A execução extrajudicial em contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI)  

A retomada de imóvel por meio de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária do imóvel pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) é expressamente autorizada pela Lei nº 9.514, de 1997. No entanto, essa temática tem gerado discussões nos tribunais brasileiros, incitando reflexões acerca da sua conformidade com os princípios constitucionais, em vista de suposta violação aos princípios devido ao processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.  

Diante disso, a constitucionalidade desse procedimento foi objeto de debate (definitivo) no Supremo Tribunal Federal no âmbito de recurso extraordinário n° 860.631, submetido à sistemática da repercussão geral, em que o mutuário questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que declarou válida a execução extrajudicial prevista na Lei nº 9.514, de 1997, sem que haja a necessidade de decisão judicial. 

Como já se adiantou, a discussão é feita frente às garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, insculpidos no art. 5º, incisos XXXV, XXXVII, LIV e LV, da Constituição de 1988, na medida em que permite ao credor fiduciário a execução do patrimônio do devedor sem a participação, a priori, do Poder Judiciário. 

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal conheceu do referido recurso extraordinário e negou-lhe provimento, fixando a seguinte tese (Tema 982 da repercussão geral): “É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.  

A fixação da tese foi uma construção que harmoniza os imperativos do Sistema Financeiro Nacional com os alicerces constitucionais, sendo feita em atenção às facetas intricadas do tema que envolvem não somente aspectos legais, como também questões econômicas, conforme será explorado a seguir.  

A relevância das atividades desempenhadas pelos bancos e a importância de se garantir segurança jurídica aos contratos 

Os bancos exercem a atividade de intermediação financeira que viabiliza e concretiza a conjunção de interesses e necessidades dos agentes econômicos, fazendo confluir, em tempo, volumes e preços, os fluxos de recursos daqueles que acumulam poupança (agentes superavitários) para os que deles necessitam para a realização das suas atividades (agentes deficitários). 

Atuando e obrigando-se em nome próprio, o intermediário financeiro assume a relação de risco decorrente da alocação dos recursos dos poupadores, sujeitando-se, por isso, com exclusividade, à sorte das operações de crédito que realiza. 

Exatamente em razão dessa circunstância, o exercício das correspondentes atividades é fortemente regulado pelo Estado. A intervenção normativa na atividade bancária decorre da necessidade de se fixarem critérios e parâmetros eficazes de verificação de riscos, com o objetivo de se assegurar a solvência das instituições financeiras e de se preservar a confiança e a estabilidade jurídica daqueles que com elas se relacionam. 

As operações de crédito integram o núcleo das atividades bancárias, vistas na dimensão relativa à alocação dos recursos captados junto ao público.  

Em termos globais, no entanto, refletem um sofisticado exercício de projeções por meio do qual a instituição financeira modula volumes, prazos e preços para assegurar-se de que disporá, ao longo da realização das suas atividades, de recursos suficientes a restituir e remunerar, com estrita observância das condições contratadas, sem riscos ou dificuldades anormais, as importâncias relativas aos resgates de depósitos e investimentos feitos por seus clientes. 

A atividade de intermediação realizada pelos bancos se vê fortemente afetada, portanto, não só pelos comportamentos não previstos dos agentes econômicos com os quais diretamente se relaciona, mas também por todos os eventos que possam repercutir na exatidão dessas estimativas e na execução regular dos contratos, inclusive por decorrência de discussões judiciais capazes de retirar do conjunto das operações de crédito o indispensável equilíbrio (em termos de volume, prazo e custos) entre operações ativas e passivas de um modo geral. 

A análise das relações jurídicas estabelecidas no âmbito do sistema financeiro deve ser feita, pois – como, aliás, se verifica na generalidade das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores – a partir do regramento específico a que se sujeita esse sistema, e não de outro, de caráter geral. 

Diante disso, a segurança jurídica, consubstanciada na certeza de que as normas incidentes sobre as operações financeiras serão observadas, reduz o chamado risco legal, ou risco de desvalorização de ativos ou de valorização de passivos em intensidade inesperada perante mudanças na legislação ou regulação bancária, rumos de uma demanda judicial, parecer ou orientação de cunho legal. 

Com efeito, incertezas quanto à forma de aplicação de normas jurídicas e à legalidade das operações bancárias pactuadas (ou de cláusulas específicas) elevam a exposição dos entes financeiros ao referido risco e, no limite, acabam por encarecer o custo da intermediação bancária, em prejuízo da alocação ótima dos recursos na economia como um todo e, atrelado a isso, em detrimento dos interesses da sociedade em geral. Em outras palavras:o crédito fica mais caro para todos, o que significa que muitos deixam de a ele ter acesso. 

Nessa perspectiva, evidencia-se que certamente a eventual alteração dessa modalidade de excussão de garantias, afastada pelo Supremo Tribunal Federal, determinaria real impacto no custo das operações de crédito em geral.  

A importância econômica do procedimento de execução extrajudicial da garantia de alienação fiduciária previsto na Lei nº 9.514, de 1997

O Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), instituído pela Lei nº 9.514 de 1997 (aperfeiçoado pela Lei nº 10.931 de 2001 e alterado pela Lei nº 11.076 de 2004), inaugurou a possibilidade da constituição de alienação fiduciária em garantia sobre bens imóveis no Brasil, que, conforme dispõe o art. 22 dessa Lei, “é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.” 

Como se sabe, a alienação fiduciária (de bens imóveis, no caso) é uma espécie de garantia de crédito na qual o devedor (fiduciante), sendo proprietário de um bem imóvel, aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia, ficando o credor com a propriedade deste imóvel até que seja satisfeita a obrigação. Nesse cenário, em razão da constituição da propriedade, o credor fiduciário passa a ter a posse indireta do bem, enquanto o devedor fiduciante permanece com a posse direta, na qualidade de depositário. 

É válido lembrar que a alienação fiduciária surgiu justamente com o objetivo de se ter uma forma de garantia de crédito mais eficiente, tendo em vista que ao contrário de outras garantias, por exemplo, a garantia hipotecária, o credor não possui a posse direta do bem.  

Além disso, em busca de se conferir maior proteção ao crédito concedido nos contratos de mútuo firmados no âmbito do SFI, é que a Lei nº 9.514, de 1997, estabeleceu, no caso de inadimplência, o procedimento de execução da alienação fiduciária pela via extrajudicial, visando à celeridade e à efetividade na recuperação do crédito. 

Tendo em vista a finalidade assecuratória dos direitos do credor, a alienação fiduciária e o respectivo procedimento de execução extrajudicial possuem uma razão econômica de ser, notadamente no que tange à possibilidade de recuperação do crédito de forma célere, eficiente, e com custos mais reduzidos para o credor quando verificada a inadimplência do devedor. 

Intui-se, por certo, que qualquer mudança na forma de excussão da garantia (pelo procedimento extrajudicial), ao reduzir a perspectiva de recuperação do crédito mutuado ou mesmo o custo dessa recuperação, influenciará diretamente o preço das operações, em vista do inexorável descasamento entre as operações de captação e as de alocação dos recursos captados, exatamente pelo incremento do fator “tempo” e do custo judicial de recuperação, impactando, assim, de forma direta no “risco” da operação. 

Sendo o risco um dos componentes da formação dos juros cobrados nas operações de crédito, é certo que esse aumento terá o efeito direto de determinar o aumento das taxas, de forma a prejudicar, ao final, aquele tomador que cumpre ordinariamente as suas obrigações e que viu, na modalidade contratada, a oportunidade de tomar recursos em condições favoráveis segundo a sua análise.  

Para além das incertezas no plano abstrato que, por si só, elevam o risco de crédito dos entes financeiros, por influenciarem nas projeções das operações de crédito, cumpre ressaltar que a insolvência no âmbito do Sistema Financeiro Nacional é uma realidade marcante no Brasil.  

Nesse cenário, justamente para evitar que esses prejuízos decorrentes da insolvência sejam repassados aos bons pagadores, por meio do incremento do spread bancário, é que se deve prestigiar formas eficientes de garantia do crédito, tal como a possibilidade de execução extrajudicial da garantia de alienação fiduciária.   

Verifica-se, pois, que a elevação do risco e, consequentemente, o aumento das taxas praticadas nas operações de crédito, tem o condão de dificultar ou até mesmo inviabilizar a obtenção de crédito pelos mutuários. 

Assim, confirmando as premissas macroeconômicas do microssistema que envolve o Sistema Financeiro Imobiliário, andou muito bem o Supremo Tribunal Federal que ratificou a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial previsto na Lei nº 9.514, de 1997, enquanto relevante instrumento utilizado nas operações de crédito, ainda mais porque tal sistema contribui para a diminuição dos riscos que lhes são ínsitos, porque representa a possibilidade de o mutuante, diante da inadimplência do devedor, recuperar o crédito de forma célere, eficiente e com baixo custo (em se comparando com o processo judicial), com impacto direto, como se vê, no volume de recursos alocados nesse mercado com taxas de juros reduzidas, em se comparando com a generalidade dos mútuos bancários. 

A garantia do acesso ao poder judiciário, o contraditório e o amplo exercício do direito de defesa nos procedimentos de execução extrajudicial na consolidação da propriedade fiduciária, nos termos da Lei nº 9.514, de 1997

Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 860.631, o STF acabou por reconhecer quer o procedimento de execução extrajudicial da garantia de alienação fiduciária não viola, de forma alguma, as garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do juiz natural, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, insculpidos no art. 5º, incisos XXXV, XXXVII, LIV e LV da Constituição de 1988. 

Com efeito, dispõe a Lei nº 9.514, de 1997, que, vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, o fiduciário deverá abrir prazo ao devedor para purgação da mora, por meio de notificação a ser efetivada pelo Oficial do Registro de Imóveis (art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514, de 1997), sendo exigível a notificação pessoal do devedor-fiduciante ou do seu representante legal (art. 26, § 3º). 

Expirado o prazo e não tendo o devedor fiduciante purgado a mora, dar-se-á a consolidação da propriedade no patrimônio do fiduciário, mediante averbação no Registro de Imóveis (art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997).  

Ato seguinte, nos trinta dias que se seguirem à consolidação da propriedade, o fiduciário deverá oferecer o imóvel a venda em dois leilões públicos extrajudiciais. No primeiro, pelo valor que as partes tiverem estabelecido no contrato para esse fim (art. 27, § 1º c/c art. 24, inciso VI, da Lei nº 9.514, de 1997) e, no segundo, pelo valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais (art. 27, § 2º). 

Se o produto da venda exceder à satisfação do seu crédito, esse quantum excedente deverá ser entregue ao fiduciante (art. 27, § 4º, da Lei nº 9.514, de 1997). Por outro lado, se o produto não bastar para o resgate integral da dívida ou se não houver licitantes, o fiduciário, já tendo a propriedade consolidada, conservará a titularidade plena em seu patrimônio, mas não poderá cobrar do devedor o saldo remanescente; ao contrário, terá que dar quitação ao devedor, considerando-se extinta a dívida (art. 27, § 5º). 

Assim, verifica-se que o legislador cuidou de mitigar os efeitos negativos que a atribuição da propriedade resolúvel ao credor pudesse causar ao devedor e, nesse sentido, libera-o da responsabilidade pelo pagamento do eventual saldo da dívida, afastando a possibilidade de constrição de outros bens do seu patrimônio caso não se alcance, no leilão, valor suficiente para cobrir o crédito do fiduciário. 

Nesse cenário, em relação à reversão ou à consolidação da propriedade, basta que se verifique o evento para que se produzam seus efeitos de pleno direito, independentemente de intervenção judicial. Assim, ao determinar a averbação do evento que opera a reversão ou a consolidação no Registro de Imóveis, a Lei está apenas formalizando os efeitos naturais da condição resolutiva. 

É evidente que não há nenhuma exigência, em nível constitucional ou infraconstitucional, de intervenção judicial na sistemática. Veja-se, contudo, que isso não significa que não seja possível a intervenção judicial, caso seja de interesse de uma das partes. Muito pelo contrário, isso é plenamente possível em todas as etapas do procedimento executório e, inclusive, após o seu término. 

Assim, com base nessas premissas, o plenário do STF (por maioria) entendeu que, ao não falar em violação à garantia da inafastabilidade de jurisdição, tampouco à garantia do juiz natural, pois, em que pese a consolidação ou a reversão da propriedade se operar de pleno direito por força de Lei, é assegurado às partes o direito de recorrer ao Poder Judiciário caso se verifique que o procedimento tenha sido maculado por alguma ilegalidade. 

Em relação aos postulados da ampla defesa e do contraditório, entendeu-se que também se encontram amparados pela possibilidade de reação, a partir do momento em que a parte toma ciência (ciência pessoal e inequívoca, frise-se, a teor do art. 26, § 3º, da Lei nº 9.514, de 1997) de algum ato que lhe seja desfavorável.  

Assim, a notificação, por si só, não provoca lesão ao direito do devedor, nem ofende o princípio do direito de ação. Antes, exprime a informação inequívoca que possibilita ao devedor opor sua resistência se, eventualmente, houver lesão ou ameaça de lesão ou, em outras palavras, possibilita ao devedor deflagrar o contraditório e garantir sua ampla defesa mediante acesso à tutela jurisdicional. 

Vale ressaltar que, em qualquer das modalidades extrajudiciais de cobrança e leilão, há garantia dos meios de defesa do devedor. Para tanto, é admissível o deferimento de tutelas provisórias que, à vista da detecção de alguma ilegalidade no procedimento extrajudicial, ou mesmo no bojo do contrato de financiamento, determinam a interrupção do procedimento, inclusive com a sustação da realização ou dos efeitos do leilão extrajudicial.  

Nessa esteira, cumpre observar que, havendo alguma irregularidade no procedimento de execução, o fato de as partes necessitarem recorrer ao Judiciário, por meio de ação autônoma, para exercerem o contraditório e a ampla defesa, não implica qualquer violação a essas garantias constitucionais.  

Afinal, mesmo no processo de execução judicial, o devedor é chamado apenas para o cumprimento do título executivo e não mais para contestar o direito nele expresso. Nessa hipótese, mesmo em se tratando de execução judicial, a instauração do contraditório, bem como o exercício do direito de ampla defesa garantido pela Constituição, também depende da iniciativa do próprio devedor, mediante a propositura da ação autônoma de embargos à execução ou de impugnação ao cumprimento de sentença caso se trate de título judicial. 

Por essas razões, resta afastada, nos moldes do que reconheceu o STF, a possibilidade de o procedimento de excussão extrajudicial da garantia fiduciária representar qualquer violação ao contraditório, à ampla defesa, à inafastabilidade de jurisdição ou ao princípio do juiz natural, porquanto a parte poderá, por meio de ação autônoma, sempre recorrer ao Poder Judiciário a qualquer momento, se for de seu interesse e caso se verifique lesão ou ameaça de direito no procedimento de execução previsto na Lei nº 9.514, de 1997, semelhante ao que ocorre na execução judicial. 

Nessa mesma linha, em coerência como o que se decidiu, há de se recordar que pelo menos por duas décadas, mutatis mutandis, o STF vem ratificando seu posicionamento pela constitucionalidade dos procedimentos extrajudiciais relacionados ao Decreto-Lei nº 70, de 1966, cuja ratio se aplica, analogicamente, para o caso aqui tratado. Veja-se, a propósito, o entendimento assentado no julgamento do RE 223.075/DF: 

EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DECRETO-LEI Nº 70 DE 1966. CONSTITUCIONALIDADE.  

Compatibilidade do aludido diploma legal com a Carta da República, posto que, além de prever uma fase de controle judicial, conquanto a posteriori, da venda do imóvel objeto da garantia pelo agente fiduciário, não impede que eventual ilegalidade perpetrada no curso do procedimento seja reprimida, de logo, pelos meios processuais adequados. Recurso conhecido e provido.”  

(STF; RE 223.075/DF; Relator (a): Ministro Ilmar Galvão; Órgão Julgador: 1ª Turma; Data do Julgamento: 23/06/1998; Data de Publicação: 06/11/1998) 

É inequívoca a franca possibilidade de o devedor poder, a qualquer instante, valer-se da faculdade de ingressar em juízo para discutir quaisquer ilegalidades do contrato, sendo certo, ademais, que a retomada da posse do imóvel alienado necessariamente será feita por processo judicial, onde mais uma vez poderá o devedor exercer todas as oposições que entender cabíveis, restando demonstrado o pleno atendimento aos princípios constitucionais do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório e da ampla defesa, bem como dos institutos da unidade da jurisdição e do juiz natural. 

O incentivo da legislação processual aos meios de composição extrajudicial dos conflitos

Firmada, pois, a constitucionalidade formal do processo de execução extrajudicial da garantia de alienação fiduciária, vale refletir que, também sob o aspecto da análise econômica do processo civil, poderia se cogitar da sua constitucionalidade para justificar a inexigência da plena judicialização do processo desde a sua origem.  

Nesse cenário, verifica-se que a via da execução, judicial ou não, é uma opção legislativa, tomada diante dos anseios da sociedade e da peculiaridade do direito cuja efetividade se persegue, alinhando-se, dessa forma, fatores formadores da própria relação econômica.  

Nesse ponto, vale a referência ao apontamento de Feliciano Alcides Dias acerca da atual crise vivenciada pelo Poder Judiciário e como ela tem sido tratada pelo ordenamento jurídico, exatamente no rumo à desjudicialização da solução dos conflitos: 

“Com a explosão da litigiosidade que ainda estigmatiza a sociedade brasileira  contemporânea, aliada com a morosidade e custos dos processos, burocratização da justiça e mentalidade dos juízes, que tem comprometido o aperfeiçoamento do aparato judiciário e da administração da Justiça, a par da perda de eficiência e prestígio dos serviços judiciários estatais, que comprometem a credibilidade do Poder Judiciário, o nosso ordenamento jurídico tem procurado alterar esta cultura demandista mediante outros meios compositivos, rumo a desjudicialização do conflito e, por conseguinte, do processo, a exemplo, da Justiça de Paz, de utilidade nas questões de família, casamento e de vizinhança (artigo 98, II, CF/88); Justiça Desportiva (artigo 217, § 1º, CF/88); atribuição aos Tabeliães para realizarem através de escritura pública, separações e divórcios consensuais e inventários com herdeiros maiores e sem litígio (Lei nº. 11.441/2007 e Resolução CNJ 35/2007), além de outras modalidades auto e heterocompositivos (…) (DIAS, 2015, p. 197). 

Nesse mesmo espírito, vale destacar que o próprio CPC de 2015 nitidamente favorece a composição pré-judicial dos conflitos. Tanto assim o é que, já em seu início, escancarou-se a possibilidade da utilização de outros meios de composição de litígios, inclusive pelo protagonismo do próprio Estado, que deverá promover “a solução consensual dos conflitos” e o estímulo formal para “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos” (art. 3°, do CPC).  

Importante notar que a ideia trazida pela mediação, conciliação e, principalmente, da arbitragem, é conferir às partes a possibilidade de, por meio do exercício da autonomia de vontade, solucionarem o litígio sem que isso dependa estritamente do Poder Judiciário.  

O que se verifica da análise desses institutos é, portanto, que o Estado, detentor do monopólio da atividade jurisdicional, reconhecendo a sua ineficácia para exercê-la sozinho, com recursos próprios, em um tempo razoável, possibilita e incentiva que as partes satisfaçam o seu direito no âmbito privado, cujos custos serão por elas suportados, sendo o procedimento mais célere e compatível com a tutela de direitos que se pretende, sendo certo que sempre caberá ao Poder Judiciário, repita-se uma vez mais, a palavra final quanto à observância aos aspectos formais. 

Sob a ótica econômica, é preciso também se ter em conta que, em vista da finalidade assecuratória dos direitos do credor, a alienação fiduciária em garantia e o respectivo procedimento de execução extrajudicial possuem uma razão de ser, notadamente no que tange à possibilidade de recuperação do crédito de forma célere, eficiente e com custo inferior, quando verificada a inadimplência do devedor, o que, obviamente, representa impacto direto no custo da operação em favor dos mutuários, já que a sua precificação toma em conta a qualidade da garantia prestada e o tempo de recuperação do crédito. É um verdadeiro “ganha-ganha” para as partes envolvidas. 

A escolha pela alienação fiduciária é, também, do próprio devedor fiduciante, que, em busca de uma taxa reduzida de juros, anui com a sua sujeição aos procedimentos previstos no caso de inadimplência. Qualquer alterar-se dessa correlação que justifica a redução do risco bem como a redução das taxas praticadas importará em impacto nas operações do Sistema Financeiro Imobiliário, com perdas certas para todas as partes envolvidas. 

Exatamente por isso, sob uma análise da perspectiva econômica do processo, justifica-se, ainda mais, a possibilidade de execução extrajudicial da garantia de alienação fiduciária. 

Cotejando o volume de financiamentos diariamente contratados pelas inúmeras instituições integrantes do Sistema Financeiro Imobiliário com as discussões decorrentes da execução do contrato que são efetivamente judicializadas, percebe-se que, exatamente nessa perspectiva econômica, não se justifica a inversão do processo de execução extrajudicial para transformá-lo, desde o início, em processo judicial, cujas partes podem não querer acessar. 

Estarão submetidas ao Poder Judiciário somente as situações em que uma das partes efetivamente vislumbre alguma afronta a direito subjetivo seu. A rigor, essa racionalidade não apenas não viola a primazia da inafastabilidade de jurisdição, como postula em favor da ampliação do acesso à justiça, porquanto permite que os recursos do Estado sejam direcionados para aquelas demandas em que há o real sentimento, por parte do jurisdicionado, de lesão ou efetivo perigo de lesão ao seu direito. 

Por todo o exposto, não restam dúvidas de que o processo de execução extrajudicial da garantia fiduciária é um procedimento hábil a conferir celeridade e eficiência na recuperação do crédito na hipótese de inadimplemento do devedor, sem que sejam violadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditória, da inafastabilidade de jurisdição e do juiz natural, sendo justificável, portanto, também sob a ótica da perspectiva econômica do processo judicial, a sua manutenção, sobretudo porque atende ao novel primado da ordem processual da desjudicialização e da composição extrajudicial dos conflitos.  

Conclusão 

Restou evidente que a Lei nº 9.514, de 1997, ao estabelecer a possibilidade de alienação fiduciária de bens imóveis e o procedimento de execução extrajudicial dessa garantia, criou importantes mecanismos para a segurança das operações imobiliárias, sobretudo em relação à higidez das garantias e celeridade, com baixo custo, da recuperação do crédito inadimplido, o que garantiu importante redução das taxas históricas de juros, sensível incremento no volume dos financiamentos imobiliários e significativo fomento do setor da construção civil.  

O fato de a consolidação da propriedade fiduciária se dar na forma extrajudicial 

 não significa que o procedimento não garanta o contraditório ao devedor fiduciante e que não estaria sujeito ao controle judicial, antes, durante ou após a sua conclusão, sendo plenamente possível ao devedor fiduciante o acesso ao Poder Judiciário e o amplo exercício do seu direito de defesa.  

Ademais, é incontestável que a legislação processual contemporânea favorece os meios de composição extrajudicial dos conflitos, sendo certo que a eventual exigência de a execução dos contratos imobiliários com alienação fiduciária em garantia se dar exclusivamente na forma judicial contraria a própria perspectiva da análise econômica do processo civil, razão pela qual o STF, no julgamento do RE nº 860.631, andou muito bem ao reconhecer a constitucionalidade do instituto e do procedimento. 

Diante da análise desses aspectos, evidencia-se a relevância da matéria, tendo em vista que a eventual declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados, afetará, de forma imediata, todos os contratos de financiamento imobiliário com garantia de alienação fiduciária até então celebrados pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, o que acarretaria mudanças significativas da sistemática estabelecida há anos.  

Assim, o reconhecimento da constitucionalidade é elemento imprescindível para a estabilização dos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, regidos pela Lei n° 9.514, de 1997. 

Autor: Gustavo César de Souza Mourão

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