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Mitigação da proteção do bem de família, ante o reconhecimento da fraude à execução – Análise à luz da jurisprudência do STJ
O art.792 do Código de Processo Civil elenca as hipóteses que configuram a fraude à execução:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo em que foi arguida a fraude;
IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V – nos demais casos expressos em lei.
- – nos demais casos expressos em lei.
Conforme leciona Daniel Amorim Assumpção Neves, o art.792 do CPC prevê em seus incisos quatro situações que configuram fraude à execução, apontando que referido rol é meramente exemplificativo, em razão da previsão contida no inciso V “nos demais casos expressos em lei”¹.
Para o doutrinador, há apenas um requisito para a configuração da fraude à execução:
Na realidade, o único requisito para que haja fraude à execução é ciência do devedor da existência de ação judicial em trâmite promovida contra ele, que tenha como objeto direto ou indireto a dívida, que será frustrada patrimonialmente em razão da alienação ou de oneração de bens de seu patrimônio. Ou seja, para que ocorra fraude à execução é preciso a ciência de existência de ação que verse, ainda que indiretamente, sobre a dívida, e o evento damni.
Já para Cândido Rangel Dinarmarco, a fraude à execução consiste na realização de um ato de disposição ou oneração de coisa ou direito após instaurado processo cujo resultado poderá ser impossível quando não se puder lançar mão do bem. Aponta que a fraude à execução ocorre em duas situações bem distintas entre si, consistentes em2:
- Alienar ou gravar com ônus real o próprio bem sobre o qual “pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória (CPCP, art.792, I); b) dispor de bens ou créditos, reduzindo-se à insolvência, também a partir da pendência de um processo (art.792, IV). Na primeira hipótese o obrigado fraudador visa a evitar medidas judiciais futuras, mas previsíveis, que deverão incidir especificamente sobre a coisa litigiosa (execução específica para entrega de coisa certa), na segunda, busca aniquilar ou reduzir a tal ponto seu patrimônio, que ali não restem bens suficientes para a satisfação de uma obrigação por dinheiro (execução por quantia certa).Na vertente da proteção aos créditos pecuniários (art.792, IV) a fraude de execução tem em comum com a fraude contra credores (a) o objetivo, visado pelo devedor, de afastar a responsabilidade executiva incidente sobre seu patrimônio, (b) a ineficácia do ato fraudulento e (c) a insolvência como requisito para que se configure (art.792, IV). A grande diferença está na indispensável pendência de um processo, como requisito sem o qual não há fraude de execução em nenhuma de suas modalidades (art.792).Cássio Scarpinella Bueno aponta que a fraude à execução deve ser compreendida como a situação em que a alienação ou oneração do bem que está sujeito à execução nos termos do art.790 do CPC é feita indevidamente e, por esta razão, é considerada ineficaz em relação ao exequente no processo em que é parte também o executado (§1º do art.792 do CPC), sendo que sua caracterização independe de conluio entre os envolvidos e pode ser reconhecida de ofício pelo magistrado, após o contraditório previsto no §4º do art.792 do CPC, não se confundindo com a fraude contra credores, hipótese em que o Código Civil permite ao credor prejudicado requerer ao Estado-juiz a anulação do negócio jurídico (arts.158 a 165 do CC)3.
Fredie Didier Júnior, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira ressaltam que a fraude à execução é um artifício do devedor que não causa dano apenas ao credor, mas também à atividade jurisdicional executiva, tratando-se de instituto tipicamente processual, considerada mais grave do que a fraude contra credores, já que é cometida no curso de processo judicial executivo ou apto a ensejar futura execução, frustrando o seu resultado, o que evidencia o objetivo de lesar o credor, razão pela qual é combatida de forma mais contundente pelo legislador, que considera a alienação/oneração do bem para terceiro ineficaz para o exequente, conforme previsão no §1º do art.792 do CPC, sem a necessidade de ajuizamento de ação própria para neutralizar a eficácia do ato fraudulento4.
A fraude à execução pode ser reconhecida de forma incidental no processo executivo ou alegada como matéria de defesa nos embargos de terceiro, opostos pelo beneficiário do ato fraudulento, conforme previsão nos arts.674, §2º, II e 792, §4º, ambos do CPC, sendo que uma vez reconhecida a fraude à execução e retirado o bem do terceiro beneficiário, caberá a esse, por ação de regresso contra o devedor, pleitear a restituição do que pagou e indenização por perdas e danos5.
Considerando a gravidade de prejudicar a atividade estatal, é permitido de ofício o reconhecimento da fraude à execução. Contudo, antes de declarar a fraude, o magistrado deverá, de ofício, intimar o terceiro adquirente para oposição de embargos de terceiro, no prazo de 15 dias (art.792, §4º do CPC), sob pena de nulidade da decisão que declarou a fraude à execução, o que também não impede o terceiro beneficiário de se defender nos próprios autos da execução. Justamente porque é necessária a caracterização da má-fé do terceiro beneficiário, é que se exige o contraditório, garantindo assim a oportunidade do terceiro demonstrar a sua boa-fé (art.792, §2º do CPC), antes de qualquer ato de expropriação6.
Com relação aos pressupostos para a configuração da fraude à execução, os doutrinadores Fredie Didier Júnior, Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira detalham as hipóteses previstas nos incisos do art.792 do CPC.
O art.792, I, do CPC, dispõe que ocorrerá a fraude à execução quando a alienação ou oneração do bem ocorrer na pendência de demanda fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, que verse por exemplo sobre a obrigação de entrega de coisa, que o tenha como objeto, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver. A alienação/oneração fraudulenta é aquela que recai sobre a coisa litigiosa (a ser entregue). A fraude à execução nesta hipótese independe da demonstração de insolvência7.
Para os autores o único diferencial do art.792, I, do CPC, é a previsão expressa do pressuposto subjetivo para a configuração da fraude à execução, qual seja, a necessidade de averbação da pendência do processo no registro público do bem, o que gera presunção absoluta de que o terceiro adquirente tinha ciência do ato fraudulento. Não tendo sido realizado esse registro, será ônus do exequente demonstrar que o adquirente tinha ciência da pendência da ação (Súmula 375 do STJ). Contudo, não sendo o bem passível de registro, será ônus do terceiro demonstrar que estava de boa-fé e que mesmo adotando todas as cautelas necessárias, com demonstração das certidões cabíveis de negativa de débitos e de ações no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem, ainda assim não teria como saber da pendência do processo (art.792, §2º do CPC)8.
O inciso II do art.792 do CPC, conforme exposto pelos autores, configura a hipótese mais grave de fraude à execução, que ocorre quando a alienação/oneração acontece na pendência de execução de título extrajudicial, que já tenha sido averbada no registro do bem, conforme previsto no art.828 do CPC9:
Os pressupostos objetivos são: ato de disposição + pendência de um processo de execução contra o devedor + juízo de admissibilidade positivo + averbação da pendência desse processo na matrícula do bem. Perceba: não basta a existência do processo de execução, pois é necessário que a execução tenha sido admitida e a sua existência tenha sido averbada no registro do bem fradulentamente alienado (ou onerado), na forma do art.828, CPC.
Os autores ressaltam que de acordo com a interpretação dada aos outros incisos do art.792 do CPC, presumem-se em fraude somente os atos ocorridos e averbados depois da citação do réu, pois se entende que a partir desse momento haveria litispendência. Contudo, nas execuções de título extrajudicial, o devedor pode desfazer-se de seus bens antes mesmo de sua citação, consciente de que a dívida está vencida e não paga, sendo muito difícil de provar que ele tinha conhecimento da ação antes de ser citado. Já com o art.828 do CPC, o legislador conseguiu preencher a lacuna entre o período entre a propositura da demanda e a citação do executado. Logo, mesmo que o devedor ainda não tenha sido validamente citado e ainda não tenha litispendência, a fraude ficará configurada, pois foi dada publicidade da execução no registro do bem, presumindo-se, de forma absoluta, que é de conhecimento dos envolvidos em qualquer transação em torno dele (o devedor e a citação do executado)10.
O inciso III do art.792 do CPC trata da hipótese de fraude à execução que se configura com a alienação/oneração do bem em cujo registro já foi averbada hipoteca judiciária ou outro tipo de constrição judicial, como a penhora ou arresto, decorrente do processo em que foi alegada a fraude, sendo hipótese mais grave do que as anteriores, conforme ponderado pelos doutrinadores, considerando que o bem já estava constrito ou hipotecado judicialmente e, dessa forma, vinculado à atual ou futura execução. Logo, dispor do bem objeto da constrição judicial seria violar um ato judicial, resistindo à autoridade do juiz concretamente exercida sobre o bem, de forma que qualquer ato de disposição do bem será totalmente ineficaz para a execução11.
Já o inciso IV do art.792 do CPC traz hipótese mais ampla da fraude à execução, que se configura quando ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência. Para os autores é hipótese que protege o crédito pecuniário, pois nesta hipótese a fraude não recai sobre a coisa litigiosa, mas sim sobre qualquer bem penhorável que possa ser empregado na satisfação da obrigação pecuniária12:
Os pressupostos são i) a exigência de que o ato seja danoso, apto a reduzi-lo à insolvência (eventos damni), e ii) que tenha sido praticado na pendência de uma ação contra o devedor (litispendência), que pode ser condenatória, cautelar, executiva, penal, arbitral, probatória autônoma, ect, não há fraude na iminência de processo, só na sua pendência.
Por fim, o inciso V do art.792 do CPC, cria uma cláusula geral ao dispor que haverá fraude à execução “nos demais casos expressos em lei”, citando os autores como exemplos as hipóteses previstas nos artigos 672, §3º do CPC, art.4º da Lei nº 8.009/1990 e art.185 do CTN13.
Quanto ao momento de configuração da fraude à execução, Humberto Theodoro Júnior aponta que todos os casos de fraude à execução enumerados nos incisos I a III do art.792 do CPC, reportam-se a atos de alienação ou oneração de bem ocorridos na pendência de ação de conhecimento ou execução, sendo que a litispendência, que vincula o réu à relação processual, só ocorre por meio da citação válida, conforme disposto no art.240 do CPC, de forma que o demandando somente pode cometer a fraude à execução no processo pendente contra ele, depois de ter sido citado. Antes de ser formalizada a relação processual, seja condenatória ou executória, a fraude, se ocorrer, será apenas contra credores e será tratada por meio da ação pauliana (art.161 do CC)14.
Com relação aos efeitos decorrentes da fraude à execução, Cândido Rangel Dinamarco aponta que em princípio só podem ser considerados ineficazes os atos de disposição ou oneração de bens se o adquirente tiver conhecimento da existência do processo, pois é ele quem suportará diretamente os efeitos da ineficácia. O doutrinador aponta que os Tribunais se mostram mais compreensivos em face do adquirente de absoluta boa-fé, inclusive quando se trata da ineficácia de atos referentes a bens já penhorados, sendo uma opção política da ordem processual, que prefere sacrificar o credor e não o adquirente, quando este esteja de boa-fé, optando-se assim em prestigiar a eficácia integral dos negócios jurídicos, sempre que não esteja comprovada de forma clara a fraude à execução15.
Humberto Theodoro Júnior destaca que não se pode confundir a fraude contra credores e a fraude em execução, pois na primeira são atingidos apenas interesses privados dos credores (arts.158 e 159 do CC) e na última, o ato do devedor viola a própria atividade jurisdicional do Estado (art.792 do CPC). Ressalta que na fraude contra credores não há necessidade de nenhuma ação para anular ou desconstituir o ato de disposição fraudulenta, sendo que a lei o considera simplesmente ineficaz perante o exequente e o juiz reconhece de plano a inoponibilidade do negócio, nos próprios autos16.
O autor pondera que não se trata de ato nulo ou anulável, pois o negócio jurídico que frauda a execução, diferentemente da fraude contra credores, gera pleno efeito entre alienante e adquirente, não podendo ser oposto apenas ao exequente, conforme previsão expressa do §1º do art.792 do CPC ao dispor que “a alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente”17.
Logo, a força da execução continuará a atingir o objeto da alienação ou oneração fraudulenta, como se estas não tivessem ocorrido, sendo que o bem será de propriedade do terceiro18:
Da fraude de execução decorre simples submissão de bens de terceiro à responsabilidade executiva. O adquirente não se torna devedor e muito menos coobrigado solidário pela dívida exequenda. Só os bens indevidamente alienados é que se inserem na responsabilidade que a execução forçada faz atuar, de sorte que, exauridos estes, nenhuma obrigação ou responsabilidade subsiste para o terceiro que os adquiriu do devedor.
Em síntese, Humberto Theodoro Júnior ressalta que tanto a fraude contra credores como a fraude à execução compreendem atos de disposição de bens ou direitos em prejuízo de credores, mas a diferença é a seguinte19:
A fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos, é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor, nos moldes do Código Civil (arts.158 a 165), depende de sentença em ação própria (idem, art.161);
A fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação, nos termos do Novo Código de Processo Civil (arts.790 e 792), opera independentemente de ação anulatória ou declaratória. Pressupõe alienação voluntária praticada pelo devedor, de sorte que não se pode ver fraude à execução nas transferências forçadas realizadas em juízo.
Jurisprudência do STJ: análise da mitigação do bem de família, ante o reconhecimento da fraude à execução
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se consolidou ao longo dos anos no sentido de que a configuração da fraude à execução afasta a proteção conferida pela Lei de nº 8.009/90 ao bem de família, conforme entendimento exarado em julgados recentes: AgInt no AREsp 2149597/RJ, Relator Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 29/05/2023, AgInt no AREsp 2086873/SP, Relator Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/04/2023, AgInt no REsp 2030295/SP, Relatora Nancy Andrighi , Terceira Turma, julgado em 17/04/2023 e AgInt no REsp 1877279/SP, Relator Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/10/2022.
Em acórdão bem detalhado, publicado em 02/04/2018, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a recurso especial de nº 1.575.243/DF, de Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, entendendo pelo afastamento da proteção legal conferida ao bem de família, em razão da caracterização da fraude à execução.
Na origem se tratava de embargos à adjudicação opostos por empresa requerendo a nulidade de adjudicação de imóvel, apontando os seguintes fundamentos: (i) cerceamento de defesa na execução; (ii) o crédito foi indevidamente capitalizado; (iii) o imóvel constitui bem de família, tendo sido transferido não para fraudar a execução, mas apenas em “legítima defesa” da propriedade e da família e (iv) a avaliação do imóvel apresentou valor inferior ao praticado no mercado.
No que se refere à alegação da caracterização de bem de família, a Ministra Relatora Nancy Andrighi entende que a garantia legal de impenhorabilidade do bem de família objetiva proteger o patrimônio mínimo da pessoa humana, valor que o legislador escolheu por preservar em contraponto à satisfação executiva do credor.
Conforme exposto em seu voto, a Relatora aponta que essa proteção exige a leitura em conjunto com a Constituição Federal, ressaltando que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de conferir a mais ampla proteção ao bem de família:
Essa proteção é fruto do movimento pela despatrimonialização do Direito Civil, que impõe uma releitura dos institutos à luz do feixe axiológico trazido pela Constituição Federal, ou seja, uma verdadeira filtragem constitucional, na medida em que a interpretação das normas civis deve privilegiar, sempre, a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF, tendo, pois, como centro o ser humano e suas necessidades existenciais.
Nesse contexto, a jurisprudência do STJ, atenta à agenda de valores estabelecida pela CF, tem conferido a mais ampla proteção ao bem de família, promovendo, quando cabível, a interpretação dos dispositivos da Lei 8.009/90 mais favorável à entidade familiar.
Assim, firmou-se o entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, mediante simples petição (RMS 32.166/SP, 4ª Turma, DJe de 10/04/2012; REsp 1.039.182/RJ, 3ª Turma, DJe de 26/9/2009). Igualmente, editou-se as súmulas 364 e 486, estendendo o alcance da garantia legal da impenhorabilidade ao imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas, e também àquele que esteja locado a terceiros, se a renda obtida for revertida para a subsistência da família.
Contudo, conforme ponderado pela Relatora, a exegese sistemática da Lei nº 8.009/90 revela evidente preocupação do legislador no sentido de evitar a deturpação da proteção legal conferida ao bem de família, que pode ser utilizada como um artifício para frustrar a satisfação do credor. Ou seja, não se pode permitir, à luz da disposição legal protetiva, que o devedor pratique atos que visem a inviabilizar a tutela executiva do credor, sob o pretexto da configuração do bem de família, enfraquecendo assim todo o sistema de especial proteção conferido pelo legislador.
Nesse sentido, objetivando coibir injustiças na aplicação da lei, a Ministra destaca a consolidação do entendimento no Superior Tribunal de Justiça para restringir a proteção legal conferida ao bem de família, evitando prestigiar a má-fé do devedor, de modo que a caracterização da fraude à execução acarreta o afastamento da impenhorabilidade sobre o bem de família:
Destarte, foi consolidado nesta Corte o entendimento de que a caracterização da fraude à execução enseja o afastamento da impenhorabilidade sobre o bem de família. Nesse sentido, “o bem que retorna ao patrimônio do devedor, por força de reconhecimento de fraude à execução, não goza da proteção da impenhorabilidade disposta na Lei nº 8.009/90” (AgRg no REsp 1.085.381/SP, 6ª Turma, DJe de 30/3/2009); “é possível, com fundamento em abuso de direito, afastar a proteção conferida pela Lei 8.009/90” (REsp 1.299.580/RJ, de minha relatoria, 3ª Turma, DJe de 25/10/2012).
Confiram-se, ainda, os seguintes julgados: REsp 1.200.112/RJ, 2ª Turma, DJe de 21/08/2012; REsp 772.829/RS, 2ª Turma, DJe de 10/02/2011; AgInt no REsp 1.568.157/SP, 3ª Turma, DJe de 03/10/2016; AgRg no REsp 1.293.150/SP, 3ª Turma, DJe de 05/04/2016; REsp 1.364.509/RS, 3ª Turma, DJe de 17/06/2014; AgRg no Ag 1.309.578/BA, 3ª Turma, DJe de 13/10/2011; REsp 329.547/SP, 3ª Turma, DJ de 24/06/2002; AgInt no AREsp 982.981/RJ, 4ª Turma, DJe de 21/08/2017; AgRg no AREsp 334.975/SP, 4ª Turma, DJe de 20/11/2013.
A Relatora aduz que um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro é o da boa-fé objetiva, que, não obstante incidir em todas as relações jurídicas, constitui diretriz interpretativa para as normas de todo o sistema, sendo que é a partir desse contexto que deve ser analisada a regra da impenhorabilidade do bem de família, que traz como ponto determinante a boa fé do devedor para que possa se utilizar da proteção legal conferida pela lei, evitando-se assim qualquer ato praticado com o objetivo de fraudar credores.
Conclui o seu voto no sentido de que reconhecida a fraude à execução na alienação do imóvel, em flagrante abuso de direito e má -fé do devedor em face do credor, é ineficaz a proteção legal conferida ao bem de família, não havendo que se falar em “legítima defesa da propriedade”, pois conforme exposto pela Ministra, a legítima defesa, como excludente de ilicitude exige a existência de injusta agressão à pessoa ou a seus bens, o que incontestavelmente não se vislumbra na hipótese de execução de dívida livremente assumida pelo devedor e não paga no tempo e modo ajustados.
Autora: Monique Soares Bizarria
¹ Neves, Daniel Amorim Assumpção, Novo Código de Processo Civil, 3.ed.rev, atual. e ampl., – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, pág. 414