O Código de Processo Civil de 2015 inovou ao trazer para o Direito Brasileiro um pouco da técnica americana do discovery, na medida em que busca adiantar a atividade probatória em ação autônoma sem a necessidade de comprovada urgência.
Previsto nas Federal Rules 26 até 37, o discovery é um mecanismo do Direito Norte-Americano, utilizado na fase antes do julgamento da causa (pretrial), que compreende na obtenção de provas com a cooperação dos advogados e das partes, evitando surpreender o adversário ou o juízo no momento do julgamento, além de, previamente, definir o objeto do litígio e realizar um exame de conveniência do caso.
Ademais, o discovery contempla a agilidade dos procedimentos, buscando a autocomposição e o efetivo acesso à justiça, em detrimento de processos demorados e sem resolução satisfatória1.
Com o discovery, a fase do pretrial será responsável por preservar provas que poderão não estar disponíveis no momento do trial, resguardando o direito das partes na obtenção da solução da lide, uma vez que previamente já garantirá a oitiva de testemunhas de difícil acesso ou muito idosas, por exemplo.
Restarão demonstradas, ainda antes da ação, todas as provas com quais a parte entende possuir seu direito ou formular sua defesa, de modo que facilitará o reconhecimento de eventual direito pleiteado (ou de sua falta), podendo acarretar a desistência da demanda ou uma composição amigável. Ainda, caso no discovery as partes reconheçam que a matéria discutida é unicamente de direito, facilitará o julgamento sumário da causa.
A doutrina entende que a principal vantagem do discovery é a de trazer à mesa toda a discussão fática que poderia estar presente somente no curso da ação, antecipando a definição da matéria controvertida ao realizar a exploração completa dos fatos, deixando a cargo do juízo, posteriormente quando do trial, somente a discussão acerca do mérito, o que, no direito brasileiro, acarreta cristalina atenção ao princípio da celeridade processual.
Em razão disso, é possível delinear os objetivos do discovery, sendo eles: (i) preservação da prova; (ii) fixação das questões controvertidas, com melhor direcionamento da demanda, e (iii) diminuição da litigância, com a facilitação da composição ou com a realização de julgamento sumário. Os três objetivos, individualmente ou não, atendem ao mesmo conceito de promover um trial sólido e justo2.
Portanto, o discovery poderá promover a redução do volume de processos e consequente eficiência jurisdicional, além de proporcionar às partes a possibilidade de soluções judiciais ou extrajudiciais satisfativas. No discovery as partes avaliam e conhecem suas reais chances na causa.
Por outro lado, este mecanismo pretrial também pode apresentar desvantagens às partes, por exemplo, quando há solicitação de provas irrelevantes à causa, provas que geram carga excessiva a uma das partes ou quando é configurado algum privilege a uma das partes.
No direito Norte-americano, os privileges conferem a determinadas pessoas ou entidades o privilégio de poderem se abster da produção de certas provas em decorrência de sigilo, seja em relação à parte-advogado, parte-médico, dentre outros. Há evidente dano à parte quando, ignorando a existência de determinado sigilo, é produzida prova, em sede de discovery, mas, ao decorrer do trial, a parte indaga que possui privilege e tenta excluir a prova do rol.
Além disso, pode ocorrer das partes, evitando a solução da lide e buscando simplesmente a onerosidade ao adverso, atrasarem a apresentação de provas, iniciando uma chamada “guerra de discovery“3.
A doutrina entende, segundo o direito comparado, que a produção antecipada de prova poderá ser equiparada ao discovery, uma vez que esta ocorre no momento anterior ao procedimento da causa principal, ou seja, antes de se discutir o mérito.
Deste modo, o sistema processual brasileiro inovou objetivando a produção antecipada de provas que visa a solução justa e célere da lide, sendo esta cabível antes da propositura da ação principal, quando houver justo receio que venha a se tornar impossível ou muito difícil a verificação e análise dos fatos e consequentes direitos no curso da ação (art. 381, inciso I, CPC) ou, ainda, quando sua produção possa viabilizar a autocomposição (art. 381, inciso II, CPC) ou evitar o ajuizamento de ação desnecessária caso as partes tomem suas conclusões de fato e de direito com a produção de prova (art. 381, inciso III, CPC).
Observa-se que, em sentido diverso do que exigia o Código de Processo Civil de 1973, o CPC/15 permite que haja produção antecipada de provas mesmo que ausente o caráter de urgência.
No Código de Processo Civil de 1973, a produção antecipada de provas era tida como ação cautelar, limitada ao objetivo de adiantar a produção da prova em razão da impossibilidade de se aguardar o momento adequado da produção da prova, sendo imprescindível a demonstração do caráter da urgência.
Além disso, sob a égide do CPC/73, o destinatário da produção de provas era o juízo, situação que se expandiu com o CPC/15, tornando as partes os principais interessados na obtenção de provas sólidas, uma vez que estas esclarecerão quais são as questões controvertidas.
Demonstrando a intenção do legislador em incluir as partes como principais destinatários da produção de provas, foi necessário dar maior liberdade na produção das provas, o que se observa no §3º, do art. 382, que determinou que as partes poderão requerer a produção de “qualquer prova”, vetando, somente, a demora nesta produção, a fim de não incorrer em prejuízo para a parte que pretende ajuizar ação para discutir seu direito.
Outra evidência de que, com o Código Civil de 2015, o legislador deixou de limitar o objeto das provas que serão antecipadas, foi ao possibilitar a produção antecipada de provas para além das situações de evidente urgência, isso porque, além do inciso “I”, os incisos “II” e “III”, poderão ser utilizados quando, independentemente de urgência, as partes desejam adiantar as questões que demandam prova em relação à matéria controvertida, demonstrando a intenção do legislador em promover a celeridade processual e priorizar a composição entre as partes.
O Código Civil de 2015 auferiu caráter de jurisdição voluntária à produção antecipada de provas, em razão de ser procedimento o qual as partes, que poderão estar de comum acordo, irão trazer toda matéria fática para que, posteriormente, esta seja valorada em ação contenciosa. Inclusive, os parágrafos 2º e 3º do art. 381, CPC, determinam que a valoração da prova será realizada pelo juiz da causa principal, de modo que, embora venha a ocorrer a lide, durante a produção antecipada de provas não haverá discussão sobre o mérito, conforme prevê o §2º, art. 382, CPC.
Logo, a produção antecipada de provas, nos termos do Código de Processo Civil de 2015, deve seguir as disposições positivadas constantes na Seção II do Capítulo XII. O art. 381 do CPC define, conforme explanado, em quais casos será admitida a ação de produção antecipada de provas, ao passo que o art. 382 trata da petição e procedimento que a produção antecipada de provas deverá observar.
Embora o § 4º do art. 382 tenha definido que não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário, a doutrina e a jurisprudência discutiram ao longo dos anos sobre as possíveis lacunas do determinado dispositivo. Isso porque, ainda que não haja valoração da prova produzida, questões de ordem pública e quanto ao cabimento e a realização da prova devem ser passíveis de recurso, sob pena de inconstitucionalidade de tal dispositivo.
Nesse sentido entende o professor Eduardo Arruda Alvim, ao aduzir que a disposição do art. 382, § 4º, trata de disposição de duvidosa constitucionalidade, uma vez que não se inviabiliza somente a possibilidade de recurso contra o indeferimento parcial da prova, mas “obstaculiza qualquer possibilidade de argumentação, no juízo da produção antecipada, sobre a (i)licitude e a (in)utilidade da prova.”4.
Se porventura a prova a se produzir seja tida como ilícita, entende-se que a restrição constante no parágrafo §4º, art. 382, CPC, causaria a perpetração de ofensa a direitos fundamentais de índole não apenas processual, mas também material, inviabilizando um bom deslinde de eventual ação.
Em razão disso, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 2037088/SP5, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que o contraditório não poderá ser totalmente vedado na hipótese de produção antecipada de prova, sob pena de ferir direitos fundamentais, entendendo-se pela impossibilidade de interpretação meramente literal do §4º do art. 382. Isso porque é evidente que os dispositivos legais devem estar em consonância com os princípios processuais da ampla defesa, da isonomia e do devido processo legal.
É possível observar que a produção antecipada de provas prevista sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 acompanha a intenção do legislador de promover a autocomposição das partes e a celeridade processual, inspirado no instituto do direito Norte-americano do discovery, uma vez que inovou em relação ao Código de Processo Civil de 1973, ao possibilitar a antecipação de prova sem urgência com objetivo de se conhecer e fixar as questões controvertidas.
Embora as vantagens da produção antecipada de provas sejam muitas, como meio de solução de conflitos e até mesmo estratégia para se averiguar as reais chances de discutir certa situação fática perante as matérias de direito, assim como no discovery, deve-se observar, também, eventuais desvantagens e desigualdades que poderão ocorrer entre as partes, a fim de evitar protelação com o ajuizamento de determinada demanda ou, ainda, a celebração forçosa de acordos.
É importante se atentar aos problemas práticos que podem surgir com o uso no caso concreto da produção antecipada de provas, uma vez que o Código de Processo Civil deixou de traçar os limites da produção de prova, acarretando situação semelhante à “guerra de discovery“, na medida em que a parte, com interesse meramente protelatório ou visando onerosidade da parte contrária, poderá influir com a demora na apresentação de provas, prejudicando a apreciação do direito.
Nesse sentido, tendo em vista que na ação de produção antecipada de provas o juiz não poderá fazer valoração da prova produzida ou que objetiva produzir, dificulta-se a pronúncia em relação a eventual prova inútil ou protelatória.
Diante dos benefícios que poderão ser auferidos às partes em relação ao acesso aos riscos e chances de ganho em determinado processo, o instituto da produção antecipada de provas auxiliará na celeridade processual, inclusive possibilitando os requisitos necessários em ação de execução de título extrajudicial, por exemplo.
Portanto, ainda que a doutrina e a jurisprudência venham trabalhando em favor de preencher lacunas e incertezas em relação ao procedimento da produção antecipada de provas, é possível observar o avanço da liberdade das partes, bem como de sua participação ativa do processo, em consonância com a essência do Código de Processo Civil de 2015, não deixando tudo ao cargo do juízo e com isso facilitando que a lide seja finalizada com uma decisão satisfatória.
- CAMBI, Eduardo; PITTA, Rafael Gomiero. Discovery no processo civil norte-americano e efetividade da justiça brasileira – Revista de Processo | vol. 245/2015 | p. 425 – 444 | Jul / 2015 ↩︎
- KANE, Mary Kay. Civil procedure in a nutshell. 4. ed. St. Paul: West Publishing Co., 1996. p. 127-128 ↩︎
- CAMBI, Eduardo; PITTA, Rafael Gomiero. Discovery no processo civil norte-americano e efetividade da justiça brasileira – Revista de Processo | vol. 245/2015 | p. 425 – 444 | Jul / 2015 ↩︎
- ALVIM, Eduardo. A. Direito processual civil. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. 9788553611416. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553611416/. Acesso em: 12 dez. 2021. ↩︎
- REsp n. 2.037.088/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 13/3/2023 ↩︎