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A impossibilidade de extensão de plano de saúde instituído por ACT/CCT para beneficiário não contemplado pela norma coletiva
O salário é a contraprestação paga pelo empregador ao empregado pelos serviços laborais prestados, ou por ter permanecido à disposição do empregador. Já a remuneração é composta por todas as parcelas pagas ao trabalhador, sejam elas de natureza salarial ou não, como, por exemplo, o 13º salário, as férias acrescidas do texto constitucional, os depósitos fundiários etc.
A Consolidação das Leis do Trabalho define, no seu art. 457, que a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, será composta das gorjetas que receber.
O parágrafo segundo do art. 457, da CLT, alterado pela Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), cuidou de consignar que as importâncias pagas ao empregado, ou disponibilizadas pelo empregador, como ajuda de custo, auxílio-alimentação, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do trabalhador, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário, ainda que pagas habitualmente.
Além do salário em dinheiro, que corresponde à contraprestação pelo serviço prestado pelo empregado ao empregador, existe também o salário utilidade (in natura), como a alimentação, a habitação e outras benesses concedidas pelo patrão.
O art. 458, § 2º, da CLT prevê, ainda, uma série de “utilidades” que não serão consideradas como salário, como (i) vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; (ii) educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático; (iii) transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; (iv) assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; (v) seguros de vida e de acidentes pessoais; (vi) previdência privada; e (vii) vale-cultura.
Portanto, de acordo com a CLT, esses benefícios não aderem ao contrato de trabalho e não se incorporam ao patrimônio jurídico do trabalhador.
No caso de plano de assistência médica, hospitalar e odontológica, não há lei que obrigue o seu fornecimento pelo empregador, sendo essa uma faculdade do patrão, muitas vezes disponibilizada por meio de normativo interno empresarial, ou por força de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho.
Em qualquer dos casos, por se tratar de negócios jurídicos benéficos aos trabalhadores, devem ser interpretados estritamente, seguindo a determinação contida no art. 114 do Código Civil.
Logo, as cláusulas do contrato de trabalho, do normativo interno ou do Acordo ou Convenção Coletiva que tratem de plano de saúde empresarial, não comportam outra interpretação que não a literal.
A discussão que passou a ser colocada recentemente na Justiça do Trabalho diz respeito à pretensão dos empregados em inserir pessoas no plano de saúde empresarial disponibilizado pelo empregador, mesmo que não sejam seus respectivos dependentes e não haja amparo na legislação, nas normas regulamentadoras e nas normas coletivas da categoria.
Foi em decorrência dessas circunstâncias que o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região proveu o recurso ordinário patronal para reformar a sentença que havia estendido os benefícios do plano de saúde empresarial para beneficiário não contemplado pela norma coletiva – no caso, enteada que não estava sob a guarda ou a tutela do trabalhador – julgando improcedente a reclamatória trabalhista.
No acórdão do processo nº 1000939-63.2024.5.02.0026, situação mencionada acima, a 16ª Turma do TRT-2 consignou que “as normas de autocomposição devem ser privilegiadas, prevalecendo, inclusive, sobre a lei posta (Tema 1.046), não cabendo ao Poder Judiciário estender direitos a beneficiários não contemplados (art. 8º, § 3º da CLT).”
Com efeito, o artigo 8º, § 3º, da CLT, preconiza o princípio da intervenção mínima do Estado na autonomia da vontade coletiva e a prevalência do negociado sobre o legislado em matéria de regulamento empresarial.
Ressalte-se por oportuno, que as negociações coletivas foram elevadas a nível constitucional, sendo inclusive obrigatória a participação do ente sindical nas respectivas negociações (art. 7º, inciso XXVI, e 8º, inciso VI, da Constituição Federal), com o que referido instrumento torna efetiva e vital a representatividade sindical perante a classe trabalhadora, sempre visando à melhoria da qualidade de vida e de meio ambiente do trabalho.
Assim, ninguém melhor que os próprios trabalhadores, representados pelos respectivos sindicatos de classe, para saber o que é melhor para a sua categoria. Deve ser privilegiado o princípio da autonomia coletiva, como pilar dos direitos básicos dos trabalhadores.
Foi esse o contexto da edição do Tema 1.046 pelo Supremo Tribunal Federal, em que restou definida a tese de que são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
O entendimento do TRT-2, aliás, é aquele tem se consolidado na Justiça do Trabalho:
INCLUSÃO DE DEPENDENTE EM PLANO DE SAÚDE – ACORDO COLETIVO DE TRABALHO – MANUAL INTERNO. Os instrumentos coletivos acostados especificam que o plano de saúde para os empregados da empresa reclamada deverá seguir as especificações constantes dos manuais normativos da Caixa, sendo certo que a parte reclamante não cumpriu as determinações. (TRT-9 RO 0000013-55.2013.5.09.0652. Rel. Des. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos. 6ª Turma. Julgamento: 28/10/2015.)
Considerando o princípio da intervenção mínima do Estado insculpido no art. 8º, § 3º da CLT, e o estabelecido no art. 611-A da CLT quanto à prevalência do negociado sobre o legislado, tem-se por absolutamente legal a cláusula normativa que impõe regras para a inclusão de dependentes no plano de saúde empresarial fornecido aos empregados (além das regras que restam estabelecidas, inclusive, pelas próprias operadoras de planos de saúde).
É importante esclarecer que o próprio Tribunal Superior do Trabalho considera válida norma coletiva que restringe plano de saúde. Esse é o entendimento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (E-ED-RR -122540-83.2006.5.04.0202), de que é possível limitar o oferecimento de plano de saúde empresarial aos aposentados, ao argumento de que “a cláusula normativa pode ser suprimida ou ter o seu alcance reduzido mediante norma coletiva superveniente”.
A prestação dos serviços de saúde a todo o público é dever do Estado (art. 195 e seguintes da Constituição Federal). Assim, em se tratando de empresa privada, que contribui apenas de forma complementar ao sistema de saúde (art. 199 da CF), devem ser observados estritamente os limites das relações contratuais previamente estabelecidas.
Enquanto o serviço público de saúde é sustentado mediante imposições tributárias e prestado nos limites das leis e normas editadas pelo próprio Poder Público, o serviço complementar da iniciativa privada tem fundamento estritamente contratual (art. 199, § 1º, da CF) e tem o dever de respeitar o seu equilíbrio econômico-financeiro, tal como lhe é determinado pelos arts. 9º, § 4º, 24 e 35-A, inciso IV, alínea “d” da Lei nº 9.656/1998, sem qualquer recurso a fundos públicos (art. 199, § 2º da CF).
Não há texto de lei que imponha ao empregador o dever de suportar os custos do plano de saúde aos empregados, muito menos para pessoa que não seja dependente do empregado.
Nesse mesmo sentido, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, na Resolução Normativa nº 557/2022, dispõe sobre a contratação de plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial e a sua extensão aos sócios, administradores, colaboradores ativos e inativos e grupos familiares. Eis o teor do seu art. 5º:
Art. 5º Plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária.
1º O vínculo à pessoa jurídica contratante poderá abranger ainda, desde que previsto contratualmente:
I – os sócios da pessoa jurídica contratante;
II – os administradores da pessoa jurídica contratante;
III – os demitidos ou aposentados que tenham sido vinculados anteriormente à pessoa jurídica contratante, ressalvada a aplicação do disposto no caput dos artigos 30 e 31 da Lei nº 9.656, de 1998;
IV – os agentes políticos;
V – os trabalhadores temporários;
VI – os estagiários e menores aprendizes; e
VII – o grupo familiar até o terceiro grau de parentesco consanguíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade, cônjuge ou companheiro dos empregados e servidores públicos, bem como dos demais vínculos dos incisos anteriores.
2º O ingresso do grupo familiar previsto no inciso VII do §1º deste artigo dependerá da participação do beneficiário titular no contrato de plano privado de assistência à saúde.
Por melhor e mais nobre que seja a intenção de se estender o plano de saúde empresarial por pessoa não abarcada por norma coletiva, não se pode transbordar os limites das normas aplicáveis (Acordos ou Convenções Coletivas, resoluções normativas da agência reguladora e legislação federal) para se impor à empresa que o emprega o ônus de suportar encargos além daqueles pelos quais se obrigou perante os seus empregados e verdadeiros dependentes.
Na hipótese de o plano de saúde empresarial ser instituído por norma coletiva, a interpretação literal e restritiva dos seus termos é medida que se impõe, especialmente diante do entendimento firmado Supremo Tribunal Federal no Tema 1.046. Assim, não comporta a extensão do plano de saúde às pessoas não elencadas nas respectivas cláusulas do Acordo ou da Convenção Coletiva de Trabalho, sob pena de invalidar toda a negociação coletiva e a vontade manifesta dos atores coletivos – representantes da classe econômica e profissional.
O enfraquecimento dessas negociações coletivas com a tentativa de flexibilizar as suas cláusulas, ao seu turno, implica em afronta ao texto constitucional, que nos arts. 7º, inciso XXVI, 8ª, inciso VI e 10, eleva a participação dos órgãos representativos das categorias nas negociações coletivas ao patamar de direito fundamental.
Assim, respeitando a vontade das partes, os preceitos constitucionais e as normas coletivas e regulamentadoras, a conclusão a que se chega é que os beneficiários do plano de saúde, enquanto dependentes dos empregados, serão apenas aqueles previstos nas normas que instituem o benefício.
Autor: Leonardo Vasconcelos Lins Fonseca