disposições gerais do Código Civil e a remissão do procedimento do art. 921, do CPC.
Em que pese haja discussão em trâmite no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.005/DF, na qual, entre outras pretensões, postula-se a inconstitucionalidade formal e material do art. 44 da Lei nº 14.195/2021 (que dispõe sobre as alterações acerca da prescrição intercorrente), a disposição de lei é categórica e vem sendo aplicada pelos Tribunais até o momento.
Esse é, inclusive, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial nº 2025303/DF, proferido pela Terceira Turma, sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi dispôs expressamente que “nas hipóteses em que extinto o processo com resolução do mérito, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, é de ser reconhecida a ausência de ônus às partes, a importar condenação nenhuma em custas e honorários sucumbenciais”.
12. A disposição é categórica: o reconhecimento da prescrição intercorrente acarreta a extinção do processo sem quaisquer ônus para as partes, seja exequente, seja executada. 13. Vislumbra-se, pois, hipótese singular: há processo, mas não há condenação em custas e honorários. 14. Também nesse sentido se manifesta a doutrina: “o CPC no momento traz uma situação inédita em que não há honorários para quaisquer das partes: no caso de extinção pela prescrição intercorrente, não haverá ‘ônus para as partes’; ou seja, nenhuma parte pagará honorários ao patrono da outra – ou custas. Assim, simplesmente não há fixação de honorários, seja pela sucumbência, seja pela causalidade” (GAJARDONI, Fernando da F.; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre V.; [et al]. Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. São Paulo: Grupo GEN, 2022). 15.Na ocasião, destacou a relatora que “prolatada sentença de extinção do processo com resolução do mérito, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente com fundamento no art. 921, III, §5º, do CPC/15, após 26/8/2021, é de ser reconhecida a ausência de ônus às partes”.
Dispôs, ainda, que “enquanto eventual inconstitucionalidade não for declarada, deve imperar a interpretação coerente com a legislação ora vigente”.
Dessa forma, as mudanças trazidas pela Lei nº 14.195/2021 tornam o processo de execução mais previsível e seguro, sendo que o reforço legislativo à disciplina dos desdobramentos da prescrição colabora para uma melhor reflexão sobre o custo de ajuizar uma ação e mantê-la ativa ciente do grau de viabilidade deste procedimento.
Autores: Giovanna Hoff Domingues e Jean Felipe Alves Bezerra