Aspectos polêmicos do Termo de Ajustamento de Conduta

O Termo de Ajustamento de Conduta é instrumento de solução de conflito previsto na legislação pátria ao menos desde a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), que previa em seu art. 211 a possibilidade da formalização dispondo que: “os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.” 

 A Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) prevê a possibilidade de formalização de termo de ajustamento de conduta em art. 5º, § 6º, cuja redação foi introduzida pelo art. 113 Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), trazendo a expansão do manejo deste instrumento de solução de conflito pelo ente público legitimado. 

Atualmente, o próprio Código de Processo Civil prevê no art. 174, III, no capítulo que trata dos conciliadores e mediadores judiciais, o TAC a ser aplicável aos processos administrativos de entes públicos. E, mesmo antes, podemos citar o disposto no art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que traz uma referência expressa à realização de “compromisso” com os interessados, em determinadas circunstâncias na esfera do direito público. 

O ente público legitimado para a realização desta composição denominada de termo de ajustamento de conduta deve atender os princípios gerais da administração pública previstos no art. 37 da CF da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, não lhe bastando a autorização legal para que possa realizar a composição. 

Quanto à sua natureza jurídica, o TAC tem sido classificado como um dos mecanismos de negócio jurídico bilateral, admitindo-se que mesmo o Ministério Público possa fazer concessões para que a composição ocorra. 

Segundo Geisa de Assis Rodrigues1 “o fato de o ajustamento de conduta evitar ou encerrar um conflito judicial não o identifica necessariamente com o instituto da transação” e que tanto a transação, a renúncia e o TAC seriam “espécies do gênero conciliação”, bem como que não haveria de forma alguma no TAC a existência de concessões recíprocas, visto que o aderente se comprometeria a cumprir a norma legal, ainda que não seja, segundo a autora, imprescindível o reconhecimento de culpa para sua realização, concluindo tratar-se de um negócio jurídico bilateral.  

Em geral, deve-se considerar que o termo de ajustamento de conduta expressaria um negócio jurídico bilateral e não somente uma transação (art. 840 do Código Civil), já que neste negócio o Ministério Público deixará de ajuizar eventual demanda coletiva e, em contrapartida, a parte contrária se compromete desde logo a adotar as medidas cabíveis, por exemplo, à eventual cessação de conduta ou reparação de dano. 

O TAC, mesmo sendo instrumento relevante para solução dos conflitos, também se submete a rígidos padrões de verificação de sua validade para que seja efetivamente implementado e possa colocar fim ao litígio. 

Nesse sentido, um TAC firmado em desacordo com a defesa do direito coletivo em discussão poderá deixar de ser homologado ou ser anulado judicialmente, como em situações identificadas e julgadas pelo STJ em que ficou destacado os limites para realização dos termos de ajustamento de conduta: 

[…] 2. […] Os colegitimados para a Ação Civil Pública podem, em tese, celebrar e homologar judicialmente acordo para encerrar litígio. Contudo, quando envolvidos, no âmbito do Direito Privado, interesses e direitos indisponíveis, ou se tratar de relações de Direito Público, eventual transação pelo Ministério Público, Administração ou ente intermediário (ONG, p. ex.) deixa de ser realizada livremente, submetendo-se, ao contrário, a rígidos pressupostos, limites e vedações. Nesses casos, subordina-se a controle judicial formal e de fundo, por provocação ou de ofício, de modo a se verificar se implica abdicação da essência dos bens ou valores jurídicos metaindividuais em litígio, hipótese em que cabe ao juiz rejeitar sua homologação ou execução. Precedentes do STJ. 

Ainda no mesmo julgado encontramos outro fundamento a destacar a impossibilidade de homologação do TAC, pois foi identificado que o termo de ajustamento de conduta firmado não agregaria a proteção ambiental que seria necessária, tendo se desviado de sua função precípua: 

  1. No Direito Público, é interditada a transação – em juízo ou extrajudicial, por meio de Termo de Ajustamento de Conduta – concluída à margem da legalidade estrita. Mais ainda quando visa a transferir ou validar ocupação ou uso de imóvel público por meio de Alvará, sem observância de formalidades e garantias vinculantes e irrenunciáveis de gestão do patrimônio da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Na mesma linha, inadmissível trato que faça tábula rasa de obrigações ambientais primárias irrenunciáveis discutidas em investigação administrativa ou processo judicial. Tal tipo de ajuste, em vez de indicar espírito de conciliação, traduz meio engenhoso de burla à letra e ratio da lei, desfigurando, sob roupagem enganosa, a necessária proteção do domínio e interesse públicos. 4. Recurso Especial conhecido parcialmente e, nessa parte, não provido.2

Ponto polêmico que envolve a formalização de TAC consiste em saber qual seria a consequência em caso de eventual descumprimento e, então, é possível pensar em casos de desvios na formalização do TAC da situação do mero descumprimento. 

Tratando-se de mero descumprimento, por qualquer das partes, por se tratar de título executivo extrajudicial, esse deveria, em tese, ser o desfecho possível. 

Diversa seria a hipótese de um TAC que tenha sido firmado em descompasso com os próprios objetivos institucionais do Ministério Público e com relação aos interesses que tem o dever funcional de defender daquelas outras situações em que a responsabilidade pelo “insucesso” do TAC esteja atrelado à outra parte que firmou o TAC e tenha se comprometido a adotar determinada conduta e não o fez, situação em que, em razão de já ter se formado título executivo, deverá o MP prosseguir com a execução do título. 

O que não se deve olvidar, em negociações envolvendo direitos coletivos, é a sua supra relevância, superior à disponibilidade do legitimado extraordinário que – acidentalmente – a defenda em Juízo e que, por isso, justifica que em certos momentos que o TAC ou acordo realizado possam não ser referendados. 

O art. 5º, § 6º, da LACP (com reflexo no art. 113 do CDC) é expresso ao definir que uma vez realizado o compromisso de ajustamento de conduta, mediante termo, este “terá eficácia de título executivo extrajudicial”. Podemos encontrar fundamento legal também no CPC para classificar o TAC como título executivo extrajudicial no art. 784, IV e XII. 

O termo de ajustamento de conduta, ao mesmo tempo que se trata de um dos instrumentos de autocomposição e que, portanto, deve se revestir de condições que facilitem essa composição, que pretenda abreviar e bem solucionar o conflito que se colocou no caso concreto, se reveste também do atributo de constituir um título executivo e, por esta razão, na sua elaboração devem constar os termos ajustados pelas partes e com previsões de condutas objetivas e aferíveis a fim de que, se porventura descumpridas, possam ser objeto de execução diretamente. 

Se porventura um TAC firmado não contiver elementos objetivos que permitam a sua execução em caso de descumprimento, poderá ser tido como um instrumento insuficiente para a solução do problema, uma vez que se a lei lhe conferiu este relevante atributo de se tratar de título executivo, o fez justamente para valorizar este instituto e os termos que sejam ali ajustados pelas partes, sabendo que poderá ser útil para todos os envolvidos. 

Em vista da sua natureza de título executivo extrajudicial e formalizado pelo Ministério Público, esse documento goza de elevada robustez e o seu cumprimento em razão das matérias objeto de deliberação é de interesse de toda a sociedade, de modo que, se porventura se identificar o descumprimento das cláusulas ajustas no TAC, no todo ou em parte, ficaria, em tese, autorizada a execução com vistas a fazer cumprir os termos ajustados, inclusive incorrendo o devedor em mora conforme art. 394 do Código Civil3 

Outra questão polêmica se refere ao fato de identificar se o que for ajustado no TAC transcenderia os interesses do MP, sendo considerados como de interesse da sociedade, para definir se apenas o MP seria o único legitimado a executá-lo em caso de eventual inadimplência, pois a lei, em tese, conferia a este legitimado a exclusividade para a formalização e não para sua execução. 

Sobre esse tema, Hugo Nigro Mazzilli4 entende que a execução do TAC poderia ter outros legitimados, não sendo exclusivo ao MP. Há também entendimento em sentido diverso, no sentido de que:  

“[…] 3. Em regra, os termos de ajustamento de conduta somente podem ser executados pelos órgãos públicos competentes para celebrá-los. 4. Ainda que parte da doutrina defenda ser possível a execução do termo de ajustamento de conduta pelos indivíduos lesados na hipótese em que trate de direitos individuais homogêneos, é indispensável a comprovação de seu descumprimento. 5. Na hipótese, o termo de ajustamento de conduta trata de obrigação de fazer, de modo que, à míngua da prova de seu descumprimento e ausente a previsão de cominações, não pode amparar execução para pagamento de quantia certa. 6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp n. 2.080.812/RJ, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 6/10/2023.) 

Outro tema polêmico consiste na definição da abrangência do TAC e, para tanto, diversos fatores poderão influenciar na sua extensão, desde o objeto definido que poderá ser indivisível e necessariamente abranger todo o País, ou poderá ser de abrangência local, dependerá, ainda, da interpretação de atuação do próprio ente público que irá negociar o TAC, o que nos levaria a indicar que a abrangência do TAC dependerá de seus termos, de seu objeto e do próprio ente legitimado para sua formalização.  

Tratando-se de um título executivo extrajudicial (a confirmar que o TAC é mecanismo de solução extrajudicial), em caso de descumprimento das obrigações assumidas submete-se, em princípio, ao rito do CPC expresso no art. 771 e seguintes, de modo que, por exemplo, em caso de eventual execução do TAC deverá ser juntado o título executivo, planilha de débito, observadas as regras de competência, sendo o devedor, se se tratar de cobrança de eventual multa por descumprimento, citado para pagar em três dias (art. 829 do CPC) e no prazo de até quinze dias poderá apresentar embargos à execução.  

O TAC em geral determina obrigações de fazer e não fazer e que, não sendo atendidas, também seguirão o rito dos arts. 814 a 823 do CPC, devendo prevalecer como regra a busca pelo cumprimento específico do que fora ajustado anteriormente. 

O TAC possui natureza de título executivo extrajudicial, mas deve-se registrar que o art. 515, III, do CPC arrola dentre os títulos executivos judiciais, também “a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza”, de modo que ainda que seja formalizado um TAC poderá ser requerida a homologação a fim de também atribuir a característica de título judicial.  

Questão polêmica será definir se referido dispositivo legal tenha sido elaborado com vista a solução de controvérsias entre particulares no âmbito estrito do direito individual, mas não haveria óbice para que seja utilizado também no âmbito coletivo pelos entes legitimados públicos ou pelos entes privados se agirem na qualidade de representantes. 

Nesse sentido, mesmo um termo de ajustamento de conduta ou outro tipo de entendimento entre as partes poderia, em tese, tornar-se título executivo judicial mediante a submissão a este procedimento. 

A disposição do art. 784, IV, do CPC também gera controvérsia pois enumera os títulos executivos extrajudiciais e prevê ser “o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal”. Isto porque, não estão delimitadas as condições em que referidos instrumentos seriam realizados, se poderiam ser referendadas quaisquer transações, se haveria limitação de valores, de objeto, estando, ainda, a nosso ver, pouco estruturado este instrumento legal que também se configuraria em um título extrajudicial. 

A formalização de TAC pelo Ministério Público deve, além de observar as diretrizes fixadas na LACP, também estar alinhada com os diversos níveis de hierarquia e competência do Ministério Público, tendo em vista que os interesses defendidos pelo órgão são de diversas naturezas. 

As legislações esparsas de cunho Federal, como a Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e também estaduais) e LC nº 75/93 (Lei Orgânica do MPF), bem como as legislações estaduais (LC 734/93, no Estado de São Paulo, por exemplo) também devem ser observadas para a conclusão e fechamento do TAC, desde que, evidentemente, estas leis, especialmente as estaduais, não colidam com a disposição da LACP que expressamente admite e não traz muitos limitadores aos termos.  

Vale mencionar ainda, o disposto na Res. nº 118/2014, do Conselho Nacional do Ministério Público, que dispõe expressamente sobre a “política nacional de incentivo à autocomposição no âmbito do Ministério Público”. 

Outro ponto tido como polêmico seria identificar se haveria necessidade de o TAC firmado por um Promotor de Justiça ser levado à homologação ou revisado pelo Conselho do Ministério Público, tal como previsto para determinação de arquivamento do inquérito civil, e não há previsão específica para isto e, de toda forma, também não haveria, em tese, se as partes assim pactuarem. 

Pode causar controvérsia também a questão afeta à legitimidade para a formalização do TAC e quais seriam os entes públicos legitimados, expressão que pode gerar incerteza quando se cogita de alguns órgãos, para além do Ministério Público, firmarem compromissos de ajustamento de conduta. 

Isto porque, quando a lei dispõe que os entes públicos seriam os legitimados a firmarem termo de ajustamento de conduta, poder-se-ia entender que incidiria o disposto no art. 5º da LACP e conferir aos demais entes ali listados a possibilidade de também se valerem desse instrumento jurídico com todas as características que já apresentamos anteriormente.  

O art. 174, III, do CPC, quando trata da conciliação e mediação judicial, expressamente dispõe que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão promover a criação de câmaras destinadas à busca da solução consensual de conflitos no âmbito administrativo e promoverem, quando cabível, termo de ajustamento de conduta. Idêntica redação está no art. 32, III, da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), deixando explícito que para estes órgãos da administração pública detêm legitimidade para firmarem TAC no âmbito extrajudicial. 

É tema polêmico definir quais seriam os órgãos públicos legitimados para firmarem o TAC, se seria somente o Ministério Público ou se teríamos outros representantes e pode-se entender que quando a lei menciona que os “órgãos públicos” seriam os legitimados para realização do TAC, estaria fazendo uma referência em sentido amplo, genérico, de modo que poder-se-ia interpretar que dentre os órgãos públicos estaria incluído o Ministério Público, União, Estados, DF e Municípios mas também as autarquias e fundações públicas, os órgãos típicos do Estado, ainda que sem personalidade jurídica, como os Procons, os órgãos de defesa do meio ambiente, as empresas públicas e sociedades de economia mista, desde que prestadoras de serviços públicos e também os “Conselhos” de fiscalização profissional.  

Independentemente do entendimento que se adote quanto a maior amplitude ou restrição da expressão “órgãos públicos”, não se deve olvidar que o ponto central será aferir se há interesse público intrínseco no desenvolvimento da sua atividade, pois, do contrário, se se tratar, por exemplo, de uma sociedade de economia mista de ampla e reconhecida atuação no mercado e com natureza de direito privado, não poderá firmar TAC, do mesmo modo que, se intentar ajuizar uma ação coletiva, também deveria ser reconhecida a sua ilegitimidade ativa. 

Ainda que se adote o entendimento ampliativo no que se refere à legitimidade ativa em razão do direito ao acesso à Justiça para a defesa dos interesses coletivos, não se deve olvidar que admitir que entes com interesses puramente privados, em geral econômicos, possam valer-se de uma mera condição formal, por integrarem a administração pública indireta, para firmar compromissos de amplo espectro coletivo, afastando-se de suas próprias finalidades institucionais. 

Ponto a ser observado, ainda, é saber se o TAC somente poderá ser realizado desde que o seu conteúdo guarde relação com a atividade do ente público integrante ou se, conforme defende Hugo Nigro Mazzilli5, a legitimidade seria ampla do ente legitimado. 

São muitas as questões formais e polêmicas a serem tratadas e definidas quando se trata da formalização e execução de TAC, sendo sempre necessário observar o caso concreto para que as questões jurídicas sejam dirimidas, servindo este texto apenas para apresentar questões que merecem alguma reflexão, não se valendo de conceitos rígidos pois a riqueza de situações concretas que porventura possam ser solucionadas pelo TAC poderá, eventualmente, exigir maior criatividade, expansão ou retração de alguma de suas características, desde que sempre pautadas no objetivo de solucionar de maneira efetiva o objeto do litígio instaurado.

Autora: Wanessa de Cássia Françolin 

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