Insider Trading: Conceito e histórico da repressão pelo ordenamento jurídico brasileiro 

A análise histórica e contextualizada do desenvolvimento das matérias mercantis demonstra que, para que o “mercado”1 seja preservado e funcione da maneira mais eficiente possível, não só se faz necessária a edição de normas regulatórias específicas, como também a imposição de certos limites àqueles que nele atuam, entre eles, o limite à chamada prática de insider trading. 

A interferência pelo Poder Público 

Os mercados, assim como as empresas, são instituições capitalistas, mas também são instituições sociais, já que têm “na liberdade de iniciativa o seu pilar que é conformado, modelado, por instrumentos de política legislativa, entre os quais a dignidade da pessoa humana”2, sendo justamente em decorrência desse conceito que limites são impostos às atividades empresariais, aos mercados e àqueles que atuam em ambas. Para exemplificar essa limitação, nas palavras de Rachel Sztajn3: 

Livre iniciativa e livre mercado são valores recepcionados pelo legislador pátrio de 1988 e, por isso, a análise dos mercados deve considerar duas vertentes: a liberal, em que a livre iniciativa e livre concorrência são vistas como favorecedoras das eficiências alocativa e produtiva, e a social, que impõe limites à livre iniciativa para privilegiar outros valores. 

O ordenamento jurídico brasileiro, portanto, reconhece a necessidade de acomodação de diversos interesses, já que o fenômeno empresarial produz impactos não apenas àqueles envolvidos diretamente na atividade empresarial, mas também aos trabalhadores, aos fornecedores, aos clientes, ao fisco e à sociedade como um todo4: ao lado do interesse privado dos acionistas, existe também o interesse público da sociedade na qual a companhia está inserida. É sob esse ponto de vista que a interferência do poder público se justifica.  

Especificamente quanto aos mercados, a interferência do Estado deve se dar para corrigir desvios que comprometam o seu próprio funcionamento, que visa à troca eficiente de mercadorias, sendo que, para que essa almejada eficiência seja alcançada, entre outros fatores, as informações devem ser disponibilizadas de forma simétrica ou igualitária a todos os participantes do mercado (players) e não só entre as partes envolvidas em uma específica troca de mercadoria(s)5. 

Neste ponto, rememore-se que uma das categorias de mercadorias passíveis de troca é composta pelos valores mobiliários, que possuem mercado específico, o Mercado de Valores Mobiliários (ou Mercado de Capitais), sendo que é dentro desse mercado que há a vedação à prática de insider trading.  

Conceitos essenciais

Assimetria de informação 

Entre as muitas possibilidades de desvios e de falhas no mercado que devem ser corrigidas para se assegurar o seu pleno funcionamento e se assegurar uma busca pela (possível) livre concorrência perfeita, tem-se a assimetria de informação entre os players. 

A informação, sendo um dos produtos mais relevantes do mercado de capitais, permite que decisões sobre futuros investimentos sejam tomadas. Portanto, vedar o uso assimétrico de informação assegura que todos os investidores tenham conhecimento simultâneo sobre atos ou fatos que influenciem as cotações dos valores mobiliários e suas decisões de compra ou venda, prevenindo que grupos se beneficiem de acesso privilegiado a informações. 

Ou seja, exige-se dos players a não adoção de um comportamento caracterizado por conduta específica, qual seja, o uso assimétrico de informação, sendo que, a prática de insider trading decorre, justamente, de um uso assimétrico ou privilegiado de informação no mercado de capitais.

Definição de Insider Trading  

A lei não apresenta uma definição expressa do que seja insider trading, mas suas premissas e as palavras escolhidas pelo legislador permitem à doutrina e à jurisprudência defini-la. Nas palavras de Norma Parente, por exemplo, o ato corresponde a “qualquer operação realizada por sujeito que detenha informação relevante ainda não revelada ao mercado, dela se aproveitando para auferir vantagem para si ou para outrem”6. 

Para Modesto Carvalhosa, por sua vez, insider trading é7: 

[…] toda negociação de compra e venda de valores mobiliários feita pelos administradores ou por quem deles obteve de qualquer forma informações relevantes, no período em que tais informações não foram ainda divulgadas junto ao mercado, de forma ordinária ou extraordinária, conforme as circunstâncias.

Informação relevante  

O Insider trading, portanto, resta caracterizado quando uma pessoa utiliza informação relevante que ainda não tenha sido publicada ao mercado, sendo que o §4º do art. 157 da Lei de S.A. indica expressamente que “informação relevante” é qualquer fato “que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia”. Destaca-se que é em decorrência desse mesmo dispositivo que o administrador da companhia está obrigado a divulgar, imediatamente, tais fatos8 

Informações relevantes, mais uma vez nas lições de Modesto Carvalhosa9: 

[…] são aquelas que podem influir de modo ponderável na cotação de valores mobiliários de emissão da companhia, afetando a decisão dos investidores de vender, comprar ou reter esses valores.  

Tais fatos que, necessariamente, são primeiro do conhecimento dos administradores não podem enquanto não revelados ao público investidor e ao mercado pelos meios institucionais de publicidade e de divulgação, ser utilizados para negócios de compra e venda de valores mobiliários de emissão da companhia. 

Já nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, fato relevante é10: 

[…] todo e qualquer evento econômico ou de repercussão econômica a envolver a companhia, incluindo nesse amplo conjunto as deliberações de seus órgãos societários, a realização ou a não realização de determinados negócios, projeções de desempenho etc 

O procedimento para divulgação das informações tidas como relevantes foi regulamentado pela autarquia reguladora (CVM – Comissão de Valores Mobiliários), na Instrução Normativa nº 358/2002, que, em seu art. 2º, também traz importantes definição de ato ou fato relevante: 

Art. 2º. Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável: I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados; II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários; III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.

Histórico da repressão pelo ordenamento jurídico brasileiro 

No Brasil, a repressão à prática de insider trading foi inserida na legislação societária com o art. 155, §1º, da Lei das S.A., de 197611, ao caracterizá-la como ato ilícito no mercado quando praticado pelo administrador da companhia, que poderia ser sancionado civilmente e de forma administrativa pela própria empresa. 

Dois anos após a promulgação da Lei das S.A., em 1978, foi aberto o primeiro inquérito administrativo da CVM para investigar a prática de insider trading pelos administradores da empresa Servix Engenharia S/A, tendo a investigação culminado na condenação administrativa desses administradores. Além disso, o caso deu origem a uma ação de indenização perante o Judiciário e o Tribunal de Justiça de São Paulo concluiu que, “diante de uma série de indícios veementes perspícuos, formando um conjunto probatório convincente da prática do insider trading, incide, destarte, a regra do art. 155 e seus parágrafos”, culminando na condenação do presidente da companhia ao pagamento de indenização ao investidor autor da ação12. 

Após esse caso emblemar e histórico, a CVM realizou um estudo13 que contém os preceitos básicos da vedação à utilização de informação privilegiada e, muitos anos depois, em 2001, a Lei nº 10.303, enfim, tipificou a prática de insider trading como crime contra o Mercado de Capitais, ao inserir o art. 27-D na Lei nº 6.385/1976 (Lei da CVM): 

Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários.  

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime

Valores tutelados e os sujeitos passivos do crime 

Em decorrência da assimetria de informações para operar no mercado, a prática de insider trading pode provocar a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preços de valores mobiliários, além de propriamente manipular os preços, direta ou indiretamente, levando terceiros à compra e à venda de valores mobiliários, uma vez que há pelo menos uma pessoa intervindo no mercado em condições de superioridade ao público em geral, que não possui acesso às mesmas informações.  

Os interesses tutelados pelo ordenamento jurídico, portanto, com a vedação à prática de insider trading, nas palavras de Cezar Bittencourt e Juliano Breda, são a “transparência, regularidade na formação dos preços dos valores mobiliários e igualdade de oportunidade para o ingresso e atuação no mercado”14. 

Nesse mesmo sentido, foi o posicionamento da Justiça Federal do Rio de Janeiro, ao condenar penalmente o empresário Eike Batista por essa prática15: 

A tutela do bem jurídico cinge-se à integridade, eficiência e o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários, que tem como base a confiança e a eficiência das empresas emissoras dos títulos lançados no mercado de capitais, necessários à segurança, solidez e bom funcionamento dos investimentos em títulos mobiliários. 

Diante disso, o sujeito passivo tanto pode ser aquele investidor que não teve acesso à informação sigilosa e foi particularmente lesado, mas, de certa forma, é a sociedade como um todo, uma vez que a prática de insider trading afeta a higidez do próprio mercado de capitais, o que gera desconfiança e afeta o funcionamento dessa instituição, que é capitalista, mas é também social e essencial ao desenvolvimento econômico da sociedade.

Os sujeitos ativos do crime  

Apesar de a lei brasileira não definir insider trading, ela indica que insider é toda pessoa que, em virtude de fatos circunstanciais, tem acesso a informações relevantes relativas aos negócios e à situação de determinada companhia, que podem manipular o mercado de capitais, especialmente o preço dos valores mobiliários da companhia em questão. 

Nesse sentido, absolutamente todo e qualquer participante do mercado pode ser responsabilizado pela prática de insider trading, pois, não apenas o administrador de uma companhia pode praticá-la, mas qualquer pessoa que se utilize de informação privilegiada ainda não disponível ao mercado. Nas palavras de Nuno Peixoto Amaral16: 

Independentemente da função que desempenha e tendo em sua posse uma informação que se considera privilegiada, enquanto figura não publicitada e capaz de per si, influenciar de maneira sensível os preços nos mercados de valores mobiliários, se fizer, tentar ou fazer com que alguém dela se aproveite, é púnico criminalmente. 

No entanto, “apesar desta lista extensa, na prática podem-se identificar quatro grandes grupos que cometem grande parte das violações no mercado de capitais, a saber: administradores, controladores, intermediários e investidores”17, pois em regra são essas pessoas que são punidas, sendo que, excepcionalmente pode haver responsabilização de pessoa jurídica, que será punida com sanções compatíveis com a sua natureza. 

Há de se destacar, ainda, que tanto a doutrina especializada, quanto a CVM, em seus precedentes, têm apresentado o entendimento de que a severidade da punição ao insider deve levar em consideração o dever que ele possuía perante à companhia, no sentido que não é justo penalizar da mesma forma, por exemplo, pessoa que era estranha ao corpo funcional da empresa (“insider secundário” ou tippee), que eventualmente teve acesso à informação sigilosa, e pessoa que efetivamente possuía o dever legal de sigilo e não utilização dessa mesma informação (“insider primário”). 

Os administradores das companhias, na condição de insider primário, portanto, são os sujeitos ativos mais comuns da prática desse ilícito, já que são aqueles que essencialmente têm conhecimento de informações capazes de influenciar no mercado. 

Indícios de ocorrência do crime  

Essencialmente, o primeiro indício da ocorrência do crime previsto no art. 27-D da Lei da CVM é a percepção de uma oscilação atípica no mercado, sendo que, apesar de ser verdade que essa oscilação pode ocorrer em decorrência de uma série de razões, muitas vezes devido a fatores externos à companhia, no que diz respeito à prática de insider trading, a identificação do fator ou conjunto de fatores que deu origem a essa oscilação possui grande relevância.  

Em outras palavras, a oscilação atípica da cotação de valores mobiliários é insuficiente para, por si só, comprovar a existência do vedado vazamento de informações, devendo essa oscilação ser contextualizada na série histórica das negociações daquele mesmo valor mobiliário, por exemplo.  

Restando caracterizada a oscilação atípica, deve-se apurar a existência de nexo de causalidade entre ela e o fato relevante retido por aquele que tinha o dever legal de divulgá-lo ao mercado, porém, as características do crime de insider trading permitem afirmar que presunções possuem papel central nas investigações e nas eventuais condenações, pois a produção de provas cabais é praticamente impossível. 

Quanto a esse ponto, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, ao julgar emblemático caso de corrupção nacional (“mensalão”), destacou a possibilidade de se utilizar a chamada prova indiciária em casos como os de insider trading18: 

No mesmo diapasão é a prova dos crimes e infrações no mercado de capitais. São circunstâncias concretas, mesmo indiciárias, que permitirão a conclusão pela condenação. Na investigação de insider trading (uso de informação privilegiada e secreta antes da divulgação ao mercado de fato relevante): a baixa das ações, a frequência com que são negociadas, ser o acusado um neófito em operação de bolsa; as ligações de parentesco e amizade existente entre os acusados e aqueles que tinham contato com a informação privilegiada; todas estas e outras são indícios que, em conjunto, permitem conclusão segura a respeito da ilicitude da operação. 

Pode-se afirmar, portanto, que insider trading é um ilícito cuja prova não é simples e os indícios de sua ocorrência acabam por possuir elevado valor probatório, cabendo ao acusado provar que não omitiu ou não utilizou informação privilegiada ou, se o fez, provar a ausência de nexo causal entre a informação privilegiada em questão e a oscilação atípica observada no mercado.

A reparação do dano 

O Código Civil não apresenta nenhuma previsão expressa à situação de insider trading, porém, em sendo a compra e a venda de valores mobiliários um verdadeiro negócio jurídico, há dispositivos desse diploma legal que poderiam, em princípio, ensejar o ajuizamento de um pleito judicial por aquele que se vê prejudicado contra quem deu causa ao seu prejuízo. 

Já que o insider deixa de divulgar informação que influenciaria no mercado, especialmente na tomada de decisão pelos investidores quanto a comprar ou vender valores mobiliários, ele está cometendo uma omissão, sendo perfeitamente aplicáveis os artigos 145 e 147 do Código Civil19, caso a parte prejudicada tenha apenas celebrado o negócio jurídico em questão (compra ou venda de valores mobiliários) por não ter tido conhecimento do fato omitido e, se tivesse conhecimento, poderia não o ter celebrado. 

Com fundamento nos supracitados artigos do Código Civil, cumulado com o artigo 148 do mesmo diploma legal20, resta evidenciado que a pessoa prejudicada pela prática de insider trading pode pleitear no Judiciário a anulação do negócio jurídico e a indenização por perdas e danos, ressaltando-se que, ao optar por essa estratégia, as demandas deverão ser propostas, obviamente, contra quem cometeu o ilícito, o que pode não ser fácil, pois, conforme visto, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e se trata de um ilícito que, na quase totalidade das vezes, não permite a produção de prova cabal de sua ocorrência, mas se baseia em indícios. 

A Lei de S.A., por sua vez, previu no §3º do seu art. 15521 que aquele que é prejudicado pela prática de insider trading possui o direito de pleitear indenização por perdas e danos contra os infratores. Da leitura desse dispositivo, depreende-se que o legislador teve “o intuito de evitar que o investidor prejudicado ficasse à procura de quem responsabilizar pelo ato ilícito” 22, tal como deveria fazer caso optasse por pleitear indenização com base no Código Civil, no sentido que, na lei societária, a responsabilidade do administrador da companhia é objetiva (CAVARLHOSA, 2009). 

 

  1. Primeiros precedentes  

Apesar de o art. 27-D ter sido inserido na Lei da CVM em 2001, foi apenas em 2011 que houve uma condenação criminal pelo delito em comento, quando a Justiça Federal de São Paulo tratou do caso Sadia-Perdigão23 e: 

O ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores Luz Gonzaga Murat Júnior foi condenado a um ano e nove meses de reclusão em regime aberto que pode ser substituída por prestação de serviços à comunidade e a impossibilidade de exercer cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta pelo prazo de cumprimento da pena, além de multa de R$ 349.711,53.  

O então membro do conselho de administração, Romano Ancelmo Fontana Filho, foi condenado à reclusão por um ano e cinco meses em regime aberto, que também pode ser substituída por prestação de serviços comunitários, além de ele não poder exercer cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta. Ele também recebeu multa de R$ 374.940,5224. 

Além disso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia condenado o ex-diretor e o membro do Conselho de Administração ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos, que fora fixada em R$ 254.300,00. Ao receber recurso e analisar esse primeiro caso de condenação por insider trading, o Superior Tribunal de Justiça, em 2016, manteve as condenações de reclusão, mas afastou a condenação ao pagamento de indenização por dano moral25. 

Foi também quando da análise desse primeiro caso que o STJ fixou o entendimento de que não há necessidade de a conduta de insider trading auferir lucro para o tipo penal ser consumado, caracterizando-o como crime formal, ou seja, considera-se consumado independentemente do resultado. No caso Perdigão-Sadia, um dos réus chegou a defender que o crime não teria sido cometido pois teria, inclusive, sofrido prejuízo em decorrência do ato, argumento refutado pela Corte Superior. 

Outro ponto a se destacar, ainda com relação ao caso Perdigão-Sadia, foi que a CVM se consagrou como competente para instaurar inquérito administrativo mesmo quando os títulos negociados com base em insider trading tenham sido negociados no exterior, já que, no caso em comento, os condenados utilizaram uma offshore mantida nas Ilhas Virgens Britânicas, mas a CVM demonstrou ter havido lesão ao mercado brasileiro e não apenas ao estadunidense, especialmente pois as ordens de compra partiram do Brasil. 

No entanto, foi apenas em 2017 que se deu a primeira prisão pela prática de insider trading. O presidente da JBS S.A., Wesley Batista, foi preso preventivamente pelo crime que, segundo a Polícia Federal, evitou aos controladores da companhia um prejuízo potencial de R$ 138 milhões26, quando eles venderam as ações da JBS antes do vazamento da notícia de que tinham realizado delação premiada.  

Administrativamente, destaca-se outra condenação histórica pela CVM pela prática de insider trading, que fora imposta ao executivo Eike Batista27, em 2019, para que ele pagasse duas multas que totalizavam R$ 536 milhões, além de ele ter sido proibido de assumir a administração de companhias abertas ou conselhos fiscais por sete (07) anos, pois a autarquia concluiu que ele se utilizou de informações privilegiadas para negociar ações da OGX Petróleo e Gás Participações S.A. A decisão administrativa, porém, foi posteriormente reformada pela segunda instância das decisões da CVM, que absolveu o empresário. 

Paralelamente, a Justiça Federal do Rio de Janeiro, ao julgar criminalmente o mesmo caso, em setembro de 2019, condenou o empresário a oito (08) anos de reclusão pela prática do crime, além de tê-lo condenado ao pagamento de R$ 82.829.345,52 a título de reparação de danos e calculada com base na vantagem econômica por ele auferida, quantia a ser destinada ao Conselho Monetário Nacional.  

Com isso, essa condenação pela Justiça, mesmo diante da absolvição administrativa perante a CVM, também foi importante por afirmar a independência da apuração desse ilícito nas duas esferas, administrativa e judicial. 

Comentários finais 

A vedação à prática de insider trading é condizente com a evolução histórica do direito empresarial e com os valores defendidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, buscando assegurar boas práticas e a própria eficiência dos mercados de troca de mercadorias modernas, tais como valores mobiliários.  

No entanto, apesar dos incontestáveis avanços na legislação e dos esforços das autoridades competentes, especialmente após a sua tipificação como ilícito penal, ainda há críticas a serem feiras, especialmente se considerando a percepção de que há mais casos de insider trading no mercado brasileiro do que aqueles que são efetivamente identificados, investigados e punidos.  

Quanto a isso, não se ignora que se trata de um ilícito de difícil identificação, sendo que, na maioria dos casos, é apenas identificado com base em “fortes indícios”, visto que a produção de prova cabal é improvável, se não quase impossível, o que exige, essencialmente, profunda e séria especialização das autoridades competentes. 

Essa exigida especialização, por sua vez, demanda tempo, ainda mais ao se considerar que as mudanças legislativas e de interpretação são recentes e constantes, bem como que o Mercado de Capitais são regidos por regras e conceitos extremamente específicos, sendo que, comparado com outros países, todo esse contexto é muito inovador e os números demonstram isso, posto que, por exemplo, possuindo uma população superior a 211 milhões de habitantes, foi apenas em 2019 que o país alcançou a marca de ter mais de um milhão de pessoas físicas investindo na Bolsa de Valores28. 

Diante desse cenário, é crível se concluir que, se a maioria esmagadora da população brasileira nem sequer entende o que são valores mobiliários e como seu mercado opera, também nem sequer conhece ou entende o específico crime de insider trading. Em um país com graves problemas perceptíveis pelos seus habitantes, tais como fome, violência, grandes escândalos de corrupção e desvio de dinheiro público, a pressão social para controle e aprimoramento das boas práticas no mercado de capitais é praticamente nula. 

Sem essa pressão social, porém, é natural que as instituições que regulam o mercado de capitais, averiguam e punem a prática de insider trading se aprimorem em um ritmo mais lento, o que, somado a outros aspectos passíveis de crítica29, dificultam o alcance da eficiência que se espera dessas instituições. 

Trata-se de uma matéria que, portanto, apesar de já se encontrar expressamente regulamentada em lei, deve acompanhar o desenvolvimento natural do mercado, que, acredita-se, acabará por forçar a adequação e as melhorias necessárias, tanto na legislação já existente, quanto no entendimento do operador desse direito.

Autora: Mayara Trassi Villa


¹ Neves, Daniel Amorim Assumpção, Novo Código de Processo Civil, 3.ed.rev, atual. e ampl., – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, pág. 414

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