Cabimento de ação rescisória por declaração superveniente de inconstitucionalidade

De acordo com o Novo Código de Processo Civil, é inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, conforme os termos dos arts. 525, § 12, e 535, §5º, do CPC, que ditam: 

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. 

  • 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: 

  • 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. (BRASIL, 2015)

Nesse contexto, caso a decisão do Supremo Tribunal Federal seja proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, será cabível ação rescisória (art. 525, § 15, do CPC e art. 535, §8º, do CPC). 

  • 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
  • 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2015)

O presente trabalho se propõe a analisar como a discussão relativa ao cabimento da ação rescisória ante a declaração superveniente de inconstitucionalidade se deu no Supremo Tribunal Federal e no  âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, respectivamente na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2.418/DF e no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0032791-61.2019.8.26.0000, bem como a discorrer sobre as últimas decisões proferidas pelo STF quanto à temática, abordando o Recurso Extraordinário nº 586068 (Tema 100 do STF) e o Recurso Extraordinário nº 958252 (Tema 725 do STF). 

 

 

Considerações gerais sobre a ação rescisória 

A coisa julgada é uma garantia constitucional expressamente prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. O Código de Processo Civil de 2015 prevê, contudo, em seu artigo 966, que “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida”, em determinadas hipóteses, em ação rescisória. 

Trata-se de uma ação de competência dos tribunais, que tem por objeto a rescisão do julgado (pedido rescindendo) e o novo julgamento da causa (pedido rescisório). Conforme Cássio Scarpinella Bueno1: 

Trata-se de nova “ação”, que não se confunde com aquela em que a decisão cuja coisa julgada se pretende rescindir, cujo exercício rende ensejo ao surgimento de um novo processo perante o Tribunal competente para julgá-la. Por isso, tudo o que o CPC de 2015 exige para a regularidade do exercício do direito de ação e para a constituição e o desenvolvimento válido do processo tem incidência sobre ela. Já escrevi que o CPC de 2015 evidencia que não só sentenças ou acórdãos têm aptidão para transitar materialmente em julgado. Também decisões interlocutórias de mérito (e que sejam proferidas com base em cognição exauriente) o têm, tanto quanto as decisões monocráticas ou unipessoais proferidas no âmbito dos Tribunais na mesma condição. É essa a razão pela qual o caput do art. 966 refere-se, corretamente, a decisão de mérito, abandonando a palavra sentença, empregada pelo caput do art. 485 do CPC de 1973 (BUENO, 2018). 

A primeira hipótese de cabimento da ação rescisória é para rescindir decisão de mérito proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz (art. 966, I, do CPC), a segunda quanto ao impedimento ou incompetência do juiz (art. 966, II, do CPC), a terceira para rescindir decisão de mérito resultante de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei (art. 966, III, do CPC) e a quarta quando houver ofensa a coisa julgada (art. 966, IV, do CPC). 

Por sua vez, o inciso V do artigo 966 enumera a hipótese mais comum de ajuizamento da ação rescisória: “violar manifestamente norma jurídica”. É importante registrar que o STF, na Súmula 343, firmou o entendimento de que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. 

Ainda, vale salientar que a decisão de mérito poderá ser rescindida quando for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória (art. 966, VI, do CPC),  posteriormente ao trânsito em julgado, constituindo, assim, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável (art. 966, VII, do CPC) e se esta for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos (art. 966, VIII, do CPC). 

Merece também destaque o parágrafo quinto do art. 966 do CPC, a dispor que: 

Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (BRASIL, 2015) 

Para Cassio Scarpinella Bueno, deve-se dar uma interpretação ampliativa a este parágrafo, a fim de aproximá-lo à versão textual do Projeto da Câmara, que admitia a rescisória “contra decisão baseada em enunciado de súmula, acórdão ou precedente previsto no art. 927”2. Contudo, tendo em vista que houve uma escolha legislativa em alterar o projeto, é possível sustentar a restrição da ação rescisória à literalidade da lei, em respeito também a coisa julgada como garantia constitucional. 

 

Desconstituição da coisa julgada inconstitucional 

De acordo com o art. 525, § 1º, III, do CPC, transcorrido o prazo para pagamento voluntário, o executado poderá, em 15 dias, apresentar impugnação, na qual pode alegar a inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, sendo que: 

  • 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso (BRASIL, 2015).

Soma-se a isso o previsto no CPC no sentido de que “no caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica” (art. 525, §13, do CPC) e que “a decisão do Supremo Tribunal Federal referida no §12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda” (art. 525, §14, do CPC). 

Em adição às hipóteses de cabimento da ação rescisória citadas no tópico anterior, o CPC determina, portanto, que caberá rescisória caso a decisão referida no § 12 do art. 525 seja proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, “cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal” (art. 525, §15, do CPC). 

  • 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. (BRASIL, 2015)

Nesse contexto, o art. 535, §5º e §8º, do CPC repete a sistemática acima, especialmente quanto à Fazenda Pública, considerando que caberá ação rescisória se a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre constitucionalidade for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda. 

A partir destes dispositivos, entende-se ser inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Todavia, será cabível ação rescisória na hipótese da decisão do Supremo Tribunal Federal ser proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda. 

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.418 

Muito se discutiu quanto à constitucionalidade dos arts. 525, § 12 e 535, §5º, do CPC, sob o fundamento de que tais dispositivos violariam o princípio constitucional da coisa julgada, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, no sentido de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. 

O debate acerca do cabimento de ação rescisória nesta hipótese foi pacificado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.418, na qual o STF entendeu pela constitucionalidade das disposições normativas sobre o assunto no CPC/73 (parágrafo único do art. 741, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73) e dos dispositivos correspondentes no CPC/15 (arts. 525, § 1º, III, e §§ 12 e 14 e 535, § 5º, do CPC), o que transitou em julgado em 25/11/2016. 

A ADI nº 2.418 foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo julgada improcedente por maioria e nos termos do voto do Ministro Relator Teori Zavascki, no qual foi registrado que “o instituto da coisa julgada, embora de matriz constitucional, tem sua conformação delineada pelo legislador ordinário”. 

Em adição, citou-se que os arts. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, e 535, § 5º do CPC: 

São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram, como já afirmado, apenas agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de certas sentenças inconstitucionais, em tudo semelhante às hipóteses de ação rescisória (art. 485, V do CPC/73 e art. 966, V do CPC/15). (…) A inexigibilidade do título executivo a que se referem os referidos dispositivos se caracteriza exclusivamente nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional – seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. (BRASIL, 2016) 

Em síntese, observa-se que a coisa julgada não poderá prevalecer sobre a própria supremacia constitucional. Além disso, a própria Constituição Federal não impede que o legislador preveja licitamente hipóteses para ajuizamento de ação rescisória, conforme José Afonso da Silva3: 

A proteção constitucional da coisa julgada não impede, contudo, que a lei preordene regras para a sua rescisão mediante atividade jurisdicional. Dizendo que a lei não prejudicará a coisa julgada, quer-se tutelar esta contra atuação direta do legislador, contra ataque direto da lei. A lei não pode desfazer (rescindir ou anular ou tornar ineficaz) a coisa julgada. Mas pode prever licitamente, como o fez o art. 485 do Código de Processo Civil, sua rescindibilidade por meio de ação rescisória (SILVA, 2016). 

Não obstante, persistiu, após o julgamento da matéria pelo STF, a discussão se caberia ação rescisória em razão de superveniente decisão declaratória de inconstitucionalidade em âmbito estadual, sendo este o objeto do IRDR nº 0032791-61.2019.8.26.0000. 

 

IRDR nº 0032791-61.2019.8.26.0000 

No IRDR nº 0032791-61.2019.8.26.0000, pretendia-se a uniformização de entendimento quanto ao cabimento de ação rescisória em razão de superveniente decisão declaratória de inconstitucionalidade pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Apontou-se, ao 3º Grupo de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, divergência entre os entendimentos das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, “no que concerne ao julgamento de ações rescisórias, ajuizadas pelo Município de Ribeirão Preto, em que se objetiva a desconstituição de julgados que reconheceram o direito de servidores municipais ao recebimento de prêmio incentivo”. 

Inicialmente, o IRDR foi distribuído à Turma Especial de Direito Público, nos termos do art. 32, I, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça; consoante ao disposto no art. 192, parágrafo terceiro, do Regimento Interno, “as proposições de enunciados de jurisprudência pacificada poderão ser apresentadas ao Órgão Especial ou à Turma Especial, conforme a competência de cada um”. 

Todavia, a matéria transcendia os processos da Seção de Direito Público, podendo ser aplicada, indistintamente, às discussões no âmbito do direito privado ante seu caráter “eminentemente processual”. Assim, foi determinada a remessa do incidente ao Órgão Especial, que têm competência para apreciar incidentes de resolução de demandas repetitivas referentes à matéria de sua competência ou à matéria de competência não exclusiva de uma das Turmas Especiais de suas Seções (art. 13, I, “m”, do Regimento Interno). 

Configurados os requisitos do art. 976 do CPC (efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica), entendeu-se pela admissão do IRDR proposto, a fim de se avaliar se é possível o ajuizamento de ação rescisória para desconstituir decisão de mérito fundamentada em ato normativo declarado nulo pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. 

Nesse contexto, a discussão, nos termos do acordão de mérito do IRDR 0032791-61.2019.8.26.0000, se concentrava em elucidar: 

sobre a possibilidade de defesa do executado em cumprimento de sentença ou ajuizamento de ação rescisória nas hipóteses em que a lei ou ato normativo que deu azo à obrigação reconhecida em título executivo judicial for considerado posteriormente inconstitucional por decisão deste C. Órgão Especial (controle de constitucionalidade estadual), uma vez que, nos termos do art. 525, § 1º, inciso III, e §§ 12, 14 e 15, do Código de Processo Civil4 (para o caso de cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa) e do artigo 535, inciso III, e §§ 5º, 6º e 8º5 (para o caso de cumprimento de sentença que reconhece a obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública), somente se admite tal defesa quando a inconstitucionalidade for declarada pelo C. Supremo Tribunal Federal. 

Por ora, a legislação vigente considera inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. 

Em contrapartida, não há menção aos Tribunais locais. De um lado, pode-se entender que seria possível aplicar o princípio da simetria (fenômeno constitucional para que haja uma relação simétrica entre a Constituição Federal e as Constituições Estaduais). 

Por outro lado, contudo, tratando-se de garantia constitucional, sustentou-se que seria impossível concluir pelo cabimento de ação rescisória por declaração superveniente de inconstitucionalidade em âmbito estadual, uma vez que as hipóteses do CPC devem ser interpretadas restritivamente, em contrapartida ao status da coisa julgada de garantia constitucional. 

Com base nisso, no acordão de mérito do IRDR 0032791-61.2019.8.26.0000, foi observado que o CPC – no art. 525, § 1º, inciso III, e §§ 12, 14 e 15, e no art. 535, inciso III, e §§ 5º, 6º e 8º – textualizou uma “nova hipótese de ‘desconstituição da coisa julgada’ (além daquelas previstas no art. 966 do CPC), identificada pela doutrina como ‘coisa julgada inconstitucional’.”. 

Além disso, destacou-se que, conforme anteriormente esclarecido no presente trabalho, o STF, mediante o julgamento da ADIN nº 2418, agiu  pelaagiu pela constitucionalidade das referidas normas processuais, mas que “não há no referido julgamento qualquer menção à possibilidade de extensão das normas analisadas à decisão de inconstitucionalidade proferida por outros tribunais”. Em consequência, entendeu-se ser impossível 

ampliar as hipóteses de rescisão da decisão judicial por meio de interpretação extensiva dos artigos analisados para contemplar também as decisões de inconstitucionalidade proferidas por outros Tribunais que não o C. Supremo Tribunal Federal, sob pena de violação à coisa julgada material e à segurança jurídica 

O decidido foi fundamentado na necessidade dosde os artigos acima referidos serem interpretados restritivamente, ao passo que (i) excepcionam o princípio da imutabilidade da coisa julgada (direito fundamental com status de cláusula pétrea) e (ii) o legislador foi claro ao dispor apenas quanto à autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal. 

Assim, o IRDR foi acolhido para fixar a tese de que “arts. 525, § 1º, III, e §§ 12 e 15, e 535, III, §§ 5º e 8º, do Código de Processo Civil, tem aplicação limitada às decisões exaradas pelo C. Supremo Tribunal Federal, não abarcando o controle de constitucionalidade em âmbito estadual”, ocorrendo o trânsito em julgado em 26/04/2022. 

 

Recurso Extraordinário nº 586068 (Tema 100 do STF) 

O art. 535, § 5º, do CPC/2015, além de discutido na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2.418/DF e no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0032791-61.2019.8.26.0000, também foi objeto do recurso extraordinário nº 586068, no qual foi reconhecida a repercussão geral da questão constitucional suscitada, sendo este o Tema 100 do STF. 

Na origem, a 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, por unanimidade, denegou o mandado de segurança impetrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra a decisão que indeferiu a aplicação do art. 741, parágrafo único, do CPC/73 (atual art. 535, § 5º, do CPC/2015) no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Em síntese, foi entendido que estaria evidente a inexistência de ato ilegal ou abusivo praticado pela autoridade impetrada, de modo que não caberia o mandado de segurança.  

Para a Turma, o Código de Processo Civil só seria aplicável aos Juizados Federais no que diz respeito aos princípios, normas gerais e casos omissos. Assim, considerando que a Lei nº 9.099/95 previu expressamente as hipóteses de cabimento dos embargos em sede de Juizados Especiais, não seria possível adotar subsidiariamente as disposições do art. 741, do CPC/73, além de que a supremacia do interesse público e a moralidade administrativa não poderiam prevalecer em detrimento da coisa julgada e da segurança pública. 

Em face do decidido, foi interposto recurso extraordinário pelo INSSS, que, por decisão do Presidente da 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, não foi admitido, por força da Súmula 636 do STF: “não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.  

Na sequência, os autos foram remetidos ao STF, sendo determinado pelo Ministro Gilmar Mendes que “trata-se como o recurso extraordinário”. Distribuído sob o número 586068/PR, foi reconhecida a existência de repercussão geral e remetidos os autos para julgamento, situação em que foi dado provimento, por maioria, ao recurso extraordinário interposto pelo INSS. 

Assim, no julgamento deste tema em sessão extraordinária realizada em 09/11/2023, foram fixadas três teses: 

1) é possível aplicar o artigo 741, parágrafo único, do CPC/73, atual art. 535, § 5º, do CPC/2015, aos feitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, desde que o trânsito em julgado da fase de conhecimento seja posterior a 27.8.2001;  

2) é admissível a invocação como fundamento da inexigibilidade de ser o título judicial fundado em ‘aplicação ou interpretação tida como incompatível com a Constituição’ quando houver pronunciamento jurisdicional, contrário ao decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, seja no controle difuso, seja no controle concentrado de constitucionalidade; 

3) o art. 59 da Lei 9.099/1995 não impede a desconstituição da coisa julgada quando o título executivo judicial se amparar em contrariedade à interpretação ou sentido da norma conferida pela Suprema Corte, anterior ou posterior ao trânsito em julgado, admitindo, respectivamente, o manejo (i) de impugnação ao cumprimento de sentença ou (ii) de simples petição, a ser apresentada em prazo equivalente ao da ação rescisória. 

Com base nisso, o STF reconheceu a possibilidade de aplicação do art. 741, parágrafo único, do CPC/73 (atual art. 535, § 5º, do CPC/2015) no âmbito dos Juizados Especiais Federais (atual art. 535, § 5º, do CPC/2015) e, consequentemente, de desconstituição de decisão judicial de processo com trânsito em julgado fundada em norma posteriormente declarada inconstitucional. 

 

Recurso Extraordinário nº 958252 (Tema 725 do STF) 

Além dos precedentes citados nos tópicos anteriores, que se destinaram a explorar diretamente o art. 535, § 5º, do CPC/2015, faz-se necessário discorrer sobre o tratamento da temática, ainda que tangencialmente, no recurso extraordinário de nº 958252 (Tema 725). 

Neste ponto, destaca-se que, para as hipóteses elencadas no art. 966 do CPC, o artigo 975 prevê que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”. Já com relação à ação rescisória fundada em declaração superveniente de inconstitucionalidade, o CPC dispõe que o “prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal” (art. 525, § 15, e art. 535, §8º, do CPC). 

Em outras palavras, enquanto o art. 975 do CPC determina que o direito à rescisão se extingue em dois anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, os arts. 525, § 15, e art. 535, §8º do CPC estabelecem a contagem do prazo “da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”. Em razão disso, colocou-se, especialmente no STF, a discussão quanto à constitucionalidade do prazo de ajuizamento previsto nos arts. 525, § 15, e 535, §8º, do CPC. 

O recurso extraordinário nº 958252, que corresponde ao Tema 725 do STF, foi provido para fixar a tese de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Contudo, em sede de embargos de declaração, houve, inicialmente, modulação dos efeitos do julgamento para: 

assentar a aplicabilidade dos efeitos da tese jurídica fixada apenas aos processos que ainda estavam em curso na data da conclusão do julgado (30/08/2018), restando obstado o ajuizamento de ações rescisórias contra decisões transitadas em julgado antes da mencionada data que tenham a Súmula 331 do TST por fundamento, mantidos todos os demais termos do acórdão embargado, nos termos do voto do Ministro Luiz Fux (Presidente e Relator), vencidos os Ministros Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, que acolhiam em parte os embargos de declaração, assegurando o ajuizamento de ações rescisórias que tenham por fundamento tanto a ADPF 324 como o RE 958.252, ressalvadas as condenações já executadas e efetivamente pagas; e os Ministros Gilmar Mendes e André Mendonça, que rejeitavam os embargos de declaração. Plenário, Sessão Virtual de 24.6.2022 a 1.7.2022.  

A proclamação do julgamento, todavia, foi suspensa temporariamente, considerando as manifestações apresentadas pela Associação Brasileira de Telesserviços – ABT e por Algar Tecnologia e Consultoria S.A, que sustentaram a necessidade de a modulação de efeitos ser a sugerida pelo Eminente Ministro Roberto Barroso em vez daquela proposta pelo Relator Luiz Fux, sendo a questão submetida ao Plenário do STF. 

No julgamento de novos embargos de declaração, discutiu-se, especialmente no voto do Ministro Relator Luiz Fux, a possibilidade de declaração incidental de inconstitucionalidade dos §§ 15 do art. 525 e §8º do art. 535 do CPC, propondo-se a seguinte tese:  

“A ação rescisória de que tratam os §§ 15 do art. 525 e o 8º do art. 535 do CPC, em respeito à segurança jurídica, deve ser proposta no prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado da publicação da sentença ou acórdão que se fundou em ato normativo ou lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no curso desse biênio” 

Todavia, por unanimidade, o Tribunal entendeu por acolher parcialmente os embargos de declaração opostos “para o fim de esclarecer que os valores que tenham sido recebidos de boa-fé pelos trabalhadores não deverão ser restituídos, ficando prejudicada a discussão relativamente à possibilidade de ajuizamento de ação rescisória”, de modo que a discussão quanto à constitucionalidade do prazo previsto neste artigo ainda pode vir a ser mais bem discutida e definida pelo STF. 

 

Conclusão 

A partir do retrospecto teórico, pode-se concluir que o art. 966 do CPC enumera as hipóteses de cabimento de ação rescisória, o que se completa com as disposições contidas nos arts. 525, § 12, e 535, §5º, do CPC, que admitem seu cabimento para desconstituição da coisa julgada inconstitucional. 

A partir do julgamento da ADI nº 2.418/DF pelo STF, ficou reconhecida a inexigibilidade da obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Consequentemente, observou-se que é constitucional o cabimento de ação rescisória caso a decisão do Supremo Tribunal Federal seja proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda. 

Contudo, para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, o conjunto de artigos ora estudados (arts. 525, § 1º, III, e §§ 12 e 15, e 535, III, §§ 5º e 8º, do CPC) “tem aplicação limitada às decisões exaradas pelo C. Supremo Tribunal Federal, não abarcando o controle de constitucionalidade em âmbito estadual”, uma vez que o cabimento da ação rescisória demanda uma análise restritiva em observância ao disposto na Constituição Federal. 

No julgamento do Tema 100, o STF reconheceu a possibilidade de aplicação do art. 741, parágrafo único, do CPC/73 (atual art. 535, § 5º, do CPC/2015). Todavia, a discussão da temática ainda está em aberto, especialmente com relação à discussão do prazo para ajuizamento de ação rescisória nesta hipótese. 

Nesse sentido, verifica-se a necessidade de se observar, caso a caso, por qual órgão foi verificada e declara a inconstitucionalidade e, a partir daí, aplicar os precedentes supracitados, a fim de solucionar a questão.

Autora: Eduarda Ciocca Muniz 

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