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Breves considerações acerca da desjudicialização da execução civil com base no Projeto de Lei n. 6.204/2019
De acordo com o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no ano de 2022, o Poder Judiciário contava com um acervo de mais de 81 milhões de processos em tramitação (17,7 milhões suspensos, sobrestados ou arquivados provisoriamente, e 63 milhões em andamento), sendo que 52,3% são casos em fase de execução.
A execução judicial não criminal apresentava uma taxa de congestionamento de 71,1%, com 3,7 milhões de casos novos e mais de 10 milhões de casos pendentes ou suspensos contra de 3,6 milhões de casos baixados. Já a execução extrajudicial não fiscal conta com uma taxa de congestionamento de 87,7%, com aproximadamente 950 mil casos novos, quase 4 milhões de casos suspensos ou pendentes, contra próximo de 813 mil casos baixados.
O relatório ainda destaca que a execução constituiu “grande parte dos casos em trâmite e etapa de maior morosidade” para o Poder Judiciário. Esses dados indicam não apenas o excessivo volume total de processos em curso, mas também um congestionamento na quantidade de casos pendentes de resolução e que não podem ser baixados.
É em meio a esse cenário de busca por um procedimento mais efetivo e célere que a desjudicialização ganha ênfase. Cada vez são tomados esforços para a adoção de meios extrajudiciais de resolução de conflitos, afastando a ideia de soberania do Estado-Juiz e a visão do Poder Judiciário como único capaz de solucionar dissídios.
Importante destacar a alteração trazida pela Emenda Constitucional 24/2004, que adicionou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal, de modo assegurar “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Para tanto, há, com maior frequência, a transferência da competência do Poder Judiciário para as serventias, cartórios de registros ou de notas, conforme exemplos:
- A Lei federal 11.441/2007, que alterou o antigo Código de Processo Civil de modo a possibilitar a realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensual pela via administrativa, quando não houver menores ou incapazes envolvidos;
- O provimento nº 149 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que autoriza que o procedimento de alteração de pronome e/ou gênero de pessoas transgênero seja realizado perante o ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais; e
- O art. 1.071 do Código de Processo Civil, que alterou o art. 216-A da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), autorizando o reconhecimento extrajudicial de usucapião.
Nesse contexto que surge o Projeto de Lei nº 6.204/2019, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS). O projeto de lei foi proposto em 27/11/2019, com a seguinte ementa:
Dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial; altera as Leis nª a nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, a nº 9.492, de 10 de setembro de 1997, a nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000, e a nº 13.105 de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
A justificativa apresentada pelo Gabinete da Sen. Soraya Thronicke para a propositura do projeto é primariamente o “aumento da litigiosidade multifacetada”, e os “impactos negativos econômicos para o desenvolvimento do País”, considerando os créditos anuais que deixam de ser satisfeitos, impactando o crescimento nacional, bem como o elevado custa da movimentação da máquina judiciária.
Diz-se que o objetivo da proposta é simplificar e desburocratizar a execução de títulos civis, utilizando-se de um novo modelo, tendo como base as reformas ocorridas no exterior, onde a execução de títulos é realizada sem a intervenção do Judiciário, exceto em situações excepcionais, sendo de responsabilidade do “agente de execução” receber e dar andamento ao pedido do credor (na França essa atividade é realizada pelo hussier, na Alemanha pelo gerichtsvollzieher; em Portugal, pelo solicitador de execução; na Itália, pelo agenti di esecuzione; na Suécia, pelo kronofogde; e na Espanha, pelo secretário judicial).
Para tanto, propõe que a execução de títulos executivos seja delegada a um tabelião de protesto, nos termos do art. 236 da Constituição Federal, que dispõe que os serviços notarias e de registro serão exercidos em caráter privado, possibilitando que a desjudicialização da execução fosse posta em prática. Conferindo ainda as tarefas de verificação dos pressupostos da execução, realização de citação, penhora, alienação, recebimento de pagamento e extinção do processo executivo extrajudicial.
Assim, com o intuito de melhor entender a proposta de desjudicialização da execução civil, é preciso explorar o conteúdo do projeto de lei objeto desse texto.
O projeto de lei nº 6.204/2019.
O projeto de lei nº 6.204/2019 visa a cobrança de títulos executivos judiciais e extrajudiciais pela esfera extrajudicial (art. 1º), exceto quando se tratando de incapazes, condenados presos ou internados, pessoas jurídicas de direito público, massa falida ou insolventes civis (art. 1º, parágrafo único), sendo obrigatório a representação por advogado (art. 2º).
Além disso, o projeto atribui ao tabelião de protesto o exercício da figura de “agente de execução” (art. 3º), e incumbe a ele as seguintes funções (art. 4º):
I – examinar o requerimento e os requisitos do título executivo, bem como eventual ocorrência de prescrição e decadência;
II – consultar a base de dados mínima obrigatória, nos termos do art. 29, para localização do devedor e de seu patrimônio;
III – efetuar a citação do executado para pagamento do título, com os acréscimos legais;
IV – efetuar a penhora e a avaliação dos bens;
V – realizar atos de expropriação;
VI – realizar o pagamento ao exequente;
VII – extinguir a execução;
VIII – suspender a execução diante da ausência de bens suficientes para a satisfação do crédito;
IX – consultar o juízo competente para sanar dúvida relevante;
X – encaminhar ao juízo competente as dúvidas suscitadas pelas partes ou terceiros em casos de decisões não reconsideradas.
Os títulos executivos judiciais e extrajudiciais somente serão apresentados ao agente da execução por iniciativa do credor caso previamente protestados e caso se trate de obrigação de pagar quantia líquida, certa e exigível (art. 6º).
A apresentação se dará observando os requisitos do art. 798 do Código de Processo Civil vigente, comprovando o recolhimento dos emolumentos prévios, salvo se beneficiário de gratuidade (art. 8º).
Em caso de irregularidade ou na ausência de documentos indispensáveis à propositura da execução, o agente da execução determinará que o credor realize as correções necessárias no prazo de 15 (quinze dias) úteis, sob pena de cancelamento do requerimento (art. 9º).
Após, o agente da execução citará o devedor para o pagamento do título, acrescidos de juros, correção monetária, honorários advocatícios de 10% (dez por cento) e emolumentos iniciais (art. 10º), sendo que a ausência de pagamento no prazo de 5 (cinco) dias úteis resultará na penhora de bens e demais atos expropriatórios (art. 10, §1°)
Caso não localizado, o devedor se dará por citado mediante edital afixado na sede do tabelionato, com publicação no Diário de Justiça ou jornal eletrônico de publicação dos editais de intimação de protesto (art. 11), e transcorrido o prazo sem pagamento, conforme previsão no art. 830 do Código de Processo Civil, o agente da execução arrestará tantos bens quanto necessários para garantir a execução (art. 11, §1°). A suspensão da execução se dará quando não localizados bens suficientes do devedor para a satisfação do crédito (art. 15).
A extinção da execução independerá de pronunciamento judicial, bastando apenas ser declarada por certidão (art. 17).
Para além disso, o projeto prevê a interação entre o tabelião de protesto com a via judicial (art. 4º, IX e X), sendo que o agente poderá consultar o juízo sobre dúvidas acerca do título executado e ao procedimento executivo (art. 20). Quando as partes entenderem que a decisão do agente poderá lhes causar prejuízos, poderão impugnar por suscitação de dúvida perante o próprio agente, que, se não reconsiderar, deverá encaminhá-la ao juízo competente (art. 21, § 1º). Referidas decisões são irrecorríveis (art. 20, § 2º e art. 21, § 2º).
Há ainda a possibilidade de oposição de embargos à execução, que independente de penhora, depósito ou caução, podem ser apresentados ao juízo (art. 18), cuja competência será do local onde se situar o tabelionato em que estiver sendo processada a execução extrajudicial (art. 18, § 1º).
O Conselho Nacional de Justiça e os tribunais terão competência para expedir atos normativos de modo a regulamentar os procedimentos da execução extrajudicial (art. 24), atuando em conjunto com os tabeliães de protesto na capacitação dos agentes de execução, seus prepostos e dos serventuários da justiça (art. 22), e elaboração de modelo-padrão de requerimento de execução a ser encaminhado aos agentes de execução, a ser preenchido com os dados da partes, valores envolvidos, bens conhecidos do devedor e demais informações relevantes (art. 26), ainda, terão o dever de fiscalizar e auxiliar os tabelionatos para o cumprimento do disposto em lei (art. 27).
Até o momento (dezembro/2023), foram propostas 27 emendas ao texto original e atualmente o projeto se encontra em tramitação, com remessa à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCCJ em 06/07/2023, onde aguarda designação de relator.
Considerando a relevância do tema, necessário agora adentrar, mesmo que brevemente, em questões pertinentes relativas ao projeto tratado.
- Considerações favoráveis ao projeto de lei
Parte daqueles que se debruçaram sobre o estudo do projeto de lei o receberam com aprovação, especialmente em se tratando da desjudicialização como forma de desafogar o judiciário, que é ponto recebido com maior entusiasmo quando se debate o tema.
O então relator Sen. Marcos Rogério, elaborou parecer positivo acerca do projeto, votando pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa, e, no mérito, pela aprovação do projeto, na forma de emenda substitutiva.
Para ele a quantidade de juízes em atuação hoje não comporta a quantidade de causas em trâmite, o que, apesar dos esforços pelo Poder Judiciário e do Conselho Nacional de Justiça para desenvolvimento da gestão processual, resulta em excessivo período de espera para a resolução da lide.
Ainda, ressaltou que a maior parte dos processos de execução é arquivado pela ausência de bens penhoráveis, com dispêndio de tempo dos magistrados em causas que “não geram qualquer resultado útil ao cidadão”.
Reforçou ainda que os cartórios de protestos, como um serviço de auxílio ao Poder Judiciário, são compostos por tabeliães com alta aptidão técnica, e que estão sujeitos a constantes fiscalizações pelos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Assim, entendeu que a desjudicialização da execução civil aliviaria a sobrecarga dos processos no Judiciário e traria um ganho ao cidadão, na medida em que tornaria o procedimento de execução mais célere.
Para Humberto Theodoro Júnior, a transferência de encargos para o agente de execução tornará seus serviços mais eficientes, enquanto aliviaria o encargo dos juízes, possibilitando que tenham maior disponibilidade de tempo para enfrentar os processos de cognição, que são os que “reclamam a atividade pacificadora contenciosa”.
Conforme entendem Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Maria Martins Silva Stancati, o uso da via judicial deve ser feito de maneira subsidiária, “de forma a evitar a sobrecarga do sistema, o que leva, inexoravelmente, ao comprometimento da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional”.
Adicional ponto positivo estaria no art. 2º do projeto de lei, que garante a obrigatoriedade da representação por advogado em todos os atos, assegurando a fixação da verba honorária e mantendo o entendimento do art. 85, § 1º do Código de Processo Civil.
Outro ponto de destaque é o art. 24 do projeto, que cuida da expedição de atos normativos pelo Poder Judiciário e pelo CNJ, bem como a constante supervisão, prevista no art. 27 do projeto de lei, por estes órgãos, dos tabelionatos de protestos.
Além disso, existe previsão para a capacitação dos tabeliães, a ser realizada pelo CNJ e pelos Tribunais de Justiça, conforme previsão do art. 22 do projeto de lei, o que, conforme entendido por Geraldo Og Nicéas Fernandes, Flavia Pereira Ribeiro e Frederico Augusto Leopoldino Koehler, “atribuiria excelência e muito maior confiabilidade a todas as tarefas por eles desenvolvidas”, inexistindo afronta à Constituição Federal, uma vez que
(…) o devedor que entender que a execução realizada por um agente privado desenvolve-se de forma injusta ou ilegal poderá socorrer-se do Judiciário por meio de embargos à execução, suscitação de dúvidas e impugnação (artigos 18 a 21 do PL), assegurando-se, assim, os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e até mesmo do acesso à Justiça, ainda que sob um novo prisma.
O entendimento consignado por Arruda Alvim e Joel Figueira Jr. é também pela constitucionalidade do projeto de lei, que, em brevíssima consideração, compreenderam que o que se denomina de reserva de jurisdição já “há muito encontra-se superado”, visto a flexibilização dos subprincípios do juiz natural e da inafastabilidade da jurisdição estatal.
o Brasil, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal há quase 20 anos atrás (em 2001) colocou pá de cal acerca do tema alusivo à (in)constitucionalidade da Lei da Arbitragem (9.307/96)8 , no julgamento do processo de homologação de Sentença Estrangeira n. 5206-8/246, oriunda do Reino da Espanha, em recurso de agravo regimental, e, nessa linha, acertadamente o Código de 2015 deu o tom de modulação à regra insculpida no art. 5º, inc. XXXV da Lei Maior ao dispor no art. 3º, caput, que “não se excluirá da apreciação jurisdicional [pública ou privada] ameaça ou lesão a direito”, reafirmando o permissivo legal da arbitragem, em seu § 1º;.
Da mesma forma é o entendimento exarado por Humberto Theodoro Júnior, que não vê a desjudicialização da execução como ofensa à garantia constitucional de acesso à Justiça, e muito menos de “negação da garantia de acesso ao Poder Judiciário”, uma vez que os agentes da execução tão somente teriam como função os atos de executivos, e que eventual impugnação seria direcionada a um juiz togado.
Ainda, evidencia como vantagem o fato de a localização de bens penhoráveis ser realizada por agente especializado cuja remuneração é atrelada ao desempenho exitoso da atividade executiva.
Para além disso, para Geraldo Og Nicéas Fernandes, Flavia Pereira Ribeiro e Frederico Augusto Leopoldino Koehler, a desjudicialização deve ser vista como instrumento capaz de alcançar a efetividade da tutela jurisdicional executiva, de modo que o projeto de lei é capaz de trazer inovações
(…) com potencial aumento de eficiência, além de modernização e ampliação do acesso à justiça, além de barateamento dos custos estatais com a manutenção do Poder Judiciário.
- Críticas ao projeto de lei
Em contrapartida, são feitas diversas críticas ao projeto de lei nº 6.204/2019.
A Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, apresentou Nota Técnica, na qual entendeu pela necessidade de rejeição do projeto. A manifestação considera, dentre outros pontos, que o projeto viola os princípios fundamentais da jurisdição – juiz natural, da indeclinabilidade e inelegibilidade do poder jurisdicional – quando busca transferir o exercício da competência para o procedimento da execução civil.
Aduz ainda que o projeto poderia prejudicar a efetividade do procedimento executivo, visto que agentes de execução não poderiam, por exemplo, se valer da cooperação jurídica internacional na busca e localização de ativos, por não constituírem autoridade judicial.
No mais, alude ao fato de não ter sido realizado estudo prévio a fim de comprovar que os tabeliães estariam preparados, em se tratando de estrutura e pessoal, para assumir as atribuições previstas no projeto, ainda mais considerando a capacidade territorial do País.
Em parecer emitido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, que entendeu pela manifestou contrária à aprovação do projeto, chega-se a mesma conclusão, de que não há demonstração a comprovar que os tabeliães “estejam preparados para assumir tal função, inclusive do ponto de vista de estrutura e de pessoal”.
Para Paulo Henrique dos Santos Lucon, Luciano Vianna Araújo e Rogéria Fagundes Dotti, há uma desproporção entre a quantidade de tabelionatos e de execuções em andamento, cujos números de 2020 evidenciam a falta de estrutura e capacidade de comportar o atendimento do volume de casos em trâmite.
(…) No ano passado, além das execuções que já se encontravam em andamento, surgiram mais 3.994.836 execuções no espaço de um ano. A quantidade impressiona e demonstra que a execução constitui o gargalo do sistema de Justiça civil brasileiro. Por outro lado, o número de tabelionatos de protesto é infinitamente menor, não chegando a 1% desse montante. Somando os tabelionatos de protesto das capitais brasileiras, chega-se a apenas 99 serventias. São 20 tabelionatos de protesto nas capitais da Região Norte, 26 nas capitais da Região Nordeste, 21 nas capitais da Região Centro-Oeste, 19 nas capitais da Região Sudeste e 13 nas capitais da Região Sul.
Ainda entendem que a atribuição das funções de agente de execução aos tabeliães de protesto poderá gerar um “gravíssimo risco de falta de operosidade e efetividade para as execuções civis”, tendo em vista a atual ausência de capacitação dos tabeliães para o exercício de tais funções, o que é admitido pelo próprio texto do projeto, em seu art. 22, que indica a necessidade do Conselho Nacional de Justiça e tribunais locais para atuarem em conjunto promovendo a capacitação dos agentes de execução.
Art. 22. O Conselho Nacional de Justiça e os tribunais, em conjunto com os tabeliães de protesto, por sua entidade representativa de âmbito nacional, promoverão a capacitação dos agentes de execução, dos seus prepostos e dos serventuários da justiça, a ser concluída até a entrada em vigor desta Lei.
Retornando ao parecer emitido pelo CFOAB, o relator Antônio Fabrício Matos Gonçalves elenca o que chama de “imperfeições” quanto ao projeto e sua justificativa, dentre eles:
- enfraquecimento da gratuidade da justiça para o credor que tenha créditos a receber, pois o texto do projeto apenas garante, em seu art. 5º, que “o pagamento dos emolumentos seja realizado somente após o recebimento do crédito executado”;
- desconsideração das regras de competência previstas no Código de Processo Civil, visto que o projeto aduz em seu art. 7º, que as execuções serão processadas “perante os tabelionatos do foro do domicílio do devedor; e
- a suposição de que a irrecorribilidade das decisões a qual diz respeito os arts. 20, §2º e 21, §2º do projeto, aumentaria o uso de mandados de segurança impetrados frente aos tribunais de segunda instância para rediscussão de teses fixadas em decisões irrecorríveis de primeira instância.
A própria irrecorribilidade das decisões judiciais acerca das consultas e das dúvidas suscitadas, conforme mencionado acima, é outro ponto em discussão, pelo entendimento que a proibição a recurso implicaria “grave retrocesso ao sistema processual vigente”, uma vez que sem o recurso, a questão ficaria restrita ao juiz da causa, mitigando o sistema de precedentes, como afirmam Paulo Henrique dos Santos Lucon, Luciano Vianna Araújo e Rogéria Fagundes Dotti.
A exigência de protesto prévio, conforme prevista nos arts. 6º e 14 do projeto, também é alvo de críticas, uma vez que o protesto em si jamais foi um pressuposto para o início do processo executivo, mas tão somente uma opção do credor, conforme evidenciam também Paulo Henrique dos Santos Lucon, Luciano Vianna Araújo e Rogéria Fagundes Dotti, que veem o requisito como “inaceitável”.
Por fim, um dos pontos de contenção acerca do tema diz respeito à inexistência de previsão no texto do projeto acerca de formas de melhoraria no que de fato impede a satisfação do credor quando se trata da execução, qual seja, a ausência de bens do devedor.
Conclusão
Portanto, tem-se que o projeto de lei nº 6.204/2019 surge em momento oportuno, visto a grande atenção dada ao tema da desjudicialização e atual crise enfrentada pelo Poder Judiciário no que se refere à quantidade excessiva de processos em trâmite e a morosidade e inefetividade do sistema, não obstante os melhores esforços realizados para alteração desse paradigma.
Entretanto, justamente diante da complexidade do tema é forçoso que sejam tomados os devidos cuidados quanto à discussão e ao trâmite do projeto, pois não se pode deixar que as inovações e tentativas de desafogamento do poder judiciário se traduzam em um avanço sobre direitos fundamentais. É necessário um equilíbrio entre a satisfação da execução e a devida prestação jurisdicional.
Autor: Alicia Paola Alves Possadas