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Critérios de fixação da reparação fluida do Código de Defesa do Consumidor
A sentença, ao que concerne às ações coletivas para a defesa de direitos do consumidor, conforme o art. 95 do Código de Defesa do Consumidor, pode ser genérica e se limitar a fixar a responsabilidade do réu pelos danos causados, afastando-se a regra geral de que a sentença deve ser líquida, contida nos art. 491 do Código de Processo Civil.
Isso porque o que se pretende resguardar nas ações coletivas não é somente o direito individualmente verificável, mas também que o desdobramento dos efeitos desta possa ser adaptado a cada interessado e que o executado possa se defender adequadamente, notadamente em se tratando de sentença que beneficia uma grande quantidade de interessados, situação que demandará esforço de todos os envolvidos no processo
Outra face da concretização da sentença coletiva que merece destaque é a que diz respeito à obrigação residual de reparação de que trata o art. 100 do CDC, a chamada reparação fluida (fluid recovery).
Na execução da sentença quanto ao dano ocorrido e à obrigação de reparação aos interessados, normalmente o que se tem é o ônus de cada interessado em comprovar a titularidade da relação jurídica discutida, bem como os elementos que esclareçam a extensão do quanto deve ser reparado a cada um.
Já na reparação fluida, as partes devem lidar com a carência de critérios objetivos de apuração da reparação, nos termos do art. 100 do CDC, o que faz com que o cálculo do valor dependa de prova ou de simples argumentar das partes interessadas, que, no entanto, pode não ser suficiente do ponto de vista prático.
A ausência de critérios objetivos para aferir uma quantia a título de reparação fluida é bastante problemática, ainda que processualmente a questão possa ser resolvida pela distribuição do ônus da prova.
As ações coletivas têm como finalidade a tutela coletiva de direitos de maneira efetiva. A efetividade, contudo, não significa promover um bem jurídico a qualquer custo. Qualquer quantia ou prestação devida por quem for considerado responsável pela reparação a título genérico deve ser calculada com base nas circunstâncias reais do caso, e não em suposições.
É o que se depreende a partir da regra geral de que as indenizações se medem pela extensão do dano, conforme preceitua o art. 944, do Código Civil. Esse raciocínio também reflete a preocupação com um critério fundamental de proporcionalidade para a tomada de qualquer decisão jurídica, que deve ser tomada a partir de um exame de proporcionalidade, bom senso e respeito à integridade do ordenamento jurídico.
Da mesma forma, o art. 100 do CDC também faz menção à gravidade do dano, elemento que deve ser interpretado de acordo com as circunstâncias de fato. Sendo assim, a busca pela adequação do que deve ser indenizado a título de reparação fluida deve extrair o máximo possível do texto do art. 100 do CDC e recorrer ao diálogo necessário e saudável com os princípios gerais de direito e regras processuais que norteiam a tomada de decisão no ordenamento jurídico de forma integral.
Outro elemento que também deve ser considerado é o decurso do prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano. É evidente que a ausência de titulares interessados na liquidação da sentença coletiva diz algo sobre o dano que fundamentou a procedência do pedido indenizatório na ação coletiva. Se não se pode afastá-lo, sob pena de esvaziamento da própria reparação, como também violação à coisa julgada, certamente essa ausência deve ser considerada na avaliação do valor ou da prestação exigida em face do responsável pela reparação. Significa ainda dizer que, se não houve nenhum interessado na execução da sentença, é claro que o dano não foi tão grave, eis que não houve repercussão social.
Como já dito, a exigência da reparação fluida nos termos do art. 100 do CDC revela-se no âmbito do cumprimento de sentença. O CPC tem aplicação subsidiária ao microssistema do processo coletivo brasileiro, e, assim, vale também observar o disposto no art. 524 do referido diploma, que orienta os requerimentos de cumprimento de sentença e prevê requisitos também objetivos que podem determinar com maior precisão o quanto devido.
Embora a condenação seja genérica – o que é esperado, conforme o art. 95, do CDC –, a liquidação e o consequente cumprimento de sentença coletiva deve ser pautado pelos mesmos parâmetros necessários para apuração do valor ou da prestação devida pelo responsável. A generalidade é da condenação e não da reparação, qualquer que seja o título, individual ou coletivo residual por meio da reparação fluida.
Embora a reparação seja fluida, o caminho para resolver essa equação deve considerar elementos seguros e com algum grau de previsibilidade, a exemplo do que ocorre na fixação de multas administrativas envolvendo demandas consumeristas na previsão do art. 57 do CDC, o qual possui elementos objetivos que devem ser considerados, como gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor.
Tais elementos dialogam com a gravidade do dano isoladamente considerado pelo art. 100 do CDC e não excluem a possibilidade de outros quesitos mais próximos do suporte fático e que também devem orientar o juiz no cumprimento de sentença, tais como a ação do tempo entre a sentença e a execução, o comportamento e a boa-fé e iniciativa do executado e o interesse dos possíveis beneficiários.
O referido art. 57 do CDC trata-se de fixação de multa, ou seja, de sanção, e, no caso do art. 100, a doutrina tem afirmado que a reparação fluida também possui caráter sancionatório, preventivo ou pedagógico.
Nos autos do Recurso Especial nº 1.261.824/SP, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, o STJ já afirmou, quanto ao art. 57 do CDC, que os parâmetros ali previstos reforçam a segurança jurídica na aplicação de sanções pela administração pública, raciocínio que também poderia orientar a interpretação do art. 100, do mesmo CDC.
Ademais, a fixação do quantum da reparação fluida, do ponto de vista interpretativo-sistemático, observando-se também os critérios do art. 57 do CDC, é compatível com a disciplina das sanções em geral previstas no ordenamento jurídico, especialmente a reserva de lei quanto à exigência de prestações ou quantias a título sancionatório, bem como os critérios de fixação do valor.
Nesse contexto, a observância de critérios mais objetivos também se justifica quanto à reparação adequada do dano, pois os critérios do art. 57 do CDC levam a um valor que potencialmente será mais preciso do ponto de vista objetivo e adequado à realidade. A efetividade, nesse sentido, é contemplada em todos os aspectos, tanto por quem está obrigado a reparar, prestando aquilo que efetivamente é devido, quanto com relação ao direito abstratamente considerado, que se consolida na prática.
Autores: Jean Felipe Alves Bezerra e Giovanna Hoff Domingues