Blog
Filtro por categoria
Os institutos da revaloração da prova e da requalificação jurídica dos fatos em sede de recurso especial
Os recursos no sistema judiciário brasileiro desempenham um papel essencial na busca por uma decisão justa e fundamentada, porém a sua utilização equivocada pode gerar entraves ao funcionamento do Poder Judiciário, retardando a conclusão dos processos e impactando negativamente a efetividade da justiça.
Nesse contexto, foi criado o enunciado 7 da súmula do STJ, que possui o seguinte teor: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.1
A supracitada súmula tem por objetivo preservar a competência constitucional atribuída à Corte, que é a de uniformização na interpretação da legislação federal (e, portanto, a análise de questões unicamente de direito), além de buscar evitar que o STJ seja transformado em uma terceira instância recursal, o que ajuda a evitar o excesso de demandas e a sobrecarga da corte, permitindo dedicação a casos que efetivamente demandam análise jurídica da legislação federal de forma mais aprofundada.
Por outro lado, críticos da Súmula 7 argumentam que se trata de uma jurisprudência defensiva, pois ela pode restringir o acesso à justiça, especialmente nos casos em que a análise fática é relevante para a resolução da controvérsia, pois, afinal, os tribunais superiores podem ser a última esperança para as partes que se sentem prejudicadas por uma decisão e a negativa de admissibilidade de um recurso especial pode impedir a revisão de fatos relevantes para o deslinde da causa.
Assim, em que pese as opiniões divergentes, o enunciado é claro, e não dá espaço para reexame de provas, pois o recurso especial não tem como objetivo principal proteger o direito subjetivo das partes, mas sim a preservação do direito federal, sendo essa a sua função original que permanece inalterada no atual sistema jurídico.
O professor Luiz Guilherme Marinoni acrescenta alguns fatores a essa função, dizendo que a Corte Superior não só tem a função de proteger a legislação federal, mas de:
“efetiva reconstrução interpretativa, decidindo-se quais os significados que devem prevalecer a respeito das dúvidas interpretativas suscitadas pela prática forense, na sua vocação de guia interpretativo para todos os envolvidos na administração da Justiça Civil e na sociedade como um todo”.2
Assim, o recurso especial não se destina a corrigir supostas injustiças da decisão contestada, o Superior Tribunal de Justiça não atua como órgão de revisão final e, por essa razão, a mera alegação de injustiça no julgamento proferido nas instâncias ordinárias não viabiliza a interposição do recurso especial, por exigir a revisão de matéria fática.
Com base nisso, há uma limitação no efeito devolutivo do recurso especial, tanto em termos de abrangência das questões que podem ser objeto desses recursos quanto em relação à profundidade da análise realizada pelos tribunais.
No entanto, é importante frisar que essa restrição à revisão de matérias fáticas no recurso especial não impede a análise de alguns aspectos do direito probatório, como a alegação de erro na apreciação dos critérios de valoração da prova, que é considerada uma questão de direito e, portanto, passível de discussão no recurso especial, uma vez que sua análise não requer o reexame dos elementos probatórios em si. A valoração da prova, nesses casos – também chamada de revaloração – é tratada como uma questão jurídica.
Tal mecanismo não representa, portanto, um desvirtuamento da função constitucional da Corte, mas aplicação objetiva da lei federal e a uniformidade na sua própria interpretação, o que em realidade fortalece institucionalmente o ordenamento jurídico e proporciona maior segurança jurídica.
- Classificando questões de fato e questões de direito
Pelos ensinamentos da professora Thereza Arruda Alvim3, a distinção entre questões de fato e de direito para a finalidade de recursos excepcionais levou a doutrina a desenvolver um critério técnico-processual, já que o critério ontológico não conseguiu resolver o problema de forma satisfatória.
A nomenclatura desse critério surge da categorização das questões em fáticas e jurídicas, de acordo com sua aptidão para serem avaliadas em recursos especiais, sendo que a necessidade desse critério específico foi pensada no âmbito da filosofia do direito, cuja distinção pode ser interpretada de maneira diferente do ponto de vista ontológico.
Esse critério baseia-se na análise da abordagem cognitiva do juiz, subdividindo as questões apresentadas nos recursos de acordo com a extensão dos fatos e do direito envolvidos.
Essa classificação leva a três tipos de questões, sendo que nos extremos, temos as questões puramente fáticas e as puramente jurídicas, porém no campo intermediário, mais complexo, temos os pontos chamados de “problemáticos”, que se relacionam com a própria subsunção da norma ao fato, que é nada mais que a avaliação se adequado ou errôneo o processo de subsunção.
Evidente que as questões puramente fáticas são aquelas que claramente não podem ser discutidas por meio de recursos especiais.
Não obstante, uma questão quase inteiramente jurídica surge quando tanto os aspectos fáticos quanto o mecanismo de subsunção já foram de todo resolvidos.
Nesse caso, a atenção do juiz concentra-se na compreensão precisa da regra de direito, inserindo-se no âmbito das questões exclusivamente jurídicas, onde não há dúvidas sobre a aplicação, por exemplo, da súmula 7 do STJ.
Portanto, não há dúvidas de que as questões que se referem à alegada ilegalidade posterior à qualificação jurídica dos fatos são questões de direito para a interposição de recurso especial, pois mesmo que a ocorrência dos fatos ou o processo de subsunção não estejam sendo questionados, a questão é inegavelmente de direito para o propósito pretendido.
À medida que se afasta do campo da certeza depara-se com questões que buscam a mudança na qualificação jurídica dos fatos e, nesses casos, o foco recai sobre o momento em que ocorre a aplicação do direito, na subsunção da norma aos fatos, o que requer uma análise mais profunda.
É, então, evidente que existe uma questão de direito quando ultrapassada a etapa de qualificação jurídica, porém, à medida que a fase crucial para a questão levantada no recurso é precisamente a qualificação jurídica dos fatos da demanda, é necessário investigar mais a fundo, pois há uma conexão com os fatos.
Chega-se, assim, no campo das questões em que é crucial determinar se os fatos precisam ou não serem revistos à luz das provas para alteração da qualificação jurídica estabelecida pela instância inferior.
Essa última categoria de questões abrange casos mais complexos em relação à distinção entre questão de fato e de direito e são esses os casos em que a correspondência entre fato e norma – a subsunção – é o ponto central da atenção do juiz.
A maior complexidade na determinação da necessidade de reexame fático-probatório surge nesse tipo de questão, pois o foco pode ser direcionado com ou sem dúvidas quanto aos fatos ocorridos ou à sua natureza.
É importante notar que, de acordo com o critério ontológico, a discussão sobre a qualificação jurídica ou subsunção é primordialmente uma questão de direito, pois a aplicação da norma ao mundo real é o cerne de todo o raciocínio jurídico.
No entanto, o cenário é diferente quando olhamos sob a perspectiva técnico-processual, que está focada nos recursos excepcionais, pois nesse contexto, os casos que lidam com a qualificação jurídica dos fatos são os mais desafiadores e lida com situações delicadas em que é necessário refazer o processo de subsunção dos fatos à lei ou a aplicação da lei ao mundo real para corrigir a ilegalidade da decisão impugnada.
- Revaloração
Sob ótica diversa, existe outro tipo de questão que, embora envolva provas, também permite a avaliação do mérito dos recursos especiais sem ser enquadrada nos parâmetros da súmula 7 do STJ, e conforme já anteriormente citado, é a chamada revaloração das provas, um termo cunhado na jurisprudência, que diz respeito ao exame abstrato desse fenômeno.
Didier aponta a possibilidade de recurso especial em caso de revaloração, dizendo que:
É pacífica a orientação dos tribunais superiores de não admitir recursos excepcionais para a simples revisão de prova, tendo em vista o seu caráter de controle da higidez do direito objetivo (enunciados 270 e 07 da jurisprudência predominante do STF e do STJ, respectivamente). Isso decorre de uma velha lição: não é possível a interposição de recurso excepcional para a revisão de matéria de fato. Não cabe recurso extraordinário com o objetivo de o tribunal superior reexaminar prova, tendo em vista que esse pleito não se encaixa em qualquer das hipóteses de cabimento desses recursos.
No entanto, há possibilidade de recurso especial por violação às regras do direito probatório, entre as quais se incluem os dispositivos do CPC e CC que cuidam da matéria – notadamente quando tratam da valoração e da admissibilidade da prova.4
Há um consenso estabelecido no STJ quanto à possibilidade de reavaliar o conjunto de provas nos casos em que não há dúvidas acerca dos eventos em questão, isso significa que a Corte tem a capacidade de conferir uma nova abordagem jurídica aos casos.
É relevante ressaltar que essa abordagem possui similitudes com a questão ontológica puramente legal, ou seja, na reavaliação da prova não existe uma obrigação de seguir uma norma que determine o valor que a evidência deveria ter no contexto específico do caso levado ao STJ.
Em outras palavras, a reavaliação não envolve examinar novamente os fatos basilares, como o “o que”, “quem”, “quando” e “onde” eles tenham ocorrido, sendo que, ela se fixa na aplicação da norma legal ao acórdão em questão.
Por outro lado, é necessário pontuar que o reexame das provas é realizado via análise minuciosa e detalhada, considerando individualmente as evidências presentes nos registros do processo em análise.
Didier, em complemento ao acima exarado, pontua que:
É preciso distinguir o recurso excepcional interposto para discutir a apreciação da prova, que não se admite, daquele que se interpõe para discutir a aplicação do direito probatório, que é uma questão de direito e, como tal, passível de controle por esse gênero de recurso.5
Assim, de acordo com os julgamentos mais recentes do STJ, é necessário que a situação fática em análise esteja objetivamente delineada no acórdão questionado e que seja um fato incontestável, e para tal, é essencial que os fatos e evidências tenham sido discutidos previamente, de modo a permitir que a Corte os examine à luz do princípio da devolutividade.
A distinção a ser feita, portanto é entre a valoração da prova e o reexame a prova, sendo que sobre o tema, a ministra Eliana Calmon, no julgamento do AGRESP 420.217/SC, ensina:
“A valoração da prova refere-se ao valor jurídico desta, sua admissão ou não em face da lei que a disciplina, podendo ser ainda a contrariedade a princípio ou regra jurídica do campo probatório, questão unicamente de direito, passível de exame nesta Corte. O reexame da prova implica em reapreciação dos elementos probatórios para concluir-se se eles foram ou não bem interpretados, constituindo matéria de fato, soberanamente decidida pelas instâncias ordinárias, insuscetível de revisão no recurso especial” 6
Luiz Guilherme Marinoni, em seu artigo intitulado “Reexame da prova diante dos recursos especial e extraordinário”7, explica de forma didática esse tema para entendermos quando haverá vedação ou não ao reexame fático probatório.
O primeiro passo é observar qual seria a natureza do reexame que é proibido pela Súmula 7 do STJ, pois o reexame de provas, que, como já explicitado anteriormente, não é permitido nos recursos extraordinários, está intrinsecamente ligado ao reexame de convicções.
Ou seja, a proibição de reexame de provas impede a análise de se o tribunal que decidiu inicialmente considerou de forma adequada as provas para formar sua convicção sobre os fatos em questão, envolvendo a avaliação concreta da força probatória no contexto específico do caso, algo que difere da avaliação abstrata da eficácia da prova como meio de prova, que pode ser analisada nos recursos especiais por meio da chamada revaloração da prova.
A ideia central de Marinoni é sugerir uma classificação das questões com base nas diferentes etapas do processo de raciocínio do julgador, começando pelas questões que se relacionam à ligação entre o fato discutido e as provas apresentadas, e isto está intimamente relacionado à convicção que o julgador desenvolve com base nas evidências presentes nos autos.
Traçou-se, portanto, uma linha do tempo na qual as questões sobre a relação entre o fato e as provas ocupam a parte central, sendo que as questões que surgem antes ou depois desse ponto de referência não requerem uma revisão do conjunto de fatos e provas apresentados.
Dessa forma, não se trata de revisar os fatos em si quando falamos de questões que precedem a “relação fato-prova”, nem para as questões que surgem após essa etapa, ou seja, as questões que ocorrem antes de abordar a convicção sobre os fatos, bem como aquelas que surgem após essa fase, não estão sujeitas à revisão dos fatos nos termos da súmula 7, e como resultado, essas questões podem ser examinadas pelo STJ.
O professor Marinoni, a partir do conceito de que o reexame de prova deve estar conectado ao de convicção, diz que não se pretende a formação de nova convicção ou resulte e uma reanálise dos fatos a partir das provas, pois:
“(…)esse juízo não se confunde com aquele que diz respeito à valoração dos critérios jurídicos respeitantes à utilização da prova e à formação da convicção. É preciso distinguir reexame de prova de aferição: i) da licitude da prova; ii) da qualidade da prova necessária para a validade do ato jurídico ou iii) para o uso de certo procedimento, iv) do objeto da convicção, v) da convicção suficiente diante da lei processual e vi) do direito material; vii) do ônus da prova; viii) da idoneidade das regras de experiência e das presunções, ix) além de outras questões que antecedem a imediata relação entre o conjunto das provas e os fatos, por dizerem respeito ao valor abstrato de cada uma das provas e dos critérios que guiaram os raciocínios presuntivo, probatório e decisório.
Note-se que o que se veda, mediante a proibição do reexame de provas, é a possibilidade de se analisar se o tribunal recorrido apreciou adequadamente a prova para formar a sua convicção sobre os fatos. Assim, por exemplo, é proibido voltar a analisar as provas que convenceram o tribunal de origem sobre a presença de culpa.” 8
Parte superior do formulário
As questões que surgem antes da conexão entre os fatos e a prova referem-se à revaloração da prova, mencionado previamente, e se relacionam aos critérios jurídicos aplicados à utilização das provas e à formação das convicções, bem como à análise das provas de maneira abstrata ao verificar a violação de normas federais.
Se uma lei federal exige meio de prova específico para um determinado ato ou contrato jurídico, decisão judicial que considere provado esse ato ou contrato por meio de outra evidência estaria em desacordo com a legislação Federal.
Essas são questões que, embora envolvam provas, o fazem antes da relação delas com os fatos do caso, de maneira abstrata, sem considerar a situação concreta dos fatos.
Ou seja, enquanto o reexame probatório envolve principalmente uma análise mental de avaliação das provas (convicção), na revaloração de prova trata-se de um processo que avalia se houve uma infração aos princípios probatórios, e o fato de ocorrer em um estágio anterior significa que um erro abstrato em relação a um meio de prova pode contaminar as etapas subsequentes, incluindo a qualificação jurídica dos fatos.
Sob uma perspectiva mais conservadora desse sistema, sugere-se que apenas ocorreria um erro de direito em relação à valoração da prova quando a legislação federal tratar de forma abstrata sobre o valor probatório.
Ou seja, os tribunais superiores só poderiam examinar a questão se a reavaliação decorresse da violação da norma específica que aborda o valor da prova em análise.
Como exemplo temos a violação ao art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que deixa claro as hipóteses de inversão do ônus da prova.
Porém, sob um viés mais liberal, admitir-se-ia revaloração de prova independentemente de previsão legal sobre o valor da prova analisada, não se restringindo apenas a casos em que a lei federal dispõe sobre.
Nesse contexto surgem as indagações relacionadas à validade da prova, à suficiência da prova requerida para dar validade a um ato legal ou a um procedimento específico, à substância da convicção, à adequação da convicção conforme as leis processuais e as normas legais, à distribuição do ônus probatório e à adequação das regras de experiência e presunções.
- Requalificação
Se na alteração pretendida com o recurso especial estiver contida dúvidas sobre como os fatos vieram a ocorrer, isso significaria o reexame, sendo que, para que nessas situações seja cabível o recurso especial, necessário que esteja evidente na leitura do acórdão a ilegalidade apontada.
Ou seja, o aspecto crucial para determinar o que constitui uma questão de direito, a fim de determinar a viabilidade do recurso especial em situações em que o objeto recai sobre a qualificação legal dos acontecimentos, é o ponto de referência representado pela inclusão, no acórdão contestado, da descrição dos elementos factuais necessários para entender a alegação de ilegalidade em relação à legislação federal.
Consequentemente, no âmbito do recurso especial, o tribunal superior só estaria autorizado a retificar a qualificação jurídica feita pelo tribunal a quo quando a incerteza se limitar unicamente à adequação à norma em si, de forma isolada, visto que os fatos estarão já delineados no próprio acórdão.
Portanto a questão relacionada à alteração da qualificação jurídica dos fatos não seria considerada um reexame dos fatos e das provas se ela não exigir uma investigação adicional dos fatos.
Assim, se a qualificação jurídica for o único ponto de incerteza, isso não se enquadra na proibição da súmula 7, sendo que sobre o tema, o ministro Eduardo Ribeiro, no julgamento do AgRg nos EREsp 134108/DF, na Corte Especial, julga:
Recurso especial. Não ofende o princípio da Súmula 7 emprestar-se, no julgamento do especial, significado diverso aos fatos estabelecidos pelo acórdão recorrido. Inviável é ter como ocorridos fatos cuja existência o acórdão negou ou negar fatos que se tiveram como verificados.
Dessa forma, utilizar os fatos constantes da decisão a fim de alterar a qualificação jurídica dos fatos é considerada uma questão de direito.
Como exemplo prático, observa-se o acórdão do AgRg no REsp 851.924/RS, sendo um caso em que se discutia hipótese de responsabilidade objetiva em que a parte autora requeria indenização contra a empresa que fabrica cigarros pelos danos à sua saúde por consequência do tabagismo.
A Ministra Nancy Andrighi, em seu voto, ao discorrer sobre os limites da cognição do recurso especial, tratou do tema de forma bastante elucidativa:
Em outras palavras, diversas das premissas adotadas pelo 1º e 2º grau de jurisdição não advêm das provas dos autos, mas da valoração jurídica conferida pelo julgador àquilo que sabe sobre o tabagismo, a partir da sua própria experiência de vida, criação, cultura e visão do mundo. Nesse aspecto, esta Corte já teve a oportunidade de decidir que não é nula a decisão se o Juiz, “fazendo alusão a fatos de seu conhecimento pessoal, advindos de sua experiência de vida, os sopesa com aqueles extraídos dos autos, formando, assim, a sua livre convicção” (RHC 6.190/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ de 19.12.1997).Assim, aos fatos especificamente relacionados à ação (por exemplo, a data em que a pessoa começou a fumar e quando adoeceu, a doença de que foi acometido etc.) – estes sim alcançados pelo óbice da Súmula 07/STJ – agregaram-se outros, intrínsecos a cada julgador e retirados da sua própria vivência, resultando na tipificação dos atos praticados pelas partes. Conforme lição de Benjamin Nathan Cardozo, renomado membro da Suprema Corte americana, parte do processo decisório empreendido pelo Juiz envolve a interpretação da consciência social, dando-lhe efeito jurídico (A natureza do processo judicial e a evolução do direito. Trad. Leda Boechat. Porto Alegre: AJURIS, 3ª ed., 1978). Esse processo exegético não deriva da apreciação das provas carreadas aos autos, mas da experiência de vida cumulada pelo julgador, não jungida aos limites impostos pela Súmula 07/STJ.
A análise dessas proposições, fruto exclusivo da experiência individual do julgador, não implica reexame da prova. Caracteriza apenas a reapreciação de juízos de valor que serviram para dar qualificação jurídica a determinada conduta. José Carlos Barbosa Moreira bem observa que, embora não seja lícito ao STJ repelir como inverídica a versão dos acontecimentos aceita pelo Tribunal de origem, “sem dúvida pode qualificá-los com total liberdade, eventualmente de maneira diversa daquela por que fizera o órgão a quo, em ordem a extrair deles consequências jurídicas também diferentes” 9
O STJ possui jurisprudência sólida nesse sentido, conforme se pode observar pelos julgados: AgRg no AgRg no REsp 692.752/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 03.09.2007; REsp 1.091.842/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 08.09.2009; e AgRg no Ag 1.108.738/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 11.05.2009.
- Conclusão
Diante da considerável quantidade de recursos que congestionam o STJ, um tribunal que enfrenta tenazmente a sobrecarga de processos, é imperativo evitar a deturpação de sua função constitucional, e nesse contexto, a corte deve continuar implementando medidas e ações para que seja possível a sua atuação de forma adequada, selecionando os casos mais relevantes e evitando a admissão de recursos sem fundamentos jurídicos adequados, reafirmando a sua essência que é trazer uniformidade para o entendimento da lei federal.
No entanto, em que pese o excesso de recursos especiais que são interpostos perante o STJ, em muitos desses casos as partes frequentemente são afetadas por alguns vícios que não necessariamente ocorrem por sua culpa.
Dessa forma, a revaloração e a requalificação das provas constituem ferramentas cruciais para garantir a eficácia da prestação jurisdicional, sendo possível concluir que elas não resultam na distorção da função constitucional da Corte, pelo contrário, representam a aplicação correta da legislação federal e a uniformidade na sua interpretação, trazendo como resultado o fortalecimento da instituição do poder judiciário e contribuindo para uma maior segurança jurídica.
Autor: Marcus Vinicius Silva Paulino da Costa