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Alterações trazidas pela Lei nº 14.181/ 21 (Lei do Superendividamento) ao Código de Defesa do Consumidor
Recentemente foi promulgada a Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, também chamada de Lei do Superendividamento, que altera o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso “para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento”. Essa Lei trouxe, pela primeira vez no Brasil, regulamentação acerca do Superendividamento da pessoa física, merecendo especial atenção por parte dos agentes econômicos e pesquisadores da área.
Nesse sentido, por apresentar-se como uma legislação consideravelmente recente, verifica-se que há alguns temas relacionados a ela que têm sido objeto de bastante debate tanto pela doutrina quanto pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A título de exemplo, tem-se a problemática acerca da regulamentação do conceito de mínimo existencial, que é mencionado em diversos dispositivos e recentemente foi regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 11.150/22, de 26 julho de 2022.
De modo semelhante, verifica-se as discussões atinentes ao próprio procedimento estabelecido pela Lei. Nesse ponto, vale ressaltar o papel que o Poder Judiciário deverá exercer para a melhor implementação da Lei, o que poderá ser feito por meio de campanhas educativas, orientadas tanto para o tomador quanto para o fornecedor do crédito.
A despeito disso, destaca-se que algumas inovações trazidas pela Lei nº 14.181, de 2021, encontram correspondências na Lei nº 11.101, de 2005, que disciplina o processo de recuperação judicial dos empresários. É o que se verifica, por exemplo, em relação à figura do administrador judicial e ao regime de concursalidade entre os credores que é estabelecido, ressalvadas às peculiaridades de cada Lei, que decorrem inclusive do âmbito de incidência delas.
No presente momento, pretende-se trazer apenas questões gerais relacionadas à nova legislação, de modo que as questões que demandem maiores digressões serão tratadas em textos subsequentes, neste mesmo blog.
Breves considerações acerca do conceito de Superendividamento
Inicialmente, a Lei cuidou de estabelecer o conceito do instituto do superendividamento, especificamente no artigo 54-A, §1º, ao dispor que “entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.”
Nesse sentido, o superendividamento deve ser entendido como um endividamento crônico, ou seja, não se trata de uma mera dívida inadimplida pelo consumidor, mas sim de uma situação na qual não se vislumbra a possibilidade de quitação do débito sem que isso influencie o mínimo existencial do devedor.
Para compreender melhor o conceito, e, portanto, o próprio espírito da Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, cumpre esclarecer que diversos são os motivos que levam o consumidor à situação de superendividamento. Isso não obstante, a doutrina majoritária acerca do tema divide as causas do superendividamento em duas situações distintas, quais sejam, o superendividamento passivo e o ativo.
Em relação ao passivo, os motivos que levam o consumidor ao superendividamento decorrem de circunstâncias que eram inesperadas quando da tomada do crédito. É o caso, por exemplo, do consumidor que perde seu emprego ou é acometido por alguma doença, dentre outras situações que, de um modo geral, incapacitam-no para continuação do labor ou aumentam de forma drástica seus custos necessários, afetando o orçamento familiari.
De outra sorte, o superendividamento ativo decorre de atitudes que dizem respeito ao próprio consumidor, sem que circunstâncias inesperadas tenham afetado seu orçamento, podendo ser dividido em consciente e inconsciente. O primeiro caso seria o consumidor que agiu de má-fé, tomando crédito além do que poderia pagar de forma proposital, antevendo desde já a sua inadimplência e aceitando essa situação. Por outro lado, o inconsciente seria o consumidor de boa-fé, que acaba por se endividar sem saber que não poderia quitar futuramente com os seus compromissos, possivelmente por não ter educação financeira o suficienteii.
É nesse contexto que surge a Lei nº 14.181 de 1º de julho de 2021, denominada também de Lei do Superendividamento, que se propõe a colaborar com os consumidores, apresentando disposições que pretendem tanto evitar que eles se coloquem em situação de superendividamento, quanto retirar dessa situação aqueles que nela já se encontram.
O mínimo existencial
Conforme se adiantou, no centro do conceito de superendividamento encontra-se o denominado mínimo existencial. Trata-se de um conceito genérico, de modo que a Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, deixou a sua regulamentação para um momento posterior, ao dispor que as dívidas do consumidor não poderão “comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação” (art. 54-A, §1º).
Com efeito, quando da promulgação da referida lei, diversas discussões foram instauradas acerca de como deveria ser regulamentada a questão do mínimo existencial. De um lado, defende-se a fixação de um valor específico, adotando-se, por exemplo, os valores pagos por outros programas sociais, como o Auxílio Brasil. De outro, defende-se a fixação de um percentual em cima do valor do salário-mínimo, ou, também, dos programas assistenciais.
Além disso, há quem sustente que o melhor seria não regulamentar a questão em abstrato, deixando que a análise seja feita no caso a caso. Isso se baseia na ideia de que, para cada pessoa, há uma renda que configuraria o seu mínimo existencial, e que levaria em conta inúmeros fatores. Por exemplo, uma pessoa que possui um dependente precisa de um valor maior para garantir o mínimo da sua existência digna do que outra que não possui, desconsiderando-se as demais variáveis.
Nesse sentido, verifica-se que o conceito de mínimo existencial está intrinsicamente ligado à ideia de dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, de modo que, sem prejuízo de haver discussão acerca da assertividade da Lei do Superendividamento, ela pretendeu dar eficácia ao referido fundamento.
Vale destacar que, antes mesmo da promulgação da referida Lei, o Banco Central do Brasil (BCB) havia traçado um panorama acerca do que denominou de “Endividamento de Risco” no Brasil, apresentando alguns parâmetros objetivos, considerando ainda os fatores idade, sexo, renda e localização geográfica.
Para esse levantamento, o Banco Central do Brasil (BCB) considerou que se enquadra no conceito de endividamento de risco o tomador de crédito que atende a dois ou mais dos critérios a seguir: (i) inadimplemento de parcelas de crédito, isto é, atrasos superiores a 90 dias no cumprimento das obrigações creditícias; (ii) comprometimento da renda mensal com o pagamento do serviço das dívidas acima de 50%; (III) exposição simultânea às seguintes modalidades de crédito: cheque especial, crédito pessoal sem consignação e crédito rotativo (multimodalidades); e (IV) renda disponível (após o pagamento do serviço das dívidas) mensal abaixo da linha de pobreza.
A despeito disso, o relatório traz um boxe específico para tratar do superendividamento, estabelecendo que o mesmo pode ser considerado “o resultado de um processo no qual indivíduos e famílias se encontram em dificuldade de pagar suas dívidas a ponto de afetar de maneira relevante e duradoura seu padrão de vida”.
Nesse sentido, é feita a diferenciação entre o denominando “endividamento de risco” e o “superendividamento”, no sentido de que este possui um fator subjetivo não abrangido por aquele. Esse fator seria o desconforto psíquico causado pela situação de inadimplência, o que é difícil de mensurar.
A despeito disso, a questão do mínimo existencial foi efetivamente regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 11.150/22, de 26 julho de 2022, que, em seu art. 3º, dispõe que “no âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário-mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.”
Em relação ao salário-mínimo, o valor em 2023 foi reajustado para R$ 1.320,00 (um mil e trezentos e vinte reais) a partir de 1º de maio de 2023, por meio da Medida Provisória nº 1172, de 2023, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Desse modo, extraindo-se vinte e cinco por cento desse valor, atinge-se o montante de R$ 330,00 (trezentos e trinta reais), sendo esse o valor do mínimo existencial atualmente, no ano de 2023.
O referido Decreto Presidencial nº 11.150/22, de 26 julho de 2022 foi editado após a realização de uma audiência pública pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, no dia 21 de outubro de 2021, na qual se debateu a proposta de regulamentação. A referida audiência foi coordenada pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) e contou com a presença de órgãos de defesa do consumidor e fornecedores de crédito. Na ocasião, dentre outros posicionamentos, foi suscitada a importância de se criar um parâmetro objetivo, com o intuito de garantir maior segurança jurídica às contratações, o que é imprescindível para a higidez do mercado de créditoiii.
A despeito disso, conforme se antecipou, verifica-se que ainda há discussões que decorrem da referida regulamentação, feitas por diferentes áreas de estudo, que envolvem a ciência social, jurídica e econômica.
Considerações acerca das inovações trazidas em relação à contratação e à oferta do crédito
Conforme se antecipou, a Lei nº 14.181 de 1º de julho de 2021, denominada também de Lei do Superendividamento, se propõe a colaborar com os consumidores, apresentando disposições que pretendem tanto evitar que eles se coloquem em situação de superendividamento, quanto retirar dessa situação aqueles que nela já se encontram.
Nesse sentido, a referida Lei do Superendividamento acrescentou dois novos capítulos ao Código de Defesa do Consumidor. Em primeiro, tem-se o Capítulo VI-A, que trata da prevenção e do tratamento do superendividamento. Em síntese, apresenta seis artigos que têm como foco garantir que sejam colocadas à disposição do cliente todas as informações necessárias para o correto entendimento acerca do que está contratando.
O referido capítulo trata, portanto, de dois momentos específicos, quais sejam, a oferta e a contratação das operações. Desse modo, são estabelecidas as informações que devem estar à disposição do consumidor, e quais condutas podem ou não ser adotadas pelo fornecedor do crédito.
Quanto às informações, elas dizem respeito (i) aos dados da própria operação, como “o custo efetivo total e a descrição dos elementos que a compõem”, e “a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento”, (ii) aos dados do fornecedor do crédito, e (iii) aos direitos do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.
Além disso, a nova legislação estabelece quais as condutas são vedadas na oferta do crédito, publicitária ou não, sendo elas: (i) indicar que a contratação dispensa a consulta aos serviços de proteção ao crédito, (ii) ocultar os riscos da operação; (iii) pressionar o consumidor a concluir a contratação, e (iv) condicionar as solicitações do consumidor à renúncia de demandas judiciais.
Por fim, a Lei também prescreve quais as condutas que devem ser observadas pelo fornecedor do crédito, quais sejam: (i) informar e esclarecer adequadamente o consumidor, (ii) avaliar as condições de crédito do consumidor, e (iii) entregar ao consumidor os dados do agente financiador.
Considerações acerca do procedimento de repactuação de dívidas previsto na Lei
Em um segundo momento, a Lei apresenta o Capítulo V, que trata da conciliação no superendividamento. São três artigos que disciplinam o procedimento para a elaboração de um plano de pagamento, cujo intuito é quitar a totalidade dos débitos do devedor, de forma semelhante ao que se vê no plano de recuperação judicial para as pessoas jurídicas, regulado pela Lei nº 11.101 de 2005.
Ganha destaque nesse capítulo que a primeira tentativa de elaboração do plano será por meio de uma audiência conciliatória do devedor com todos os credores, ocasião em que as partes poderão chegar a um consenso que atenda minimamente aos seus interesses, adotando as medidas previstas no § 4º do art. 104-A.
Destaca-se que essa audiência se assemelha à Assembleia Geral de Credores prevista na Recuperação Judicial pela Lei nº 11.101, de 2005. Trata-se de um meio que permite equilibrar os interesses das partes credora e devedora, configurando a natureza contratual desse procedimento.
De outra sorte, ao contrário do que se vê na Lei nº 11.101, de 2005, que, em seu art. 50, estabelece um rol bastante extenso e de natureza exemplificativa de medidas que podem ser adotadas pela empresa devedora, verifica-se que a pretensão apresentada Lei nº 14.181, de 2021, é mais modesta, o que decorre da própria natureza das pessoas que poderão se submeter a cada um desses procedimentos. Afinal, medidas como cisão ou fusão de sociedades, passíveis de implementação na Recuperação Judicial prevista na Lei nº 11.101, de 2005, não possuem compatibilidade com a figura do devedor abrangida pela Lei do Superendividamento.
Nesse sentido, as medidas a serem adotadas pelo consumidor deverão ser precipuamente de natureza financeira, como a “dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou da remuneração do fornecedor”, e a suspensão e a extinção das ações judiciais em curso.
Em contrapartida, a Lei estabelece que os efeitos do plano são condicionados à boa conduta do consumidor, que não pode adotar condutas que agravem a sua situação de endividamento.
Isso se justifica porque, conforme exposto, o plano de pagamento de dívida implicará sacrifícios de natureza financeira aos credores de modo a permitir o soerguimento do devedor. Inclusive, a Lei obriga a participação dos credores, estabelecendo, em seu art. 104-A, §2º, que “o não comparecimento injustificado de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor, devendo o pagamento a esse credor ser estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes à audiência conciliatória.” Desse modo, verifica-se que a exigência de que consumidor também atue de modo a melhorar sua situação financeira é uma forma de equalizar o ônus do procedimento entre as partes.
E não é só isso. A Lei nº 14.181, de 2021, também expressamente coíbe abusos do consumidor, estabelecendo que estão excluídas do processo de repactuação das dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, aquelas oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar o pagamento. Ou seja, a referida Lei não pretende abranger as hipóteses que a doutrina denomina de superendividamento ativo consciente.
Sendo assim, somente se as partes não chegarem a um consenso é que o juiz deverá instaurar um processo compulsório de repactuação das dívidas. Destaca-se que é possível que apenas alguns credores tenham celebrado um acordo na fase negocial, de modo que o plano compulsório será aplicado apenas àqueles remanescentes, nos termos do art. 104-B da Lei.
Nesse cenário, o juiz poderá nomear administrador judicial para que, no prazo de até 30 dias, apresente o “plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos”, que deverá assegurar aos credores, no mínimo, o pagamento do valor principal corrigido monetariamente, dentro do prazo máximo de 5 anos, à luz do disposto no art.104-B, §§ 3º e 4º, da Lei em comento. Ou seja, apesar de se tratar de direitos disponíveis, o plano compulsório apresenta limites que tem como objetivo evitar a oneração excessiva do credor, e que deverão ser objeto de análise pelo juízo, sob o prisma do controle da legalidade.
Além disso, verifica-se que a Lei inova em relação ao procedimento recuperacional previsto pela Lei nº 11.101, de 2005, segundo a qual o próprio devedor é quem deve apresentar o plano de recuperação judicial, ou, alternativamente, os credores, nas hipóteses expressamente previstas na referida Lei. Isso provavelmente decorre da dificuldade que o devedor, pessoa física, teria para lidar com a complexidade da elaboração de um plano de recuperação, que pode demandar conhecimentos de diferentes áreas de estudo.
Inclusive, apesar de não estar expressamente previsto na Lei do Superendividamento, parece razoável que se leve em consideração também o disposto no art. 21, da Lei nº 11.101, de 2005, no sentido de que o administrador judicial deve ser profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, justamente por serem profissionais que possuem maior familiaridade com as repactuações a serem propostas.
Em relação ao juízo competente para o processamento desse procedimento, o Código de Defesa do Consumidor estabelece como regra o juízo da Justiça Estadual, mais especificamente o domicílio do autor, conforme art. 101, inciso I, do referido Código.
Recentemente, no julgamento do CC nº 193.066/DF (2022/0362595-2), de relatoria do Ministro Marco Buzzi, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi instada a decidir acerca da competência na hipótese em que há empresa pública credora, o que, a princípio, caracterizaria a competência da Justiça Federal, nos termos do que dispõe o art. 109, inciso I, da Constituição Federal.
Na ocasião, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que cabe à Justiça comum estadual e/ou distrital processar e julgar as demandas oriundas de ações de repactuação de dívidas decorrentes de superendividamento, ainda que exista interesse de ente federal. Isso porque, segundo a Corte Superior, o procedimento de repactuação de dívidas estabelecido na Lei do Superendividamento configura um concurso de credores, semelhante ao que se vê na Lei nº 11.101, de 2005.
Desse modo, tendo em vista que o plano de pagamento deve abranger todos os credores submetidos ao concurso de maneira uniforme, inclusive em observância ao próprio espírito da Lei, eles devem participar de forma conjunta, na mesma Justiça competente. Nesse sentido, entendeu-se que a exegese do art. 109, I, da Constituição Federal deve ser teleológica, de forma a alcançar, na exceção da competência da Justiça Federal, as hipóteses em que existe o concurso de credores.
Nesse cenário, em razão das diferentes nuances implementadas pelo procedimento de repactuação das dívidas do consumidor, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atento a essa realidade, elaborou uma Cartilha sobre o tratamento do superendividamento do consumidor que está disponível no seu sítio eletrônicoiv. A referida Cartilha foi elaborada por um grupo de trabalho sob a coordenação do Ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que contou com a participação de profissionais de diferentes áreas, como promotores, magistrados, professores e defensores públicos.
Em síntese, o material tem como finalidade justamente orientar a primeira instância de jurisdição acerca de como deve dar seguimento ao procedimento de repactuação das dívidas, tanto no âmbito administrativo quanto no judicial, apresentando fluxos de trabalho e diretrizes para o enfrentamento das demandas que surgirem.
Sendo assim, verifica-se que o procedimento de repactuação de dívidas apresentado pela Lei do Superendividamento é de fato inovador em relação à figura do consumidor no Brasil, e demandará certa acurácia pelos Tribunais acerca de como sua aplicação será feito no caso concreto.
Considerações finais
Verifica-se, portanto, que a nova regulamentação trazida pela Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, também chamada de Lei do Superendividamento, pretende combater o superendividamento em duas frentes. Em primeiro, pela via da prevenção, trazendo novas obrigações às instituições fornecedoras de crédito com o intuito de garantir o direito de informação do consumidor, tanto na oferta quanto na contratação do crédito.
Nesse ponto, é preciso se atentar para o fato de que as obrigações que não possuem correspondência com outras disposições anteriores à lei somente podem ser exigidas em relação aos contratos e ofertas veiculados após a sua vigência, ante a sua natureza eminentemente constitutiva.
Em segundo, a Lei estabelece o soerguimento dos consumidores que já se encontram na situação de superendividamento, tendo como foco a possibilidade de um acordo que envolva todos os credores para pagamento, prestigiando a vontade das partes à medida do possível.
De todo modo, entendendo-se pela importância do soerguimento do consumidor, a Lei também estabelece a possibilidade de aplicação do plano sobre os credores que não anuírem com ele, tal como ocorre no procedimento de recuperação judicial previsto na Lei nº 11.101 de 2005, hipótese em que deverão ser observados os limites estabelecidos na própria Lei.
Destaca-se que ficará a cargo do Poder Judiciário a implementação desses procedimentos, que deverá ser precedido de prévia orientação tanto ao consumidor quanto ao fornecedor do crédito, e, de igual modo, caberá a esse Poder dirimir as controvérsias que ainda surgirão a respeito do tema.
Autor: Rodrigo El Koury Daoud