Considerações sobre a aplicação das astreintes sob a vigência do CPC/15 

Conceito e aplicabilidade  

As astreintes são definidas como as multas cominatórias diárias impostas com o intuito de impelir o devedor a cumprir uma obrigação objeto de condenação judicial.  

Segundo leciona Guilherme Rizzo Amaral1, as astreintes no direito brasileiro foram inspiradas no contempt of court, que age como instituto punitivo de origem inglesa cujo objetivo é estimular o cumprimento às decisões judiciais. Ainda, o mesmo doutrinador defende que, embora as astreintes já estivessem previstas pelo Código de Processo Civil de 1939, foi somente com a vigência do Código de Processo Civil de 1973 que passaram a ser utilizadas como principal método indireto de execução, que se tornaram ainda mais fortes com a vigência da Lei de Ação Civil Pública, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Defesa do Consumidor, da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais e do Estatuto do Idoso, uma vez que tais leis buscam com ainda mais afinco o resultado célere da condenação. 

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, mais uma vez o legislador demostrou tratar as astreintes como principal método coercitivo para cumprimento das decisões judiciais, conforme será demonstrado adiante. 

Sobre as astreintes

As astreintes prestigiam o princípio da efetividade dos provimentos jurisdicionais e possuem natureza patrimonial e função inibitória ou coercitiva, ou seja, visam impelir e ratificar uma obrigação de não fazer (função inibitória) ou visam garantir celeridade a uma obrigação de fazer ou de pagar (função coercitiva). 

O artigo 77, IV, CPC, determina como dever das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, de modo que, visando a aplicabilidade no caso concreto da inteligência do mencionado artigo, a condenação em astreintes é utilizada como medida coercitiva indireta. É cristalino o escopo das astreintes de garantir a efetividade da tutela jurisdicional, desestimulando o executado a resistir à determinação judicial, uma vez que, quanto maior for a demora, maior será o montante devido ao exequente. 

Trata-se de medida coercitiva indireta ou execução indireta, uma vez que a aplicação das astreintes tem a finalidade de cumprimento da obrigação principal, não somente o pagamento da multa.  

Neste ponto, revela-se a principal diferença entre as astreintes (multas cominatórias) e as sanções pecuniárias (multas simples): as astreintes possuem natureza coercitiva destinada a dar eficácia a uma decisão judicial, ao passo que as sanções pecuniárias objetivam penalizar uma infração. 

As astreintes também não esbarram no conceito de perdas e danos; aquelas não têm fixação de limite, podendo ser exigidas até o momento do cumprimento da obrigação principal, enquanto estes têm valor fixo e proporcional à obrigação, considerando-se o dano emergente e o que a parte deixou de lucrar. Sendo assim, considerando o caráter complementar das astreintes, estas poderão ser devidas inclusive em casos que a obrigação tenha sido convertida em perdas e danos2

O art. 297 do CPC dispõe que o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória, inclusive a aplicação de multa cominatória, sendo cristalino o escopo das astreintes de garantir a efetividade da tutela jurisdicional e servir de desestímulo ao descumprimento da determinação judicial, uma vez que, quanto maior for a demora, maior será o montante devido ao exequente. 

Ainda, no Capítulo VI do CPC/15, a respeito do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, consta a previsão de que o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, objetivando a efetivação da tutela, determinar, dentre outras medidas, a imposição de multa (astreintes). Em ambas as situações, as astreintes demonstram seu caráter de execução indireta, sendo forçoso o cumprimento da decisão judicial.  

A multa cominatória pode ser aplicada por dia de atraso/descumprimento, porém poderá ser fixada em outra periodicidade ou até mesmo uma única vez.   

O valor dela será fixado considerando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo esse entendimento já presente no CPC/73 e mantido pelo CPC/15. 

Entende-se possível que o quantum da multa venha a superar o valor da obrigação principal, conforme Enunciado 96 da I Jornada de Direito Processual Civil: 

Os critérios referidos no caput do art. 537 do CPC devem ser observados no momento da fixação da multa, que não está limitada ao valor da obrigação principal e não pode ter sua exigibilidade postergada para depois do trânsito em julgado. 

No âmbito dos Juizados Especiais, a multa cominatória não será limitada ao valor de 40 salários-mínimos, nos termos do posicionamento da I Jornada de Direito Processual Civil em seu enunciado 144: 

Os critérios referidos no caput do art. 537 do CPC devem ser observados no momento da fixação da multa, que não está limitada ao valor da obrigação principal e não pode ter sua exigibilidade postergada para depois do trânsito em julgado. 

De todo modo, o valor da multa cominatória observará o caso concreto e sua utilidade da prática, a fim de persuadir o executado em seu cumprimento, admitindo-se certa flexibilidade em caso do valor se tornar excessivo ou irrisório, conforme será tratado a seguir. Importante ressaltar que a decisão que fixa as astreintes não integra a coisa julgada, de modo que, caso a multa venha a se tornar irrisória ou exorbitante, será possível modificá-la ou revogá-la a qualquer tempo, sendo esse o entendimento do STJ no julgamento do REsp 1.333.988/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Informativo nº 539).  

O Superior Tribunal de Justiça entende pela impossibilidade de incidência de juros de moratórios sobre as astreintes, vez que ambos seriam decorrentes de demora no cumprimento de obrigação, de modo que o acréscimo dos juros moratórios configuraria em bis in idem. Nesse sentido, a jurisprudência da Corte defende que a multa diária aplicada pelo descumprimento da ordem judicial, por si só, teria a função de impelir o pagamento da dívida resultante de decisão judicial.  

Em vista disso, as astreintes deverão ser computadas somente em dias úteis, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista sua natureza processual, seguindo, assim, o prazo processual estipulado no artigo 219 do CPC. Isso porque, conforme previsão do §4º do artigo 537, CPC, elas possuem eficácia imediata, sendo devidas desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão até enquanto não for cumprida a decisão cominatória.  

A eficácia imediata das astreintes depende somente da intimação pessoal do devedor, nos termos do entendimento Sumulado pelo STJ de nº 410, havia discussão desde o Código anterior, razão pela qual o STJ3 editou a súmula no seguinte sentido, “A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”. 

Por fim, destaca-se que o Superior Tribunal de Justiça já fixou entendimento unânime no sentido de que os honorários advocatícios não farão parte da base de cálculo da multa cominatória. O Ministro Villas Bôas Cueva4 defendeu que, tendo em vista que as astreintes são mecanismos coercitivos, não ostentam caráter condenatório, possuindo, portanto, natureza jurídica diferente de condenação, inclusive por não transitarem em julgado e não formando coisa julgada material, podendo inclusive ser modificada, de modo que seriam afastados dos cálculos dos honorários advocatícios.

Da possibilidade de alteração da multa cominatória fixada

O Código de Processo Civil de 1973 previa, em seu artigo 461, §2º que a decisão que aplica astreinte possuía eficácia ex tunc, sendo possível alterar seu valor ou periodicidade, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.  

Ao passo que o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 537, entendeu que as decisões que fixam multas cominatórias possuem eficácia ex nunc, podendo o juízo de ofício ou a requerimento modificar o valor ou periodicidade caso verifique que essa se tornou insuficiente ou excessiva ou, ainda, caso ocorra cumprimento parcial da obrigação ou justa causa para seu descumprimento.  

Nesse cenário, ao permitir a modificação ou afastamento da multa em caso de cumprimento parcial da obrigação, o Código de Processo Civil de 2015 demonstrou, mais uma vez, o escopo das astreintes de somente impelir o cumprimento da decisão judicial, afastando qualquer dúvida de que haja enriquecimento ilícito da parte exequente. 

A discussão acerca da possibilidade de alteração da multa cominatória apresenta controvérsia, uma vez que o artigo 537, §1º, CPC/2015 admitiu a modificação do valor e periodicidade em relação a multa vincenda, sem tratar, no entanto, sobre a multa vencida.  

A jurisprudência5 vem entendendo que a possibilidade de alteração da multa cominatória pode abranger também a multa vencida, sob o entendimento de que, enquanto houver discussão acerca do montante a ser pago a título da multa cominatória, não há falar em multa vencida. Nesse mesmo sentido, entendeu a Corte Especial do STJ6 que, considerando que a multa não tem uma finalidade em si mesma, atuando como medida coercitiva e execução indireta, poderá ser revista ex officio, a qualquer tempo, inclusive na fase recursal.  

Embora seja possível a alteração do valor e periodicidade da astreinte, insta salientar que a modificação não poderá ser aplicada retroativamente, conforme entendimento doutrinário de Luiz Fux7

Dispõe a lei que para vencer a recalcitrância do devedor o juiz pode fixar multa diária, cuja incidência dia a dia seja capaz de atemorizá-lo quanto ao dano patrimonial que sofrerá, de tal maneira que o faça abandonar aquele estado de inércia. A técnica das astreintes exige que a mesma não tenha compromisso de proporcionalidade com a obrigação principal para que o devedor capitule diante de seu montante avassalador 

Além disso, nota-se a que o caráter coercitivo da multa visa ao cumprimento da decisão judicial, sendo afastado o objetivo de punir o executado ou recompensar o exequente. 

Nessa perspectiva, o ministro Raul Araújo entende que a possibilidade de alteração das astreintes não poderá ser limitada ao comportamento do devedor, mas também do credor: 

Aguardando o momento em que suficientemente acumulada a fortuna que anteviu alcançar, desde o momento inicial em que fixada a astreinte, para só então ressurgir suplicante e comovente diante do julgador, denunciando o descumprimento da ordem e, naturalmente, deduzindo a cândida pretensão executiva do milionário valor acumulado.8 

Ainda nesse sentido, há discussão acerca da possibilidade de alteração do beneficiário a receber as astreintes, podendo o credor ceder a terceiros créditos oriundos de multa cominatória. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria possível caso tal alteração não seja oposta à natureza da condenação, a lei ou eventual convenção com o devedor. 

Embora a multa cominatória tenha caráter acessório e personalíssimo, o Ministro Marco Aurélio Bellizze9 afirma que “o crédito decorrente da multa cominatória integra o patrimônio do credor a partir do momento em que a ordem judicial é descumprida, podendo ser objeto de cessão a partir desse fato”. Além disso, a multa adquire natureza mista quando é descumprida, isso porque, por ser o principal meio de execução indireta utilizado pelo Judiciário, é fixada não com o objetivo de sua incidência, mas com o objetivo de compelir o cumprimento da obrigação, afastando, com isso, seu caráter personalíssimo, além de não se tratar de direito indisponível.

Inovação do CPC/15 no que tange à execução provisória das astreintes

Entende por provisória a execução fundada em título executivo não definitivo, passível de posterior modificação ou anulação10

No âmbito da multa cominatória, conforme será demonstrado a seguir, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao permitir a execução provisória das astreintes, aperfeiçoando o caráter coercitivo da multa, na medida em que possibilita a sua fixação antes da sentença confirmatória. Ainda, em caso de interposição de recurso contra a decisão que fixou a multa, a legislação não condicionou o deferimento da execução provisória à interposição de recurso dotado somente de efeito devolutivo, sendo possível a execução de astreintes mesmo em processo que pende o julgamento de recurso recebido no efeito suspensivo. 

Embora não dependa de sentença confirmatória, é cristalino que, em respeito ao princípio da segurança jurídica, será necessário que se aguarde o trânsito em julgado para o levantamento do montante. 

Deste modo, o Código de Processo Civil previu expressamente a possibilidade de execução provisória da multa, nos termos do §3º do artigo 537, aplicando-se, no que couber, o cumprimento de sentença definitivo.  

Anteriormente ao Código de Processo Civil de 2015, o entendimento era de que somente seria possível a execução provisória de multa cominatória prevista no § 4º do art. 461 do CPC/73 desde que houvesse sua confirmação por sentença de mérito, e desde que o recurso eventualmente interposto não fosse recebido com efeito suspensivo, nos termos recurso repetitivo objeto do Tema 743 (REsp n. 1.200.856/RS).  

A discussão durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 considerava que a decisão que fixava as astreintes seria proferida com base em cognição sumária, em juízo de probabilidade, podendo ser alterada a qualquer momento. A doutrina e jurisprudência não era unânime sobre a questão, de modo que a controvérsia ensejou o julgamento em recurso repetitivo objeto do Tema 743, sendo definido que a multa cominatória seria devida desde o dia em que restou configurado o descumprimento, mas que somente poderia ser objeto de execução provisória após sentença de mérito e desde que eventual recurso interposto não fosse recebido com efeito suspensivo. 

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o artigo 537 inaugurou na legislação entendimento diverso do que vinha sendo aplicado pelos tribunais em consonância ao Tema 743. A nova legislação acompanhou a corrente que defendia a possibilidade da execução da multa cominatória, com interpretação restritiva da lei, sendo possível ao julgador de ofício ou a requerimento da parte somente modificar o valor ou periodicidade da multa vincenda, ou ainda, excluí-la. 

Nesse cenário, em liminar de ação possessória, ajuizada na vigência do CPC/15, discutia-se a fixação de multa diária pelo descumprimento de ordem judicial proferida. Diante do descumprimento do réu à liminar, ensejou-se a instauração de execução provisória das astreintes, sob o fundamento do §3º do artigo 537. O réu, em sede de impugnação, invocou o entendimento consolidado no Tema 743. A alegação foi acolhida pelo Juízo de primeiro grau, no entanto, em sede de apelação, o recorrente alegou a inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015. As alegações trazidas no recurso de apelação defendiam que a nova norma legal do artigo 537 superou o entendimento que exigia sentença confirmatória para a execução provisória das astreintes.  

Na sequência, o Tribunal de Justiça de Goiás deu provimento ao recurso de apelação, determinando o prosseguimento da execução provisória. O executado interpôs recurso especial.  

No Superior Tribunal de Justiça, o recurso especial foi autuado sob o nº 1.958.679/GO, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi que entendeu que o art. 537, §3, CPC/15, por ser norma nova, revogou o entendimento que existia na vigência do CPC/73, ou seja, o Tema 743 não seria mais compatível ao ordenamento jurídico.  

Logo, a multa pode ser executada provisoriamente, segundo entendimento firmado no STJ11, no entanto, o montante referente à multa cominatória somente poderá ser levantado quanto do trânsito em julgado. Nesse sentido entende o jurista Elpídio Donizetti12 que, “em suma, ao mesmo tempo que o legislador prestigia a efetividade da tutela executiva, também confere segurança jurídica às partes”. 

Conclusão  

As astreintes atuam como medidas eficazes e céleres no que diz respeito à execução indireta, contribuindo para a solução da lide.  

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe alterações relevantes para a aplicação delass. Embora o Código de Processo Civil de 1973 já tivesse previsão acerca da importância litigiosa de sua aplicação, a nova legislação facilitou a execução provisória da astreinte, compelindo mais ainda o executado ao cumprimento da decisão judicial, ao permitir o cumprimento provisório da multa cominatória sob o entendimento de que as astreintes possuem eficácia imediata, não sendo mais necessário que se aguarde sentença confirmatória para o cumprimento provisório da multa, ficando, contudo, o montante depositado judicialmente para ser levantado quando do trânsito em julgado da sentença favorável à parte.   

O Recurso Especial n. 1.958.679/GO, julgado sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, se atentou à previsão do artigo 537, §3, que trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro entendimento diverso do aplicado anteriormente no Recurso Especial n. 1.200.856/RS, ou seja, passou-se a entender pela desnecessidade de que se aguarde a prolação da sentença definitiva para a fixação de multa cominatória. 

Em atenção ao princípio da segurança jurídica, embora o REsp n. 1.200.856/RS tenha sido aplicado por anos, seguindo o entendimento de que a multa cominatória prevista no § 4º do art. 461 do CPC/73, o Código de Processo Civil de 2015 inovou, afastando a necessidade de sentença confirmatória. Com isso, fez-se mister que a jurisprudência acompanhasse a alteração legislativa, de modo que o Recurso Especial n. 1.958.679/GO superou o entendimento anteriormente aplicado pelo REsp n. 1.200.856/RS. 

De todo o exposto, é cristalino observar a predileção do legislador, desde a edição do Código de Processo Civil de 1973 até a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 das astreintes como principal meio de coerção das decisões judiciais e, agora, ainda mais, ao possibilitar a execução provisória das astreintes. 

Portanto, tal método de execução indireta aparece diariamente na prática buscando a celeridade processual e a eficácia da decisão condenatória, no entanto, sem afastar dos olhos do juízo possibilidade de alteração da multa caso essa venha a se tornar excessiva demais ou até mesmo irrisória, afastando o enriquecimento ilícito e também a postura morosa do credor. 

Autora: Luciana Alfeld Silvestre  

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