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A relevância da sustentação oral como instrumento de convencimento
A sustentação oral refere-se à exposição verbal das alegações das partes (ou do Ministério Público, quando o caso) por meio de seus advogados, frente aos julgadores, a fim de ressaltar os argumentos mais relevantes para a resolução da causa.
A prática é classificada como direito do advogado pelo artigo 7º, IX da lei 8906/1994, que dispões acerca da possibilidade de se “sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido”.
Acompanhando a previsão legal, Elpídio Donizetti destaca que “a sustentação oral não é apenas um direito da parte, mas uma prerrogativa profissional do advogado que a representa”.
Deve-se ressaltar que essa prática não deve ser confundida com o uso da palavra para mero esclarecimento, pois a prerrogativa da sustentação oral se fundamenta nos princípios do contraditório e da ampla defesa previstos no art. 5ª, LV da Constituição Federal, sendo garantida a todos os litigantes, com os recursos que lhe são derivados.
Para Cândido Rangel Dinamarco, quando falamos de contraditório, entendemos que a lei deve instituir meios para a participação dos litigantes nos processos e que o juiz deve, também, possibilitar esse envolvimento, sendo que esse princípio também se manifesta com o diálogo e a cooperação entre as partes, pois “é do passado a afirmação do contraditório exclusivamente como abertura para as partes, desconsiderada a participação do juiz”.
Para Guilherme César Pinheiro, a ampla defesa garante o direito de resposta à pretensão do autor, o que pode ser oferecido ou não, visto que o conteúdo da resposta (ou da não resposta) tem a capacidade de influenciar o contraditório.
Outro princípio essencial relacionado ao direito à sustentação oral é o da oralidade. Para Chiovenda (apud, José Rogério Cruz e Tucci) tal princípio tem quatro resultados diretos:
a) a prevalência da palavra;
b) a imediatidade;
c) a identidade física do juiz; e
d) a concentração de determinados atos processuais numa única oportunidade.
A sustentação oral exprime a maioria desses efeitos, pois é um dos poucos atos processuais nos quais a manifestação é obrigatoriamente verbal. Além disso, há o contato direto com o julgador, o que não ocorre com demasiada frequência.
Nesse sentido, para Rodrigo Frantz Becker, a sustentação oral resulta na ideia de ligação direta do magistrado com a causa, o que “propicia uma decisão mais justa e efetiva, em razão da precisão com que os argumentos são deduzidos”.
Em se tratando do contato com o julgador, reitera-se ainda mais a necessidade da sustentação oral, uma vez que, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça, estima-se que, atualmente, há cerca de 80 milhões de processos em trâmite (desses, mais de 7 milhões se encontram em fase recursal), que demandam individualmente a atenção de cada juiz.
Os números demonstram o excesso de demandas sob a responsabilidade do Poder Judiciário, o que causa certo receio pelo advogado de que seus argumentos não serão observados da maneira mais apropriada, ou com a atenção que julga ser devida pelo julgador individual ou pela turma julgadora.
Com isso em mente, a sustentação oral surge como uma oportunidade de destaque e individualização do feito, bem como de alteração do convencimento, pois não obstante não seja possível se aprofundar em todas as teses levantadas nos autos, em razão do período de tempo autorizado legalmente para a prática, esta é a oportunidade em que o advogado se dirige aos próprios julgadores e assim reforça os argumentos entendidos como pertinentes e que porventura não teriam sido observados de outra forma.
Diante disso, ainda com Rodrigo Frantz Becker, tem-se que a sustentação oral é, portanto, uma garantia processual das partes, visto que
se pretendemos que o processo seja efetivamente uma garantia e não mero instrumento ou se objetivamos, em menor monta, que o processo reconheça a existência de garantias processuais das partes, necessário que os atos processuais de influência na formação da decisão sejam pautados pelo contraditório e, principalmente, pela possibilidade de sua realização.
Estabelecendo um contraponto, Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa rebate entendimento de parcela da doutrina de que a sustentação oral seria limitada à mera repetição de manifestações anteriores:
(…) causa certa perplexidade a crítica – de forma expressa ou velada – manifestada por parcela da doutrina ou da jurisprudência no sentido de que muitas sustentações seriam mera repetição de manifestação anterior. Do contrário, limitar-se-ia o âmbito da sustentação oral às questões cognoscíveis de ofício que até então ainda não haviam sido ventiladas ou ao fato superveniente (art. 493 do CPC/2015), do que não cogita a lei. Ainda que esta fosse a praxe, não justificaria o cerceamento do direito da parte ou criação de constrangimento para o advogado que se limita a reiterar os argumentos já constantes dos autos do processo. Ainda que esta fosse a praxe, não justificaria o cerceamento do direito da parte ou criação de constrangimento para o advogado que se limita a reiterar os argumentos já constantes dos autos do processo
Nesse sentido, é cabível repisar que durante a sustentação oral não é admitida inovação, ressalvadas as matérias de ordem pública que, ainda que não tenham sido alegadas, possam ser suscitadas a qualquer tempo e conhecidas de ofício.
Por fim, a relevância da sustentação oral se corroborou-se no entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.447.624/SP, no qual, em questão de ordem, a Corte decidiu, por maioria, que o Ministro que “não participou do início do julgamento, com sustentação oral, fica impossibilitado de participar posteriormente do julgamento.”
Ressalta-se que, anteriormente, o Superior Tribunal de Justiça admitia a possibilidade de voto pelo Ministro que não havia assistido à sustentação, decorrente de interpretação por analogia do antigo artigo 162, §2º de seu regimento interno, o qual autorizava o Ministro que não tivesse participado da leitura do relatório, a “proferir voto, se se declarar habilitado a votar”.
Referida redação foi alterada pela Emenda Regimental nº 17, de 2014, que adicionou alguns parágrafos ao texto, e foi posteriormente excluída pela Emenda Regimental nº 32, de 2019, a qual alterou a letra do artigo 162, § 4º do regimento, para proibir a participação nos julgamentos dos Ministros que não tiverem assistido à sustentação oral.
Para reconhecer a validade desse entendimento, é preciso, primeiramente, explicitar o procedimento que precede a sustentação oral.
Em se tratando de recurso, após o regular trâmite em primeira instância, o feito é remetido ao respectivo tribunal para julgamento, e, tendo em vista se tratar de um órgão colegiado cuja composição abarca uma pluralidade de julgadores, ocorre a distribuição do processo a um relator, que tem como uma de suas funções a elaboração de seu voto, conforme previsão do artigo 931 do Código de Processo Civil.
O relator é incumbido da análise dos autos para a elaboração do relatório, no qual são registradas as principais ocorrências do processo, e que será lido pelos demais membros do colegiado que, não obstante terem a possibilidade de acessarem os autos, se utilizam primariamente daquilo que foi redigido pelo relator para formar o seu conhecimento, razão pela qual a sustentação oral pode se revelar o primeiro contato de alguns membros do colegiado a certos argumentos levantados durante o feito.
Observa-se que, conforme previsto no artigo 936, inciso I, do Código de Processo Civil, há a preferência na ordem de julgamento dos casos em que há requerimento para a sustentação oral; tal motivo é necessário para que a intenção de sustentar seja formulada mediante requerimento ao tribunal, seguindo o disposto em regimento interno, tanto para organização da sessão quanto para preservar a ordem de preferência do julgamento disciplinada pelo artigo 937, § 2º do referido diploma legal.
Não obstante, conforme identificado por Elpídio Donizetti, há diversas hipóteses que justificam o pedido de preferência, o que pode alterar a referida ordem, devendo ser levado ao presidente do órgão para apreciação:
A ordem dos requerimentos pode ser quebrada em decorrência de outras preferências; por exemplo, o advogado idoso pode requerer seja-lhe autorizado proferir sustentação oral antes dos advogados mais moços; idêntica preferência pode ser concedida à advogada grávida.
Posteriormente, durante a sessão de julgamento, conforme prevê o caput do artigo 937 do Código de Processo Civil, após a exposição da causa pelo relator, que, via de regra, se dá pela leitura do relatório, o presidente do tribunal dará a palavra às partes (advogado do recorrente, recorrido e Ministério Público, sendo o caso, necessariamente nesta ordem) para sustentarem suas razões no prazo improrrogável de 15 minutos.
Cabe ressaltar que o antigo artigo 7º, IX da lei 8906/1994, indicava que a sustentação oral ocorreria após a leitura do voto pelo relator, mas o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.015/DF, entendeu por declarar inconstitucional o referido trecho, pois a sustentação após o voto do relator afrontaria “o devido processo legal, além de poder causar tumulto processual, uma vez que o contraditório se estabelece entre as partes”.
Além disso, a única exceção em parte quanto a isso está no artigo 942 do Código de Processo Civil, no denominado julgamento estendido, que assegura, quando do resultado não unanime do julgamento do recurso da apelação, a nova designação de sessão com outros julgadores (que serão convocados de acordo com o regimento interno do referido tribunal), e abre a possibilidade de nova sustentação oral perante os novos julgadores.
Diante disso, a sustentação oral também se torna uma ferramenta para a alteração do convencimento dos demais julgadores, caso o relator do caso tenha se posicionado de modo contrário aos interesses da parte, garantindo, assim, que os argumentos de maior relevância sejam observados mesmo quando os demais julgadores não tenham acessado os autos. Esse é exatamente o entendimento exarado pelo Ministro Marco Aurélio de Mello, em seu voto (vencido), proferido no julgamento da liminar na ADI 1.105/DF, em que discorreu acerca dos resultados gerados pelo voto do relator:
Por vezes, prolatado o voto do Relator, os demais integrantes do órgão o acompanham até mesmo sem discorrerem sobre a espécie. É a dinâmica dos julgamentos. Por isso, a fala do advogado exsurge com a maior importância, servindo ao esclarecimento de aspectos que possam ter passado despercebido ao Relator.
Desse modo, tem-se a sustentação oral como meio de expressão do advogado, garantia processual e instrumento para a alteração do livre conhecimento do juízo, garantindo, assim, uma melhor prestação jurisdicional.
Apesar disso, é importante destacar que a sustentação oral não pode ser requerida em todos os procedimentos, devendo ser observadas as hipóteses previstas legalmente, atendendo-se o disposto no artigo 937 do Código de processo Civil e seus incisos:
Art. 937. Na sessão de julgamento, depois da exposição da causa pelo relator, o presidente dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente, ao recorrido e, nos casos de sua intervenção, ao membro do Ministério Público, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem suas razões, nas seguintes hipóteses, nos termos da parte final do caput do art. 1.021:
I – no recurso de apelação;
II – no recurso ordinário;
III – no recurso especial;
IV – no recurso extraordinário;
V – nos embargos de divergência;
VI – na ação rescisória, no mandado de segurança e na reclamação;
VII – (VETADO);
VIII – no agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência;
IX – em outras hipóteses previstas em lei ou no regimento interno do tribunal.
No que diz respeito às disposições do regimento interno dos respectivos tribunais, é possível que sejam ampliadas as hipóteses de cabimento da sustentação oral desde que não haja previsão legal expressa do contrário, conforme explica Cassio Scarpinella Bueno:
(…) importa entender que o regimento interno não poderá, em nenhuma hipótese, sobrepor-se ao comando legal; não, ao menos para restringi-lo, mas, tão somente, para ampliá-lo, nos precisos termos, aliás, do que permite o inciso IX do art. 937.
Com isso em mente, tem-se que a maioria dos Tribunais adota entendimentos semelhantes acerca de quais procedimentos autorizam ou proíbem a sustentação oral.
O regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu artigo 159, impossibilita a prática em determinados procedimentos, dentre eles: embargos de declaração, arguição de suspensão, tutela de urgência requerida no Superior Tribunal de Justiça, em caráter antecedente, agravo – salvo expressa disposição legal em contrário -, exceção de suspeição, exceção de impedimento, dentre outros.
Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal impede a realização de sustentação oral nos casos previstos no artigo 131, § 2º de seu regimento interno, a saber: : agravo, embargos declaratórios, arguição de suspeição e medida cautelar.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo não admite sustentação oral no julgamento de embargos declaratórios, incidente de suspeição, conflito de competência, arquivamento de inquérito ou representação criminal, e agravo, exceto no de instrumento referente às tutelas provisórias de urgência ou da evidência, e no interno referente à extinção de feito originário conforme previsão do artigo 937, VI do Código de Processo Civil.
Ainda em relação ao cabimento dessa prática, importante ressaltar que também é autorizada no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, cujo julgamento, conforme previsão do artigo 984 do Código de Processo Civil, ocorrerá primeiro com a exposição dos fatos pelo relatório e com a possibilidade de sustentarem oralmente suas razões, o autor, o réu e o Ministério Público – quando tiver intervindo no caso – sucessivamente, pelo prazo de trinta minutos (esse procedimento em especifico autoriza também a sustentação pelos demais interessados, pelo mesmo prazo, dividido entre todos os inscritos, salvo se a quantidade de inscrições torne necessária sua ampliação).
Vale ressaltar a alteração trazida pela lei nº 14.365/2022, que introduziu o §2º-B ao artigo 7º do Estatuto da OAB, autorizando a realização de sustentação oral no recurso “interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer” os recursos de apelação, ordinário, especial, extraordinário, os embargos de divergências, e ação rescisória, o mandado de segurança, a reclamação, o habeas corpus e outras ações de competência originária.
Com o desenvolvimento cada vez maior das tecnologias, há, ainda, a possibilidade da sustentação oral mediante videoconferência em sessões virtuais, sendo dever do juízo a disponibilização dos equipamentos necessários para a transmissão, nos mesmos moldes da previsão do artigo 453, § 2º do Código de Processo Civil no que se refere à audiência de instrução e julgamento.
Referida sustentação na modalidade remota é permitida tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme resolução 642/2019 (posteriormente alterada pela resolução 669/2020), e Ementa Regimental 41/2022, respectivamente.
Apesar dos procedimentos perante o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal serem semelhantes, na medida em que em ambos a parte interessada deverá realizar sua inscrição mediante preenchimento de formulário eletrônico disponível no site do respectivo tribunal, é oportuno verificar as peculiaridades de forma em cada Corte.
No entanto, em se tratando de sessão presenciais, a sustentação oral por videoconferência é autorizada desde que solicitada por advogado cujo domicílio profissional seja diverso daquele no qual é sediado o Tribunal incumbido de proferir o julgamento, conforme disposição do artigo 937, § 4º do Código de Processo Civil, devendo ser requerido até o dia anterior ao da sessão.
Atualmente, encontra-se em trâmite o Projeto de Lei nº. 3.388/2020, que tem como objetivo alterar o Código de Processo Civil, acrescentando um parágrafo ao disposto no artigo 937, de modo a possibilitar que a sustentação oral, nos casos autorizados pela lei, ocorra preferencialmente de maneira presencial, ou ao vivo mediante videoconferência, vedando a realização de julgamento virtual assíncrono, sem a participação do advogado.
A justificativa para o projeto reforça a importância da oralidade no processo, quando afirma que as “sustentações orais gravadas e anexadas a processos eletrônicos são meros memoriais, que não têm a força retórica da palavra no momento da realização coletiva do julgamento”
O projeto tem a autoria de Margarete Coelho, Ricardo Izar, Lafayette de Andrada, Fábio Trad e Soraya Santos, foi primeiro apresentado em 17 de junho de 2020, e em 13 de junho de 2023 houve a emissão de parecer pelo deputado Paulo Abi-Ackel, em que vota pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do Projeto, e no mérito, por sua aprovação, com a emenda proposta abaixo:
Por fim, entendemos ser oportuna uma emenda ao projeto, para prever que a sustentação oral deverá ser realizada preferencialmente de forma presencial também quando requerida, retomando a ideia proposta pelo então PL 5.284/2020, mas mantendo a vinculação do dispositivo ao CPC e não ao Estatuto da Advocacia como indicava aquela proposição
É preciso observar que tais concessões, no entanto, não suprimem as cautelas de praxe, devendo se manter a urbanidade e o decoro durante todo o procedimento da sustentação oral, inclusive no que se diz respeito ao uso das vestimentas estabelecidas.
Ademais, o regimento interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu artigo 151, pede que, para as sustentações orais, os advogados e membros do Ministério Público se apresentem em “vestes talares”. Enquanto o Superior Tribunal de Justiça recomenda, em seu site, que não obstante o uso da capa seja facultativo quando a sustentação por videoconferência, é dever do advogado “manter a dignidade e o decoro no traje utilizado, quando da prática do ato processual”.
Por fim, tem-se que a sustentação oral, quando utilizada de maneira adequada, é, para além de ser um direito da parte, uma maneira efetiva de garantir que todos os julgadores tenham acesso aos argumentos e alegações apresentadas que seu advogado entende como de maior relevância – além disso, é também importante prerrogativa do advogado, que deve ser visto como indispensável à administração da justiça, conforme previsão do artigo 133 da Constituição Federal.
Em conclusão, a sustentação oral configura poderoso instrumento para individualização da demanda, e, eventualmente, pode resultar na alteração do conhecimento pelos julgadores da causa, promovendo uma prestação jurisdicional mais adequada, em que os litigantes se sintam verdadeiramente ouvidos e amparados pelo Poder Judiciário, concretizando a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa e da oralidade.
Autor: Alicia Paola Alves Possadas