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A produção antecipada de prova e o contraditório à luz do julgamento do Recurso Especial nº 2.037.088/SP
Produção antecipada de prova
O art. 381 do Código de Processo Civil elenca as hipóteses em que será admitida a produção antecipada de prova:
Art. 381. A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que:
I – haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação;
II – a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito;
III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.
Já o art. 382, §4º, do Código de Processo Civil, dispõe que na produção antecipada de provas não será admitida defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário:
Art. 382. Na petição, o requerente apresentará as razões que justificam a necessidade de antecipação da prova e mencionará com precisão os fatos sobre os quais a prova há de recair.
§ 4º Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.
Conforme Cássio Scarpinella Bueno, o Código de Processo Civil eliminou todos os procedimentos cautelares específicos, dentre eles os destinados à produção de provas, assegurando, contudo, o direito de a produção da prova ser antecipada nas situações elencadas nos três incisos do art. 381 do Código de Processo Civil. O art. 382, caput, por sua vez, estabelece o procedimento a ser observado para a formulação do pedido de antecipação de provas, impondo ao requerente o ônus de indicar, com precisão, os fatos sobre os quais a atividade probatória recairá1.
Para o referido doutrinador, o princípio do contraditório deve ser observado, visto que decorre do modelo constitucional de direito processual civil2:
O contraditório deve ser observado, a não ser que a medida não ostente caráter contencioso (art.382, §1º). A previsão merece ser compreendida com ressalvas mais amplas porque não há como a lei excepcionar o contraditório quando for possível identificar o interessado, a não ser que haja urgência, o que até pode ocorrer (art.381, I), mas não é o que cogita o dispositivo em exame. A existência ou não de litígio (“caráter contencioso”) é, ademais, questão relativa, que pode ser alterada a depender do resultado da colheita das provas. Inclusive pela ausência de prévio contraditório na sua realização… Esta orientação, que decorre do “modelo constitucional de direito processual civil”, deve ser observada ainda por quem queira ver, no §1º do art.382, manifestação de “jurisdição voluntária”. Não há como a lei querer se desviar do “modelo constitucional”, mesmo nestes casos, já que se regula a atuação do Estado-juiz.
Scarpinella pondera, ainda, que o §4º do art. 382 do Código de Processo Civil, que veda a apresentação de defesa e a interposição de recurso, salvo contra o indeferimento total relativo à prova, não atrita com os princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que as discussões relativas à avaliação da prova poderão ser feitas ‘a posteriori’. Não obstante, impõe-se a observância do contraditório relacionado à colheita da prova, de modo a garantir, inclusive, sua utilidade e possibilidade de utilização em processo futuro3:
O que basta é que o contraditório seja, como regra, observado, nos termos do §1º (e com a ressalva que fiz acima), o que estará satisfeito se as regras relativas a cada um dos meios de prova forem suficientemente observadas, isto é, o contraditório relativo à colheita da prova é irrecusável, sendo desnecessária qualquer antecipação relativa à valoração da prova e, consequentemente, ao contraditório dela decorrente.
Humberto Theodoro Júnior destaca que a produção antecipada da prova é utilizada quando a parte não tem condições de aguardar o momento processual específico destinado à coleta dos elementos de convicção necessários à instrução da causa pendente ou por ajuizar4:
São hipóteses em que o litigante exerce a “pretensão à segurança da prova”, sem, contudo, antecipar o julgamento da pretensão de direito substancial. O interesse que autoriza a medida se relaciona apenas com a obtenção, preventiva, da “documentação de estado de fato que possa vir influir, de futuro, na instrução de alguma ação.
O Novo Código, como já advertido, amplia o campo de acesso imediato à prova, permitindo-o, também, para situações especiais, desvinculadas do risco e da utilidade imediata para algum processo.
Já com relação ao §4º do art. 382 do Código de Processo Civil, Humberto Theodoro Júnior entende que no procedimento da produção antecipada de provas não se admitirá defesa ou recurso, tendo em vista que a medida se limita à realização da prova e nada mais, não se configurando como medida restritiva de direito e nem constritiva de bens5.
Em sentido oposto, Daniel Amorim Assumpção Neves critica a opção do legislador em repetir, ainda que parcialmente, o disposto no art. 865 do CPC/1973 no §4º do art. 382 do CPC/2015, no sentido de que a produção antecipada de provas não admitirá defesa e a única decisão recorrível será a que indefere totalmente o pedido da medida6.
Para o doutrinador, ao repetir um dispositivo que regulamentava a justificação no CPC/1973, o legislador não considerou que a maioria das ações probatórias não se desenvolvia pela justificação, mas sim pela produção antecipada de provas e, no entender do autor, nada leva a crer que essa realidade seja modificada com o novo Código de Processo Civil, o que significa que a maioria das ações probatórias autônomas seguirão a natureza contenciosa, sendo flagrantemente contrário ao princípio do contraditório impedir o exercício de defesa e a interposição de recursos7.
Daniel Amorim Assumpção Neves aponta que, naturalmente a defesa terá as suas limitações, mas, ainda que limitada, a exclusão desse direito não se justifica, nem mesmo quando a natureza da ação for voluntária, quiçá quando for contenciosa8:
Naturalmente, a defesa terá suas limitações, porque a impugnação do réu se limitará a questões processuais e ao cabimento do pedido à luz das hipóteses previstas no art.381 do Novo CPC. Ainda que limitada, a exclusão desse direito do réu não se justifica nem mesmo quando a natureza da ação for voluntária, quiçá quando for contenciosa. O mesmo se diga do cabimento do recurso, sendo inadmissível tornar o juiz um pequeno soberano na produção da prova sem que exageros e/ou ilegalidades possam ser revistos pelo tribunal de segundo grau. O juiz determina a oitiva de testemunha incapaz e a parte não pode recorrer? O juiz fixa os honorários periciais num valor estratosférico e ninguém poderá recorrer? Fica realmente difícil explicar a opção do legislador sem ofender frontalmente o princípio do contraditório.
Como o dispositivo legal veda o cabimento da defesa, o doutrinador entende que outras espécies de resposta do réu, que não são propriamente defesa, estão liberadas, por exemplo a alegação de incompetência e a reconvenção, podendo o réu pedir a produção de prova sobre o fato indicado pelo autor na petição inicial. O autor aduz que esse pedido do réu poderá ser feito no mesmo meio de prova indicado pelo autor, como o arrolamento de testemunhas não indicadas, ou mesmo outro meio de prova, como exemplo o autor pedir prova testemunhal e o réu, prova pericial9.
Quanto ao conceito da produção antecipada da prova e a existência do contraditório, Guilherme Rizzo Amaral pontua que a distinção entre asseguração e a produção de prova pode confundir o intérprete, considerando que a asseguração constitui o fim da medida (preservar a prova para a sua utilização futura) e já a produção constitui atividade, não podendo simplesmente se afirmar que a asseguração da prova ocorrerá quando esta for obtida antes do processo no qual deverá ser produzida e a sua produção dar-se-á já neste processo. O que importa para qualquer distinção, conforme entendimento do autor, é a possibilidade de a prova antecipada ser importada em processo futuro e servir de elemento de convicção e objeto de valoração pelo órgão julgador, sendo que tal possibilidade dependerá fundamentalmente da existência do contraditório pleno na produção da prova10.
Para Guilherme Rizzo Amaral, é possível haver fundado dissenso relativo à existência do direito à prova, que justifique a apresentação de defesa, sempre que a produção da prova puder causar dano ou invadir a esfera jurídica do interessado 11:
Tal ocorrerá sempre que a produção da prova puder causar dano ao interessado ou invadir a sua esfera jurídica de qualquer forma. Nestes casos, inadmitir-se a defesa resultaria em manifesta inconstitucionalidade, pois se estaria excluindo da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (violando-se o preceito contido no art.5º, XXXV, da Constituição Federal). Como exemplos, podem-se citar o exame pericial que possa revelar segredo industrial a concorrente do requerido, medidas que impliquem quebra de sigilo bancário e fiscal, exames periciais que possam causar transtornos ou limitações temporárias indevidas ao uso de propriedade imóvel etc.
Também poderá ocorrer de inexistir legitimidade ativa ou interesse jurídico do requerente para a postulação da medida, não fazendo sentido se permitir, assim, que aquele prossiga no seu intento. Em todos esses casos, será lícito ao requerido opor-se à medida, o que poderá fazer por meio de simples petição.
Da mesma forma, o doutrinador entende que caberá recurso não apenas da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada da prova pelo requerente originário, conforme previsto no §4º do art. 382 do Código de Processo Civil:
Da mesma forma, caberá recurso não apenas da decisão que indeferir totalmente a produção antecipada de provas pelo requerendo originário – como expressamente estatui o art. 382, §4º – como também da decisão que conceder a medida quando tiver havido expressa resistência do requerido ao seu deferimento. Não caberá recurso, contudo, da decisão que negar ao interessado a ampliação do escopo do procedimento, com a produção de provas distintas daquelas pretendidas pelo requerente originário (neste caso, nada impede que o interessado postule, noutro procedimento, a produção da prova pretendida).
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira, também têm entendimento no sentido de que não é razoável interpretar o §4º do art. 382 do CPC de modo literal:12
É certo que o processo de produção antecipada de prova, por restringir-se à produção de prova, é bem simples e, em razão dessa simplicidade, o contraditório realmente não poderia ter a extensão que costuma ter no procedimento comum.
Mas daí a dizer, como o faz o § 4º do art. 382, que neste procedimento não haverá defesa nem recurso é um salto que o legislador infraconstitucional não poderia dar – além de revelar incoerência; afinal, no mesmo art. 382 há determinação de citação de todos os interessados, até mesmo de ofício. Citação para ser mero expectador do processo é inconcebível; cita-se para que o interessado participe do processo; e a participação no processo dá-se pelo exercício do contraditório, como se sabe.
Parece mais razoável compreender o dispositivo de modo não literal.
Há, sim, contraditório reduzido, mas não zerado: discute-se o direito à produção da prova, a competência do órgão jurisdicional (se há regras de competência, há possibilidade de o réu discutir a aplicação delas, obviamente; a alegação de incompetência é matéria de defesa), a legitimidade (com a consequente possibilidade de aplicação dos arts. 368 e 339 do CPC), o interesse, o modo de produção da perícia (nomeação de assistente técnico, possibilidade de impugnação do perito, etc) etc. Não se admite discussão em torno da valoração da prova e dos efeitos jurídicos dos fatos probandos – isso será objeto de contraditório em outro processo.
Na mesma linha de entendimento, Cândido Rangel Dinamarco aduz que, não obstante a produção antecipada de provas não admita qualquer defesa ou discussão acerca do direito que eventualmente será tutelado pela prova postulada, tal exclusão não pode ser interpretada como abrangente do direito de defesa também quanto ao próprio direito do autor ao conhecimento da prova, pois essa vedação violaria as garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal13.
Julgamento do Recurso Especial de nº 2.037.088/SP
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão publicado em 13/03/2023, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, deu provimento a recurso especial que versava sobre a exibição de documentos em produção antecipada de provas, sob o entendimento de que o contraditório não pode ser totalmente vedado na produção antecipada de prova.
Na origem, a ação de produção antecipada de provas fora ajuizada com fundamento nos artigos 319 e 381, I e II do Código de Processo Civil, por empresa que pretendia a exibição de documentos que estaria em posse da parte contrária, bem como a prestação de informações que seriam de seu conhecimento, em razão de sua atuação na área fiscal e contábil, apontando a requerente que aderiu a uma nota estruturada, com prazo de resgaste, pela qual receberia um valor fixo, contudo, que não veio a se concretizar em razão da superveniente declaração de falência da requerida, decorrente de suposta prática de fraudes, manipulação de mercado, crimes financeiros e fiscais.
Em primeira instância, o magistrado deferiu, de plano, a produção antecipada de provas, a fim de que a empresa requerida exibisse os documentos, no prazo de 30 dias, determinando a citação e advertindo que “nos termos do art. 382, § 4º, do CPC, neste procedimento não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário”.
Interposto agravo de instrumento, o Tribunal de origem não conheceu do recurso, com fundamento no art. 382, §4º do Código de Processo Civil, o que ensejou a interposição de recurso especial pela empresa requerida, ao qual foi dado provimento pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, para tornar sem efeito a decisão de primeiro grau que determinou a citação da requerida para apresentação da documentação no prazo de 30 dias, a fim de que lhe fosse concedida a oportunidade de apresentar a defesa que julgasse conveniente, pertinente com o objeto do procedimento em questão, observando-se, a partir de então, o devido processo legal.
Para o Relator, Ministro Marco Aurélio Bellizze, o acórdão recorrido violava princípios elementares do direito processual civil constitucional, concebido como garantia individual, destinado a concretizar as normas fundamentais que balizam o processo civil, utilizadas como condutor interpretativo de todo o sistema processual civil. O acórdão destaca que as normas fundamentais de conteúdo principiológico, superiores aos demais ordenamentos jurídicos, asseguram o tratamento isonômico das partes no processo, o direito de defesa, bem como o contraditório, devendo ser necessariamente observadas na aplicação e interpretação de todos os dispositivos previstos no Código Processo Civil.
Em seu voto, o Relator destacou a relevância do princípio do contraditório que, além de assegurar às partes os meios de defesa necessários à tutela de seus interesses e direitos, também confere a prerrogativa de as partes se manifestarem antes da decisão, a fim de que as alegações possam ser ponderadas e observadas na convicção fundamentada do magistrado, conforme elencado pelos seguintes dispositivos do Código de Processo Civil:
Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às
exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III ;
III – à decisão prevista no art. 701
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base e fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos
ou do Ministério Público.
Nesse sentido, o Relator pondera que eventual restrição legal acerca da aplicação do direito de defesa da parte, não pode, em hipótese alguma, conduzir a uma interpretação que elimine por completo o princípio do contraditório, como ocorreu na hipótese dos autos, sendo que a vedação legal somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que sejam impertinentes ao procedimento, ou seja, deve-se identificar o objeto específico da produção antecipada de provas e qual o conflito de interesses envolvido, para delimitar em que extensão o contraditório poderá ser exercido:
A vedação legal quanto ao exercício do direito de defesa somente pode ser interpretada como a proibição de veiculação de determinadas matérias que se afigurem impertinentes ao procedimento nela regulado. Logo, as questões inerentes ao objeto específico da ação em exame e do correlato procedimento estabelecido em lei poderão ser aventadas pela parte em sua defesa, devendo-se permitir, em detida observância do contraditório, sua manifestação, necessariamente, antes da prolação da correspondente decisão.
Por conseguinte, o § 4º do art. 382 do CPC – ao estabelecer que, no procedimento de antecipação de provas, “não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário” – não pode ser interpretado em sua acepção literal.
Em acréscimo ao seu entendimento, o Relator citou doutrina dos processualistas Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, que ponderam que a suposta proibição de defesa deve ser compreendida como a possibilidade de discussão quanto ao mérito da pretensão para a qual a prova possa servir no futuro:
O art. 382, § 4º, estabelece que “não se admitirá defesa” no processo de produção de provas. Tal dispositivo exige interpretação que salve da inconstitucionalidade (CF/1988), art. 5º, XXXVI, LIV e LV). Não há dúvidas de que o juiz detém poder para, mesmo de ofício, controlar (i) defeitos processuais (ii) ausência dos pressupostos da antecipação probatória e (iii) a admissibilidade e validade da prova. Logo, o requerido tem o direito de provocar decisão do juiz a respeito desses temas.
A suposta proibição de defesa deve ser compreendida apenas como (a) ausência de uma via específica para formulação de contestação e (b) não cabimento de discussão sobre o mérito da pretensão (ou defesa) para a qual a prova pode servir no futuro.
(in Curso Avançado de Processo Civil. Volume 2: Cognição Jurisdicional (Processo Comum de Conhecimento e Tutela Provisória). 20ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 390).
Sob outra ótica de fundamentação, o Relator aduz que o Código de Processo Civil buscou positivar a compreensão de que a prova, na verdade, tem como destinatário imediato não só o juiz, mas também as partes diretamente envolvidas no litígio, reconhecendo-se, assim, à parte, o direito material à prova, que pode se referir tanto ao modo de produção da prova (produção antecipada de prova, prova emprestada e a prova “fora da terra”), como ao meio de prova (ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de documentos ou coisa, documentos, testemunhas, perícia e inspeção judicial).
Nesse tema, ressalta que reconhecida a existência de um direito material à prova, que não se confunde com os fatos que ela se destina a demonstrar (objeto da prova) e nem com as consequências jurídicas, podendo ou não subsidiar outra pretensão, a lei estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, que pode se dar de forma incidental ou por meio de uma ação autônoma, sendo que, nesta última hipótese, a pretensão da ação probatória autônoma pode se exaurir na produção antecipada de determinada prova (meio de produção de prova) ou na exibição de determinado documento ou coisa (meio de prova ou meio de obtenção de prova), de forma que a parte pode avaliar, diante da prova produzida ou documento ou coisa apresentada, a existência de um direito passível de tutela, apto para ajuizamento da ação.
Na ação probatória autônoma, no entender do Relator, é imprópria a veiculação de discussão acerca dos fatos que a prova se destina a demonstrar ou sobre as consequências jurídicas, de forma que a vedação contida no art.382, §4º do CPC refere-se a essas matérias que são impertinentes ao objeto tratado na produção antecipada de provas. Por outro lado, aponta que as ações probatórias autônomas não constituem procedimento simplificado e meramente administrativo, em jurisdição voluntária, mas sim veiculam efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito constitui a própria causa de pedir e passível de ser resistida pela parte contrária, na medida em que sua efetivação importa na restrição de direitos.
Caracterizado o conflito de interesses em torno da prova, não podem subsistir dúvidas em relação ao exercício do direito de defesa, conforme destacado pelo Relator:
Devidamente caracterizado, então, o conflito de interesses em torno da prova, cujo direito à produção é que constitui a própria causa de pedir deduzida e, naturalmente, passível de ser resistida pelas partes adversa por meio de todas as defesas e recursos admitidas em nosso sistema processual.
Afinal, se a pretendida produção da prova pode acarretar restrição a direito da parte demandada – o que, seguramente, há de ser sopesado pelo Juízo, a partir da existência de um liame entre a prova cuja produção se requereu e a situação de direito material subjacente existente entre as partes, que a legitima, em conjunto com todas as condições da ação e pressupostos processuais –, dúvidas não podem subsistir em relação à possibilidade do exercício do direito de defesa.
Há de se reconhecer, portanto, que a disposição legal contida no art. 382, §4º, do Código de Processo Civil não comporta interpretação meramente literal, como se no referido procedimento não houvesse espaço algum para o exercício do contraditório, sob pena de se incorrer em grave ofensa ao correlato princípio processual (e até de inconstitucionalidade – ut art. 5º, XXXVI, LIV e LV), sobretudo como se dá na hipótese dos autos, em que a determinação judicial de exibição dos documentos, com indiscutível natureza satisfativa, deu-se liminarmente, sem a oitiva da parte adversa, a fustigar, por completo, o contraditório, nos termos acima propugnados.
Finaliza o voto expondo que as instâncias ordinárias não observaram o processo civil constitucional, com expressiva vulneração aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e do devido processo legal, e, nessa linha de entendimento, deu provimento ao recurso especial para tornar sem efeito a decisão de primeira instância que determinou a citação da recorrente para apresentar a documentação no prazo de 30 dias, a fim de que lhe seja concedida a oportunidade de apresentar a defesa que julgar conveniente, pertinente com o objeto do procedimento, observando-se, a partir de então, o devido processo legal, o que corrobora o entendimento explanado por grande parcela dos doutrinadores que estudam o tema.
Autora: Monique Soares Bizarria