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A atuação das instituições bancárias na pandemia do COVID-19
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, já estabelecia em seu Capítulo V, no art. 154, a observância ao cumprimento de medidas de higiene e segurança do trabalho. Mas foi com a edição da Lei 6.514, de 22 de dezembro 1977, que houve alterações significativas para o cumprimento das referidas medidas de proteção por todos os atores envolvidos na dinâmica laboral, do Poder Público ao empregado.
A construção legal e procedimental em torno da Segurança e Saúde do Trabalho (SST) sofreu alterações ao longo dos anos sobretudo para atender às novas realidades laborais, em razão das modificações no ambiente de trabalho impostas pelo acelerado desenvolvimento tecnológico e interdependência de setores econômicos a nível global.
O sistema econômico operava com certa previsibilidade e segurança nos fluxos de mercadorias e pessoas, até o mundo se deparar com a necessidade de enfrentar uma pandemia sem precedentes na história mundial.
A pandemia de COVID-19 afetou todos os setores da sociedade, sobretudo o sistema financeiro. O novo Coronavírus impactou toda a infraestrutura econômica formada com a globalização, indo de severas quedas das principais moedas do mundo – influenciadas pela paralização das linhas de produção dos mais variados itens de consumo – até o fechamento dos mais simples estabelecimentos comerciais locais em razão do isolamento social.
Com o setor bancário não foi diferente. A realidade laboral de todos aqueles que trabalham em agências bancárias, seja de forma direta ou indireta (como é o caso de trabalhadores terceirizados), alterou-se drasticamente, levando a colocação de empregados em trabalho remoto, rodízios em atendimentos presenciais, utilização de instrumento de proteção contra a proliferação do COVID-19, incremento das plataformas financeiras digitais, dentre outras inúmeras medidas. Mas uma coisa era certa, e continua sendo, o atendimento bancário não poderia ser interrompido.
Não por outro motivo, a atividade bancária foi considerada essencial pelo Decreto Federal n.º 10.329/2020, isso porque as instituições financeiras passaram a representar um ator importante para a mitigação dos impactos do COVID-19, dada a necessidade de operacionalizar os pagamentos de benefícios emergenciais e aposentadorias.
Atentas à nova realidade imposta pela pandemia, as instituições financeiras passaram a exercer suas atividades com foco em prestação de serviço remoto para diminuir as ocorrências de contágios – o que levava ao fechamento de agências para sua desinfecção. Essa atuação foi, inclusive, objeto de mesas redondas de negociação com os sindicatos da categoria, cujas Convenções Coletivas de Trabalho passaram a prever expressamente reuniões periódicas para tratar da prevenção e controle do COVID-19 no setor bancário.
Previsões legais preexistes à pandemia de COVID-19
Primeiramente, é importante destacar que as normas de segurança e medicina do trabalho, previstas no art. 154 da CLT e seguintes, têm por escopo estabelecer medidas que assegurem a saúde e a segurança dos trabalhadores – seja no aspecto preventivo, seja no aspecto protetivo – no contexto do ambiente de trabalho, bem como recuperar e manter sua integridade psicofísica. Em suma, a segurança do trabalho visa prevenir doenças profissionais e acidentes laborais no meio ambiente de trabalho, ao passo que a medicina do trabalho preza pela preservação da saúde dos trabalhadores.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXII, estabeleceu como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Logo, cabe, primordialmente, ao empregador proporcionar aos trabalhadores, em sentido lato, higidez no ambiente laboral, com vistas a prezar pela integridade física e psicológica daqueles que lhe prestam serviços.
Ademais, o artigo 154, da CLT, elucida que, para além das disposições gerais trazidas pela legislação federal, a instituição empregadora tem o dever de cumprir todas as demais normas editadas por autoridades estaduais ou municipais, assim como aquelas estabelecidas por meio de de convenções coletivas e/ou acordos coletivos de trabalho.
Nesse contexto, cabe mencionar que o Brasil é membro signatário da Convenção n.º 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), – a provada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1981), entrou em vigor no plano internacional em 11 de agosto de 1983 – que prevê, dentre outras medidas, a instituição de uma política nacional para a promoção da saúde e segurança no trabalho, visando a eliminação ou a máxima de diminuição dos riscos inerentes das funções desempenhadas pelos trabalhadores.
A adoção da referida política nacional não se manteve apenas a cargo do Poder Executivo de operacionalizar as medidas necessárias para a mitigação dos riscos à saúde e segurança do trabalhador. A Convenção n.º 155, da OIT, ainda prevê que as organizações representativas de trabalhadores e empregadores deverão ser consultadas para formular, operacionalizar e revisar de tempos em tempos políticas em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho.
É dizer, não é apenas dos empregadores a incumbência de garantir um meio ambiente de trabalho saudável, mas sim de todos os atores que dele participam. Nesse contexto, a OIT também dispôs que deverão existir órgãos permanentes de fiscalização das medidas adotadas pelos Estados-Membros em seus territórios, a fim de que seja assegurado o estrito cumprimento do plano nacional de proteção ao trabalho.
No Brasil, a própria CLT já previa tais institutos e ainda elucida que as ações de proteção à saúde e segurança no meio ambiente de trabalho é dever tanto de empregados quanto empregadores, como se observa dos artigos 155 e 156, que trazem as competências das Delegacias Regionais do Trabalho e da Secretaria de Inspeção do Trabalho, atualmente vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, por redação dada pelo art. 21, do Anexo I, do Decreto 11.359/2023.
Com o advento da pandemia de COVID-19, todos os setores da economia passaram a se questionar como cumprir e fazer cumprir medidas que garantissem a saúde e proteção dos trabalhadores para a continuidade das atividades laborais.
A essencialidade da atividade bancária e as medidas de prevenção e combate ao COVID-19.
No dia 11 de março de 2020, a OMS declarou o estado de emergência sanitária global decorrente do surto de Sars-Cov-2. Iniciava-se a maior pandemia da história contemporânea e com ela inúmeros questionamentos, sobretudo no contexto do intenso fluxo de pessoas e mercadorias – principal característica da globalização – que asseverou a transmissão do COVID-19 pelo mundo.
De início, a OMS recomendou o isolamento social, distanciamento mínimo entre as pessoas, utilização de máscaras e uso frequente de álcool em gel para a evitar o contágio e a proliferação do COVID-19.
Não por outro motivo, a adoção do regime de teletrabalho foi tratada como forma de mitigar os efeitos da crise sanitária. A noção tradicional de que o trabalho deveria se realizar em local único e previamente definido foi modificada com o novo cenário pandêmico e trazendo a necessidade de sua regulamentação.
No Brasil, a Reforma Trabalhista (Lei Federal n.º 13.467/17) introduziu na CLT o art. 75-A a previsão legal acerca da prestação de serviços pelo empregado por meio do regime de teletrabalho, o que já era a realidade em muitos postos de trabalho. A citada modalidade de prestação de serviços foi adotada em larga escala durante a emergência de saúde pública causada pela Covid-19, que teve sua regulamentação no âmbito das Medidas Provisórias nº 927, de 2020, e nº 1.046, de 2021, posteriormente incorporadas à CLT, como forma de se minorar os efeitos causados pela pandemia da Covid-19, em razão da eficiência dos sistemas informatizados de comunicação nas relações de trabalho, não se identificando perdas para os trabalhadores e para a sociedade, e com o setor bancário não foi diferente.
Desde o dia 16 de março de 2020 (um dia após a decretação do estado de pandemia no mundo), o Comando Nacional dos Bancários passou a dispor sobre a situação com a Federação Nacional dos Bancos (FENABAN) no intuito de adotar medidas para equilibrar a necessidade de proteção da saúde dos bancários, com os serviços essenciais para a população prestados pelas agências bancárias.
De início, foi criado um comitê bipartite de crise visando justamente acompanhar as orientações das autoridades de saúde diante da pandemia gerada pelo novo coronavírus) e tratar das medidas a serem tomadas pelos bancos, de acordo com a evolução da epidemia.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF) reconheceu o compromisso assumido pela FENABAN ao colocar em regime de teletrabalho mais de 230 mil funcionários logo nos primeiros dias da pandemia, sendo que, à época, 2.200 agências bancárias já estavam fechadas.1
Nesse contexto, nota-se que, mesmo com previsões legais preexistentes, como vistas no tópico anterior, não havia solução pré-constituída para combater a propagação do coronavírus e enfrentar a grave emergência de saúde pública decorrente dessa propagação.
Viu-se que as incertezas decorrentes do surto de COVID-19 no mundo levaram à adoção de medidas controversas pelos entes federados, entretanto, o setor bancário, por se tratar de um sistema historicamente estruturado no sentido celebrar negociações e acordos coletivos entre os representantes dos empregadores e empregados, passou a definir diretrizes nacionais para o enfrentamento da crise sanitária, em observância às medidas de proteção e combate ao novo Coronavírus estabelecidas pelas autoridades da saúde, tanto nacionais quanto internacionais.
Com vistas a preservar a saúde e segurança no trabalho, sem com isso prejudicar o atendimento bancário à população, cabe mencionar, primeiramente, a Circular DC/BACEN Nº 3.991 de 19/03/2020, que permitiu que as próprias instituições financeiras, conhecendo as peculiaridades locais, ajustem o horário de atendimento ao público. Nessa conjuntura, no âmbito federal, foi sancionada a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública, devendo ser observada por todas as atividades econômicas. Dentre as medidas destacam-se:
I – isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e
II – quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual;
Nesse mister, passou-se a questionar a essencialidade da atividade bancária no cenário da pandemia e em que medida deveria perdurar o trabalho remoto ante a necessidade de atendimento presencial.
O isolamento social e a preponderância do trabalho remoto no contexto da pandemia de COVID-19, levou às instituições bancárias a aprimorarem o ambiente digital para que a oferta de produtos e serviços se mantivessem.
Entretanto, no período de quarentena, conforme declarou o Supremo Tribunal Federal nos autos da ADI 6341, “o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais” deverão ser resguardados de qualquer “restrição à circulação de trabalhadores que possa afetar o funcionamento” dessas atividades essenciais deve ser vedada, sem descurar-se das competências atribuídas aos Estados e Municípios para adotar as medidas necessárias ao combate da pandemia.
Nesse contexto, cabe mencionar que o Decreto Federal 10.329, de 28 de abril de 2020, que regulamentou a Lei 13.979/2020 conceituando e dispondo sobre quais são as atividades essenciais em seu art. 3º, veja-se:
Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º. § 1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:
(…) XX -serviços de pagamento, de crédito e de saque e aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXV – produção e distribuição de numerário à população e manutenção da infraestrutura tecnológica do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro; (Redação dada pelo Decreto nº 10.292, de 2020)
XXX – mercado de capitais e seguros;
LI – atividades de atendimento ao público em agências bancárias, cooperativas de crédito ou estabelecimentos congêneres, referentes aos programas governamentais ou privados destinados a mitigar as consequências econômicas da emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 2020, sem prejuízo do disposto nos incisos XX e XL; (Redação dada pelo Decreto nº 10.329, de 2020)
O principal motivo de regulamentar a essencialidade da atividade bancária no contexto da pandemia diz respeito à operacionalização dos benefícios sociais e pagamento de aposentadorias, vez que aproximadamente 34 milhões de brasileiros ainda não possuem acesso à internet2 e, consequentemente, não utilizam das plataformas digitais das instituições financeiras, o que levou à necessidade de atendimento presencial para garantir o acesso aos benefícios sociais que foram instituídos pelo poder público durante a pandemia.
Como já mencionado linhas acima, o própria CONTRAF reconheceu o esforço das instituições financeiras em adotar medidas de prevenção e combate ao COVID-19 no âmbito do atendimento presencial que, num primeiro momento, se deu de forma reduzida o contingente de bancários no interior das agências com igual determinação que houvesse limitação no atendimento a clientes para que não houvesse aglomeração nas agências bancárias.
Por atuarem em âmbito nacional, todas as instituições bancárias passaram a adotar diretrizes alinhadas às determinações das autoridades de saúde, tanto nacionais quanto internacionais, para que as agências bancárias de todo o país observassem estritamente os instrumentos normativos de cada ente federado com vistas a minorar a proliferação do COVID-19.
Para além disso, observou-se o fornecimento ininterrupto de instrumentos de proteção à clientes e funcionários; adoção de protocolo de desinfecção de agências, quando da constatação de funcionário acometido pelo novo coronavírus e sua colocação em quarentena; a disponibilização de testagem e acompanhamento da evolução do quadro de infeccioso por meio do plano de saúde empresarial; a modificação nos protocolos de limpeza das agências e de seu mobiliário; aliado à colocação dos funcionários do grupo de risco em teletrabalho mitigaram a disseminação do COVID-19 e garantiram a manutenção da prestação dos serviços bancários, considerados essenciais à população.
É importante destacar que as medidas adotadas pelas instituições financeiras foram prestigiadas na própria Convenção Coletiva de Trabalho vigente da categoria (CCT), que assim prevê em sua Cláusula 89:
“A Organização Mundial da Saúde – OMS declarou, em 11.03.2020, a pandemia de COVID-19. No dia 12.03.2020, foi instaurada Mesa de Negociação Nacional Permanente COVID-19, pelas partes signatárias, envolvendo Confederação, Federações e mais de 100 Sindicatos que representam nacionalmente os bancários do país, para a promoção e proteção da saúde dos bancários, bem como a redução dos impactos trabalhistas decorrentes da pandemia, por infecções por COVID-19.
Parágrafo primeiro – Desde o primeiro momento, as partes estão zelando pela saúde dos bancários e clientes, e assegurando os serviços bancários que são essenciais às necessidades da sociedade, sempre com transparência e por meio do diálogo social. Temas que foram objeto de negociação pelas partes:
- Implementação de medidas de proteção e prevenção nos ambientes de trabalho incluindo a divulgação de orientações ou protocolos;
- Procedimentos com relação aos casos suspeitos e confirmados da COVID-19 e para aqueles que tiveram contato;
- Etiqueta respiratória e higienização das mãos;
- Distanciamento social;
- Limpeza, higiene, desinfecção e ventilação dos ambientes;
- Proteção ao grupo de risco; e
- Equipamentos de proteção como máscaras e viseiras.
Parágrafo segundo – a prevenção e o controle da COVID-19, no setor bancário, continuarão sendo prioridade nas reuniões periódicas entre o Comando Nacional dos Bancários e a Comissão de Negociações da FENABAN.
Desse modo, as instituições financeiras atuando em conjunto os órgãos representativos da classe trabalhadora continuam a deliberar e aperfeiçoar as medidas de prevenção e combate ao COVID-19.
Conclusão
Portanto, vê-se que desde o primeiro momento as instituições financeiras não se furtaram de seu múnus público sem que isso representasse prejuízos à saúde de seus trabalhadores no curso da pandemia de COVID-19. Observa-se, ainda, que as alterações legislativas alusivas ao combate à pandemia decorreram de interpretação constitucional chanceladas pelo STF, o que demonstra a efetividade da Lei Maior, mesmo em contextos extremos.
Autor: Ulysses Soares dos Santos