Trade Dress: Proteção pelo ordenamento jurídico brasileiro 

Atualmente, o “conjunto-imagem” de determinado bem ou produto disponível aos consumidores nos mais variados mercados de consumo é protegido pelo Estado brasileiro, apesar de tratar-se de um conceito importado do direito estrangeiro (trade dress), o que significa que este não possui previsão legal expressa no ordenamento jurídico do país, mas que vem se construindo na jurisprudência e na doutrina pátria como um verdadeiro limite à atividade empresarial.  

Livre Iniciativa 

A Constituição Federal, em seu artigo 170, determina que a ordem econômica nacional se funda “na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, com a finalidade de “assegurar a todos existências digna”, devendo ser observado, entre outros, o princípio da “livre concorrência” (inciso IV).  

Nesse sentido, cabe citar SZTAJN, para o qual “a liberdade de iniciativa qualifica uma economia como de mercado, para o que a livre concorrência é um dos limites” 1, como forma de assegurar que haja sempre as melhores condições de maneira que se realize um sistema de concorrência perfeita nos mercados, sendo que, neste sentido, “concorrência” corresponde a um conjunto de relações sociojurídicas entre empresas que disputam entre si a preferência dos consumidores. 

Concorrência ilícita ou desleal 

Portanto, o  objetivo do legislador em proteger a livre concorrência é assegurar o direito isonômico às diversas empresas concorrentes de disputarem entre si a preferência dos consumidores, sendo que a chamada concorrência ilícita ou desleal – quando os concorrentes empregam métodos abusivos e ilegais para concorrerem entre si – é considerado um dos possíveis desvios da atividade empresarial, os quais  devem ser coibidos e punidos, caso ocorram, para permitir o pleno desenvolvimento dessa atividade e, assim, assegurar a almejada livre iniciativa e livre concorrência. 

Essa concorrência desleal, conforme entendeu o legislador, é capaz de produzir danos exclusivamente ao empresário que é vítima daquele que pratica a conduta ilícita e é na Lei nº 9.279/1996 (LPI) que se encontram as práticas empresariais expressamente tipificadas como crime de concorrência desleal, especificamente em seus artigos 195 e 209, tais como usar “expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imitar, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos” e “criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio”. 

 Já o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, que estrutura o sistema brasileiro de defesa da concorrência, apresenta um rol exemplificativo de condutas que são consideradas infrações contra a ordem econômica que fora prestigiada e protegida pela Constituição Federal; sendo assim, pode-se afirmar que condutas que  ameaçam a própria estrutura econômica de mercado e não “somente” o empresário que é vítima direta daquele que pratica a conduta ilícita, tais como “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa” e “exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade industrial, intelectual, tecnologia ou marca”. 

Conceito de signo ou sinal distintivo  

Uma empresa possui uma série de bens materiais e imateriais que são indispensáveis ao seu desenvolvimento econômico, tais como as suas mercadorias, maquinário, técnica industrial, tecnologia e os chamados sinais distintivos, que são utilizados pelos empresários “para identificarem e diferenciarem a si mesmos, seus produtos e seus serviços dos inúmeros concorrentes existentes no mercado” 2, seja se utilizando de meios fonéticos, seja se utilizando de meios visuais. 

Nesse sentido, pode-se afirmar que esses são os sinais distintivos que garantem a concorrência no mercado, pois são o que permitem a diferenciação entre os concorrentes perante os consumidores, assegurando, portanto, a efetividade da livre iniciativa e da própria livre concorrência, o que justifica a proteção constitucional assegurada a eles: 

Art. 5º […] XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico do país. 

Posteriormente, com a LPI, o legislador assegurou proteção “à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos”, tal como previsto na Constituição Federal. No ordenamento jurídico brasileiro, portanto, os sinais distintivos são protegidos pela propriedade intelectual (bens imateriais de propriedade do empresário) e, mais especificamente, pelo direito de propriedade industrial3, regulada pela LPI, sendo que, de forma pacífica, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, são reconhecidos como tais as marcas, os nomes empresariais, os títulos de estabelecimentos, as insígnias, as indicações geográficas e até mesmo os nomes de domínio. 

Definição de Trade Dress ou Conjunto-Imagem  

Diante desse cenário, Trade dress, é um dos sinais distintivos de uma empresa, cuja origem do instituto remonta aos Estados Unidos, ao ano de 19464, com a busca pela proteção à aparência e à embalagem desses produtos, sendo que, desde 1992, o instituto passou a ganhar ampla proteção pela Suprema Corte, que modificou o sistema concorrencial quanto à matéria, “uma vez que ensejou aumento significativo de ações pleiteando indenizações em face da violação do conjunto-imagem”5

Em tradução direta ao português, trade dress corresponderia à “vestimenta da marca”, sendo também traduzido para “conjunto-imagem” e, após análise do desenvolvimento histórico do conceito, especialmente nos Estados Unidos, pode ser conceituado como um sinal distintivo de certo produto, serviço ou estabelecimento, cuja composição é feita por diversos elementos como, por exemplo, cores, texturas, disposição específica de móveis, formato de embalagem, cheiros, paladares e sons.  

Não obstante, porém, a já indicada ausência de menção expressa ao trade dress no ordenamento jurídico brasileiro, que não existe nem mesmo na LPI, consolidou-se o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, de que ele é um sinal distintivo passível de proteção jurídica, o que vem se efetivando, principalmente, por meio da repressão à prática de concorrência desleal. 

Proteção pelo ordenamento jurídico brasileiro 

Partindo-se da premissa que o trade dress é o sinal distintivo que identifica, ou seja, que forma a identidade visual de um determinado produto ou serviço, ele pode vir a ser imitado por inteiro ou em parte por algumas empresas, que buscam aproximar os seus produtos e/ou serviços àqueles que já possuem renome no mercado, justamente como forma de acarretar confusão nos consumidores, de lubrificá-los em verdadeira tentativa de aliciar a clientela do concorrente para si.   

É por isso que, apesar de ainda não existir no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo legal que expressamente indique proteção ao trade dress, é possível se valer do instituto da concorrência desleal para protegê-lo, tanto com base no já indicado artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal, quanto com fundamento nos seguintes artigos da LPI: 

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…) III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; […]. 

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços 

Portanto, com base nesses fundamentos, o detentor de trade dress que se acredita violado, poderá pleitear perante o Judiciário que determinado agente cesse a conduta indicada como desleal, bem como poderá pleitear a condenação desse mesmo agente ao pagamento de indenização e reparação por eventuais perdas e danos causados, mesmo não sendo considerada a possibilidade do registro do trade dress no ordenamento jurídico brasileiro. 

Jurisprudência  

No Brasil, a decisão favorável considerada como marco à proteção do trade dress e à repressão do agente que o imita foi proferida em 2012, no caso “Victoria’s Secret X Monange Dream Fashion Tour6, no qual foi analisada a possível ocorrência de concorrência desleal em prática da empresa ré ao realizar desfiles de moda utilizando símbolos distintivos dos desfiles da Victoria’s Secret como, por exemplo, modelos vestidas com asas de anjo.   

Naquela ação, a empresa ré defendia a “ausência de registro formal de símbolo distintivo (ou marca)” 7 por parte da Victoria’s Secret, o que, no seu entendimento, seria um indicativo da ausência de proteção pela LPI, porém, o Tribunal do Rio de Janeiro afastou essa tese ao indicar que o conjunto de elementos em discussão no caso (desfiles de moda, modelos, trajes e adereços utilizados) não podem ser entendidos como a marca da Victoria’s Secret, mas que, “essa prática, vinda do direito norte americano, foi apresentada pelo conceito de ‘trade dress’, acolhido no país sob a designação de concorrência desleal, ao caso em discussão, ou seja, a maneira como determinada linha de produtos se apresenta ao público” 8.  

Esse mesmo acórdão, ainda, estabeleceu importantes critérios para a constatação de “concorrência parasitária” 9,, a saber: 

Com efeito, tanto a “concorrência parasitária” quanto o “aproveitamento parasitário” de uma marca se apresentam como modalidades (espécies) da concorrência desleal (que é o gênero) e para que se configure deslealdade na concorrência, o parâmetro a se utilizar não é o legal, senão o fático, verificando então se os atos de concorrência são realmente contrários aos “usos honestos em matéria industrial ou comercial” (Convenção de Paris, art. 10-bis) ou às “práticas comerciais honestas”. 

O parâmetro legal, assim, é a expectativa objetiva de um standard de competição num mercado determinado, o qual fixa o risco esperado de fricção concorrencial, sendo importante diferenciar as práticas nas quais o parasitismo constitui um verdadeiro fator nocivo à concorrência daqueles outros casos quando ele é utilizado de forma mais branda, vale dizer, quando o agente e a vítima não competem no mesmo mercado, mas existe, em alguma medida, o uso de propriedade intelectual alheia 

É importante frisar que não é apenas o produto de uma empresa, porém, que pode ter seu direito de proteção ao trade dress violado, mas seu estabelecimento também, sendo que um dos casos brasileiros que se tornou referência de análise desse aspecto foi o que envolveu a conhecida loja de sapatos Mr. Cat, cuja sentença de primeiro grau assim asseverou10

As duas grifes decoram suas lojas com os mesmos recursos arquitetônicos em que utilizam madeira na mesma tonalidade de cor nas fachadas, prateleiras, escaninhos e balcões.  A semelhança é indisfarçável.  Ante os pareceres dos publicitários que estão sendo juntados aos autos, e a tudo que vimos e analisamos, não restam dúvidas de que, mesmo de maneira sutil em algum ponto, houve a indisfarçável intenção de assemelhar-se. 

Diante desse contexto, tendo em vista que o instituto do trade dress não possui proteção específica no ordenamento jurídico brasileiro, visto que não é expressamente previsto em lei, mas que é protegido a partir de interpretação jurisprudencial e que, portanto, seu conceito e a própria amplitude de sua proteção são moldados e reformulados nos Tribunais do país, destacam-se a seguir importantes trechos de decisões que envolvem o trade dress e que indicam os requisitos e condições que vêm sendo ponderados pelos julgadores para assegurarem a ele proteção (destacou-se): 

A padronização visual conhecida por conjunto-imagem ou ‘trade dress’ caracteriza-se pela reunião de elementos capazes de identificar e diferenciar um produto ou serviço dos demais, não podendo seus elementos serem considerados isoladamente para fins de apuração da existência, ou não, de identidade de padrões, como, equivocadamente, fez o juízo de primeira instância11

A combinação das cores, a aplicação da elipse e das estrelas, distinguem a marca “BOMBRIL” das demais existentes no mercado no seguimento de esponjas de aço. É nítido o caráter imitativo e a confusão que pode ser causada no consumidor, advindo daí a prática de concorrência desleal. O uso separado desses caracteres é admitido e não conta com proteção marcaria; no entanto, o uso conjunto deles, em similar disposição é que é vedado pelo ordenamento jurídico. Utilizados em conjunto esses caracteres (cores, figuras e disposição), como faz a ré, evidentemente trazem à memória do consumidor a marca de titularidade da apelante, o que é vedado (art. 124, VIII, da Lei 9.279/96)12

Mesmo que não fosse pela violação da marca propriamente dita, ainda assim resta evidenciada a prática de concorrência desleal por violação do trade dress (conjunto imagem). 

O trade dress pode ser entendido não só como a ‘vestimenta’ de uma marca, mas também como aspecto visual do produto ou serviço apresentado ao público, suscetível de criar a imagem de marca de um produto em seu aspecto sensível.  

[…] No caso dos autos, a autora é notoriamente conhecida no segmento de comércio de combustíveis não só pela utilização do elemento nominativo ‘Ipiranga’ como também pelo conjunto das cores amarelo, azul e laranja no adorno dos estabelecimentos. Já a utilização das mencionadas cores na identificação do seu estabelecimento, conforme antes mencionado, foi confessada pela ré. Assim, considerando as peculiaridades do caso, constata-se que a identificação do posto de combustíveis com a ‘roupagem’ utilizada pela autora há longa data demonstra o nítido propósito da ré em criar confusão entre estabelecimentos comerciais, fazendo crer aos clientes que se aproximam se tratar de posto de combustíveis que comercializam exclusivamente produtos “Ipiranga”. Tal prática consubstancia ilícito de concorrência desleal, nos termos do art. 195, III e IV da Lei n. 92.79/9613

A autora pretende a reparação de danos em razão do uso indevido da marca e trade dress do produto CARLTON de sua titularidade no ramo de cigarros. Alega-se que o produto EIGHT comercializado pela ré viola seus direitos marcários, dada a semelhança entre estes. O trade dress constitui a identificação visual única e distintiva de um produto, serviço ou estabelecimento perante o mercado de consumo. Tal identificação visual, por permitir que o consumidor reconheça o produto, possui natureza jurídica de signo distintivo a merecer proteção jurídica. (…) Assim sendo, ante o conjunto probatório dos autos não há dúvidas que a ré cometeu atos de concorrência desleal ao colocar no mercado de consumo de cigarros o produto EIGHT com a mesma identificação visual do produto CARLTON14

A análise das decisões dos Tribunais permite concluir, portanto, a necessidade de se verificar, para fins de constatar se o trade dress é passível de proteção, se não se trata de um conjunto de elementos trivial, comum, com o qual o consumidor já está acostumado, pois, caso essa seja a situação,  não pode ser considerado um sinal distintivo e, como consequência, não deve gozar de proteção pela legislação brasileira, sendo que, mesmo que possa ser considerado um sinal distintivo, faz-se necessário que se constaste efetiva possibilidade de confusão ou, ao menos, associação, pelo consumidor. 

Ou seja, as características do produto, do serviço e/ou do estabelecimento deverão ser analisadas uma a uma para que se possa averiguar a ocorrência de ofensa ou não ao direito de proteção do trade dress pertencente à determinada empresa, o que significa que se trata de um instituto que, no Brasil, é extremamente subjetivo e depende de interpretação do magistrado no caso concreto. 

Conclusão  

A proteção ao trade dress é condizente com a evolução histórica das matérias comercialistas e com os valores defendidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este último busca assegurar boas práticas e a própria eficiência dos mercados de consumo modernos, assegurando, entre outras coisas, a repressão à concorrência desleal.   

A supracitada repressão, por meio do instituto da concorrência desleal, conforme demonstrado nesta oportunidade, tem funcionado como mecanismo de proteção ao trade dress, porém, ainda assim, a subjetividade da matéria e o fato de que sua constatação ou não fica sujeita à interpretação do magistrado; não é o ideal, portanto, mesmo diante do esforço da jurisprudência em uniformizar o entendimento acerca da matéria,  esclarecer e definir, de forma unânime e pacífica, quais os elementos do conjunto-imagem passíveis de proteção. 

Diante desse cenário, constata-se que o tempo e o próprio desenvolvimento natural do mercado de consumo brasileiro e do direito empresarial têm forçado a adequação e as melhorias necessárias no que concerne a proteção ao trade dress, porém, espera-se que também provoque o desenvolvimento da legislação e do melhor entendimento do operador do direito, pois, como se sabe, estes fenômenos são forçados pelos avanços e alterações históricas, sob pena de se tornarem obsoletos. 

Autora: Mayara Trassi Villa

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