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A Relevância da Questão Federal no Recurso Especial
O Superior Tribunal de Justiça, como Corte de Vértice (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ Enquanto Corte de Precedentes. 2ª. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 160), tem como função constitucional precípua a interpretação do direito federal e a uniformização da sua aplicação pelos tribunais ordinários e pelos juízes de primeiro grau de jurisdição, por meio do julgamento, em recurso especial, das causas definitivamente decididas pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando as decisões recorridas incorrerem em uma das hipóteses dispostas nas alíneas “a”, “b” e “c”, do inciso III do art. 105 da Constituição.
Em razão disso, e considerando a valorização do sistema de precedentes pelo CPC de 2015, as instâncias ordinárias devem observar na resolução das causas futuras, sob a sua jurisdição, no que importa à temática tratada neste artigo, os acórdãos formados no julgamento de recurso especial repetitivo e os enunciados das súmulas do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, nos termos dos incisos III e IV do art. 927 do CPC.
Consequentemente, em razão da força vinculativa desse tipo de precedente, a qualidade da discussão entre os ministros na formação da ratio decidendi é condição indispensável para a respeitabilidade e observação dessas decisões nas causas subsequentes, motivo pelo qual, há algum tempo, com o fim de conferir maior qualidade e eficiência à prestação jurisdicional ofertada no Superior Tribunal de Justiça, assegurando o cumprimento da sua função constitucional, a redução do excesso de recursos especiais em trâmite na sua competência jurisdicional tornou-se medida operacional necessária para o alcance da pretensão anteriormente relatada.
Por isso, após uma década em tramitação, com a aprovação em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados, o texto definitivo da PEC 39/2021 introduziu na ordem processual brasileira um novo requisito de admissibilidade recursal, visando à otimização dos trabalhos da Corte Superior de Justiça, pertinente à relevância da questão federal no recurso especial, semelhante aos requisitos da repercussão geral no recurso extraordinário e da transcendência do recurso de revista, como parece ter assentado parte considerável da doutrina após os debates inaugurais sobre esse novo filtro recursal.
Como resultado, em 14 de julho de 2022, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 125, alterando o art. 105 da Constituição para instituir, no recurso especial, a necessidade de atender ao requisito da relevância das questões de direito federal infraconstitucional, implicando ônus processual de o recorrente demonstrar a relevância, na forma e de acordo com o que vier a ser regulamentado pelo legislador infraconstitucional, com a pretensão de que o recurso especial possa ser admitido para exame de mérito pelo Superior Tribunal de Justiça.
À vista disso, no que importa à competência para seu processamento e julgamento, nos termos da atual redação do § 2º do art. 105 da Constituição, a declaração de relevância da questão federal competirá ao órgão responsável pelo julgamento do recurso especial, que somente poderá rejeitá-la pela manifestação de 2/3 dos seus membros.
Nesse cenário, parte da doutrina projeta a competência das Sessões e da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, a depender da matéria vinculada ao recurso, para análise sobre a presença desse requisito de admissibilidade, viabilizando, dessa forma, a formação de precedentes qualificados sobre o assunto, possibilitando aos tribunais ordinários aplicar a sistemática do art. 1.030 do CPC também à relevância, em moldes análogos ao juízo negativo da repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (NUNES, Dierle; LISBOA, Cícero; BAMBIRRA, Camila. Considerações Iniciais da Arguição de Relevância da Questão Federal no Recurso Especial. In: MARQUES, Mauro Campbell (org. geral). Relevância da Questão Federal no Recurso Especial. Londrina/PR: Thoth, 2022, p. 142).
Ocorre que, conforme decidido pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na sessão extraordinária realizada em 19.10.2022, o critério de relevância da questão federal somente será exigido após a entrada em vigor da lei que regulamentará o instituto, nos termos do que foi aprovado no Enunciado Administrativo nº 8, no sentido de que “a indicação, no recurso especial, dos fundamentos de relevância da questão de direito federal infraconstitucional somente será exigida em recursos interpostos contra acórdãos publicados após a data de entrada em vigor da lei regulamentadora prevista no artigo 105, parágrafo 2º, da Constituição Federal”.
Inclusive, a aprovação desse enunciado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça é um conforto para a classe dos advogados, porquanto apenas com a vigência da lei responsável pela regulamentação do filtro será possível conhecer integralmente os requisitos necessários para a configuração do que seria a relevância, em que pese a possiblidade de já se antecipar, em certa medida, que a matéria recursal deverá necessariamente transcender o interesse subjetivo das partes no processo, e que a relevância deverá assegurar a presença de contornos sociais, políticos, jurídicos e econômicos, assemelhando-se ao que é exigido no requisito da repercussão geral no recurso extraordinário.
Não obstante, malgrado o ônus processual de o recorrente demonstrar a relevância da questão federal infraconstitucional discutida no recurso especial, vale mencionar que a Emenda Constitucional nº 125, de 2022, também estabeleceu um rol de situações em que seria possível presumir a presença desse requisito de admissibilidade, como nos casos das ações penais; ações de impropriedade administrativa; ações cujo valor da causa ultrapasse quinhentos salários mínimos; ações que possam gerar inelegibilidade; situações em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça; e outras situações previstas em lei, nos termos do § 3º do art. 105 da Constituição.
Com efeito, com amparo nessas primeiras considerações, já é perceptível que a introdução do filtro da relevância, como um novo requisito de admissibilidade ao recurso especial, implicará mudanças relevantes e profundas no processamento e julgamento desse recurso no Superior Tribunal de Justiça, auxiliando a Corte de Justiça no fiel cumprimento da sua função constitucional de interpretar o direito federal e uniformizar a sua aplicação perante as instâncias ordinárias, com o fim de atender à ordem normativa processual de que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência de modo a mantê-la estável, íntegra e coerente, nos termos do art. 926 do CPC.
Assim, considerado as indicações da Presidência do Superior Tribunal de Justiça, em direção à exigência do filtro ainda em 2023, chama-se a atenção para a necessidade de acompanhar os próximos passos do anteprojeto de lei enviado pelo Superior Tribunal de Justiça ao Congresso Nacional em dezembro de 2022, que deve passar a tramitar, como de iniciativa do Senado Federal, a partir do acolhimento de sugestões da Ordem dos Advogados do Brasil.
Autora: Marina Pereira Antunes de Freitas