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Reflexões sobre o financiamento do devedor e do grupo devedor em recuperação judicial
A Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (doravante referida como “LREF”), tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor (art. 47). Para que estase viabilize, contudo, é imprescindível que haja reflexão sobre mecanismos de financiamento do devedor ou do grupo devedor. Evidentemente, se não houver estímulo para a concessão de crédito novo para as empresas em crise, os processos de soerguimento se tornarão mais dificultosos.
Por esse motivo, quando se estuda o tema, sugere-se que se atribua a referido agente financiador alguma espécie de tratamento prioritário no recebimento de seu crédito no âmbito da própria recuperação judicial. Essa sugestão está em consonância com as recomendações do Banco Mundial, cujo princípio n. 18 afirma que a legislação de insolvência deve prever tratativa para que a empresa em crise possa obter recursos para suas necessidades prementes:
“Sempre que uma perspectiva real de recuperação existir, o financiamento contínuo será crucial. As leis de insolvência têm falhado em endereçar essa necessidade, mesmo em alguns países desenvolvidos. Uma lei de insolvência pode e deveria endereçar tal situação, concedendo poder para a utilização de dinheiro existente que possa estar onerado ou constitua garantia, ou para obter novos financiamentos com garantias e salvaguardas de pagamento. A lei pode fazer isso de várias maneiras, como reconhecendo a necessidade e autorizando esse tipo de financiamento, bem como conferindo prioridade de pagamento a esse credor”.
O art. 47 da LREF vai além e deixa claro que a recuperação judicial visa mais que o soerguimento da empresa em crise: objetiva a manutenção “do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores”, promovendo não só a preservação da empresa, mas também o estímulo à atividade econômica. Por “interesse dos credores” deve se entender não só o desejo de ver concretizado seu pagamento, mas também a continuidade de suas relações econômicas com a empresa.
Há aqui uma observação a se fazer: embora o art. 50 da LREF não mencione o financiamento como um dos meios de soerguimento da empresa em crise, seu texto também não o proíbe (aplica-se aqui a lógica constitucional do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal). O que há é uma menção singela, no art. 67 da LREF, no sentido de que os créditos novos serão considerados extraconcursais.
Quando se fala em compreensão da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, há uma dicotomia a ser equilibrada: de um lado, a empresa em crise precisa de capital (novo ou por retenção temporária, fenômeno associado ao alongamento dos prazos de pagamento originalmente contratados) para se soerguer; de outro, os credores desejam que seu pagamento seja feito do modo menos decotado possível. São, ambas, pretensões legítimas – para as quais o Poder Judiciário é (e continuará a ser) chamado a encontrar pontos de equilíbrio.
Com a reforma da Lei nº 14.112/2020, fez-se inserir na LREF os artigos 69-A a 69-F.
O artigo 69-A permite que durante a recuperação judicial o devedor celebre contratos de financiamento garantidos pela oneração ou pela alienação fiduciária de bens e direitos, seus ou de terceiros, pertencentes ao ativo não circulante, para financiar as suas atividades, as despesas de reestruturação ou de preservação do valor dos ativos (going concern). Tal disposição possibilita, em nosso ordenamento, o desenho daquilo que o direito estadunidense chama de DIP Financing, isto é, financiamento concedido no curso de um processo de recuperação judicial.
A primeira crítica que se faz é que a reforma legislativa não concedeu estímulos palpáveis à formação de um Comitê de Credores (que continuam a ter os ônus anteriores sem contrapartida).
A segunda crítica (que é, em si, menos uma crítica e mais uma reflexão) que se faz diz respeito à possibilidade de um contrato de financiamento garantido por bem de terceiro. Ora, se terceiros têm (em tese) livre disposição de seus bens e não estão sujeitos ao regime concursal, que racionalidade há em se conferir a estes o mesmo tratamento ofertado à empresa em recuperação judicial? Há quem teorize que, como o terceiro oferece,em benefício da empresa em crise, bens de seu ativo não circulante, – e, portanto, de natureza mais perene – (e, por isso, parte relevante do valor da empresa), isso teria levado o legislador a adotar semelhante critério já utilizado para a recuperanda.
Uma outra possibilidade que pode se verificar (tenha sido pensada ou não pelo legislador) é o combate a simulações, isto é: imagine-se que a empresa “A”, do grupo “ABC”, vá ajuizar pedido de recuperação judicial. Não seria difícil imaginar o seguinte movimento: seis meses antes de se proceder a tal pedido, a empresa “A” aliena diversos bens de seu ativo não circulante à empresa “B” e à empresa “C”. Procede-se, então, algum tempo depois, ao pedido de recuperação judicial de “A” e, uma vez que “B” e “C” não participaram de tal pedido, poderiam estas ser utilizadas como meio de garantia de financiamentos sem a chancela judicial. Daí, por exemplo, a relevância do procedimento de constatação prévia.
O art. 69-B, por sua vez, afirma que:
“A modificação em grau de recurso da decisão autorizativa da contratação do financiamento não pode alterar sua natureza extraconcursal, nos termos do art. 84 desta Lei, nem as garantias outorgadas pelo devedor em favor do financiador de boa-fé, caso o desembolso dos recursos já tenha sido efetivado.
Trata-se de disposição assertiva e que levou em consideração precedentes que, não raras vezes, limitaram o DIP Financing, fazendo com que a concessão de crédito se tornasse menos interessante (ou até desinteressante) e mais onerosa para a empresa em crise. Além disso, o texto do art. 69-B confere previsibilidade ao agente financiador, isto é, uma vez autorizado e levado a efeito o financiamento, a prioridade de recebimento ao agente financiador não será alterada em caso de falência, nem terá afetadas as suas garantias (arts. 66-A, 69-B e 69-D da LREF).
O art. 69-C possui a seguinte redação:
“Art. 69-C. O juiz poderá autorizar a constituição de garantia subordinada sobre um ou mais ativos do devedor em favor do financiador de devedor em recuperação judicial, dispensando a anuência do detentor da garantia original.
§ 1º A garantia subordinada, em qualquer hipótese, ficará limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original.
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica a qualquer modalidade de alienação fiduciária ou de cessão fiduciária.”
Essa previsão guarda alguma semelhança com o priming lien a que se refere a § 364, d, do Chapter 11. O destaque, no caso da escolha pátria, está na metodologia selecionada: a garantia se limitará ao excesso resultante da venda do ativo objeto da garantia original, isto é, o financiador pode excutir a garantia? Ao que parece sim; no entanto, o produto da alienação deste bem reverterá primeiro ao garantidor originário.
O art. 69-D tem o seguinte texto:
“Art. 69-D. Caso a recuperação judicial seja convolada em falência antes da liberação integral dos valores de que trata esta Seção, o contrato de financiamento será considerado automaticamente rescindido. Parágrafo único. As garantias constituídas e as preferências serão conservadas até o limite dos valores efetivamente entregues ao devedor antes da data da sentença que convolar a recuperação judicial em falência.”
O que é interessante aqui é se notar que, no caso de convolação em falência, o benefício do agente financiador na prioridade de pagamento diz respeito aos valores “efetivamente entregues ao devedor antes da data da sentença” de convolação.
Uma crítica na qual se poderia pensar diz respeito à racionalidade econômica desse tipo de financiamento vs. escolha do legislador.
Explica-se.
Nesse tipo de operação, dada a fragilidade do beneficiário do financiamento, o risco de inadimplemento é maior. Para compensar-se o risco de inadimplemento, os agentes financiadores normalmente farão incidir juros, encargos e comissões elevados, como forma de remuneração. Essas quantias, por sua vez, serão pagas ao longo de determinados prazos a serem ajustados entre financiador e recuperanda. Se não houver garantia de que esses valores serão pagos, haverá um real estímulo ao financiamento das empresas em crise? Deixou-se de, em termos legislativos, dar um passo que poderia ser dado? Pense-se, por exemplo, nas entidades que, por definição, realizam operações de financiamento: instituições financeiras.
Sem essa limitação, é possível se imaginar um cenário em que a instituição financeira “A” se sinta mais confortável em conceder crédito à empresa “B” (que já lhe deve e, por exemplo, inseriu a dívida que possui com “A” no rol dos créditos quirografários) durante a recuperação judicial e que os juros, os encargos e as comissões cobrados persigam, em seu cálculo, alguma metodologia de forma a compensar, ainda que em parte, a baixa expectativa de recebimento da dívida “original”.
Outro ponto para o qual se chama atenção é a redação que se deu ao art. 69-F, no sentido de que “qualquer pessoa ou entidade pode garantir o financiamento de que trata esta Seção mediante a oneração ou a alienação fiduciária de bens e direitos, inclusive o próprio devedor e os demais integrantes do seu grupo, estejam ou não em recuperação judicial [1]”.
O texto positivado deixa espaço para dúvida acerca da não-sucessão (elemento que certamente influiria na análise de risco no processo decisório para a realização de investimento a título de aquisição de bens e direitos de uma empresa em crise), diferentemente do que propunha a redação do Grupo de Trabalho que inicialmente trabalhou nas reflexões sobre a mudança legislativa [2]. Observe-se que a adoção da proposta original não destoaria, por exemplo, da regra-geral do art. 60 da Lei nº 11.101/2005 que, exige, para fins de não-sucessão, que a aquisição: (1) trate-se de unidade produtiva isolada; e (2) seja feita judicialmente nos termos do art. 142. E mais, no parágrafo único do art. 60, deixou-se claro que “o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor de qualquer natureza, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista”.
A preocupação com o going concern e com a não-sucessão pelo terceiro adquirente é abordada por BAIRD [3] da seguinte perspectiva:
“Quando uma empresa tem valor em funcionamento, os investidores (considerados como grupo) estão melhores se permanecerem intactos, mesmo quando há dificuldades financeiras e a empresa não consegue pagar todas suas contas. No entanto, cada indivíduo pode achar que é de seu interesse tentar recuperar o valor investido sem considerar o todo. Esses esforços podem ser a ruína da empresa. [Nessa hipótese] os investidores estão dispersos demais para chegar a um acordo que freie uma corrida destrutiva dos ativos e lhes dê tempo para negociar um realinhamento de seus direitos em relação à empresa em crise. A lei de reorganizações societárias supera esse problema de ação coletiva, permitindo que os investidores implementem uma nova estrutura de capital e, ao mesmo tempo, respeitem a barganha de não-falência. A maneira mais simples de manter a empresa intacta é vende-la a terceiros livre de todos os passivos existentes”.
Em matéria de “barganha de não-falência” a reforma levada a efeito pela Lei nº 14.112/2020 inseriu a possibilidade de apresentação de plano pelos credores (art. 56, § 4º) na hipótese de rejeição daquele que tenha sido apresentado pela(s) recuperanda(s). Essa solução alternativa, conquanto bem recepcionada, poderia ter ido além: vale dizer, por que não se pensar num plano alternativo apresentado pelos credores antes mesmo da votação daquele proposto pela(s) recuperanda(s)?
Esse tipo de questionamento ganha especial relevância na medida em que se pensa em um fator que não raras vezes conduz ao insucesso de uma recuperação judicial: o timing do pedido. Ora, se o lapso temporal entre o diagnóstico da crise e a implementação do plano, permeados pela hesitação derivada de um (ao menos antes da entrada em vigor das reformas de 2020) incipiente mercado de ativos estressados [4], era (e é) um fator de insucesso, o raciocínio que se mostra lógico é o de que tudo aquilo que atrase a efetivação das medidas de saneamento da crise pode influir nas chances de êxito quanto à saída de tal situação.
Para melhor se entender o tema, reputa-se válido retomar um pouco do histórico do desenvolvimento do financiamento das empresas em crise nos Estados Unidos da América.
No ordenamento jurídico estadunidense, a compreensão do objetivo de soerguer/preservar as empresas em crise remonta ao século XIX e a problemas enfrentados pelas railroads. O problema a ser endereçado dizia respeito aos fornecedores da empresa, que precisavam ser pagos para que esta mantivesse suas atividades durante o processo de soerguimento.
Criou-se na jurisprudência estadunidense a chamada six months rule referendada pela Suprema Corte em 1878, permitindo ao devedor pagar seus credores fornecedores antes de tratá-los como credores não garantidos (ou, numa tradução literal do texto de SKEEL JR., “sem qualquer prioridade”), desde que as mercadorias cujo adimplemento se encontrava “em aberto” tivessem sido fornecidas até seis meses antes do processo de receivership. A prática estendeu-se às relações creditícias essenciais ao negócio, pelo que recebeu o nome de doctrine of necessity [5].
A ideia de se pagar os credores fornecedores não decorria apenas da continuidade da atividade, mas também do fato de que comumente se cuidavam de créditos com vencimento de curto prazo. Ao se permitir que estes credores fossem pagos prioritariamente, conseguia-se o efeito de excluí-los do procedimento de insolvência (e, claro, esses se sentiriam mais estimulados a continuar fornecendo).
Persistia o problema, no entanto, da captação de novos recursos. Inicialmente, os tribunais estadunidenses tentaram promovê-la através da emissão de receiver’s certificates, espécie de nota promissória que permitia ao seu detentor uma espécie de garantia prioritária, inclusive em relação a outros créditos já garantidos. Se nas railroads havia (ou, ao menos, supunha-se haver) interesse público a justificar e viabilizar a emissão dos receiver’s certificates, este não se verificava tão facilmente em outros tipos de empresas em crise, levando as cortes estadunidenses a, quanto a estas, imporem regras mais rígidas.
No Direito positivo estadunidense em vigor, a sistemática do financiamento das empresas em crise se encontra na § 364 do Chapter 11, complementada pela § 503. A primeira observação que se traz é que, como herança das equity receiverships, os financiamentos obtidos no curso normal dos negócios são, nos termos da § 364(a) e 503, tratados como administrative expenses, o que significa que possuem prioridade no pagamento. A mesma prioridade se dará àquelas adquiridos fora do “curso normal”, exigindo-se, neste caso, nos termos da § 364(b), autorização judicial.
A esse respeito, TRIANTIS [6] afirma que:
“A alegação do devedor de que não pode obter o financiamento sem a concessão da prioridade é de difícil verificação. Além disso, mesmo que a alegação do devedor seja verdadeira, pode sugerir que exista pouca concorrência no mercado de empréstimos DIP ou investidores em potencial acreditam que o empreendimento a ser financiado não é lucrativo. Os outros elementos que as cortes aplicam no exercício de sua discricionariedade são esporádicos e experimentais, refletindo a ambiguidade judicial sobre a proposta da § 364. Às vezes as cortes afirmam que o financiamento proposto deve objetivar o melhor interesse da empresa ou deve fortalecer a coletividade de interesses dos credores. Talvez porque não exista um arcabouço teórico coerente para perseguir esse objetivo, os poucos casos em que os tribunais usaram esse requisito para negar a prioridade dos credores pós-competição foram casos de propósitos claramente impróprios. Em geral, os tribunais diferem no julgamento comercial do debtor in possession em relação aos benefícios do financiamento proposto para a reorganização da empresa. De fato, as cortes competentes para a matéria de insolvência relutam em comprometer as tentativas de reorganização, [e, portanto, em] negar a autorização de financiamento”.
Essa relutância se dá justamente em razão dos efeitos deletérios – que vão além da relação credor-devedor – dos procedimentos de liquidação, exceto quando realmente se tratar de negócio inviável. Apesar disso, deve se observar que o DIP Financing existe nos Estados Unidos da América desde a publicação do Bankruptcy Reform Act de 1978, de sorte que se trata da principal forma de uma empresa submetida ao procedimento de reorganização (Chapter 11) de obter novos recursos (fresh money).
Há aqui um paradoxo cultural a ser sanado: critica-se empresas em crise por pedirem recuperação judicial quando a situação já é muito gravosa, mas há, também, um mercado ainda incipiente de concessão de crédito para situações de estresse. São duas situações indesejáveis que se retroalimentam.
Não há dúvidas de que para que um processo de soerguimento seja exitoso, é primordial o acesso a fontes de financiamento, pelo que se entende positivo o passo dado na reforma da LREF.
Ainda assim, há oportunidades de avanço. Se, por um lado, é necessário retirar o estigma social (abrangido aqui o entendimento dos tribunais) do “fantasma da falência”, de outro, é preciso garantir segurança jurídica para que os financiamentos de empresas em crise ocorram e sejam feitos de modo ordenado. Desse modo, em tese, a ideia de se priorizar o pagamento dos créditos assim concedidos é bem-vinda.
Há cautelas a se tomar: a primeira que se destaca é que o incentivo ao financiamento de empresas em crise não pode servir de estímulo a subdimensionamentos de risco ou de situação contábil.. Vale dizer: é mais fácil explicar o que deu errado quando o problema já existe do que evitar que a crise ocorra. Veja-se, a exemplo disso, que o processo de DIP Financing nos Estados Unidos da América não raras vezes é iniciado logo com a petição que ingressa com o pedido de Chapter 11. Isso faz com que o número de pedidos (e, portanto, a utilização do instituto) de recuperação judicial nos Estados Unidos da América seja consideravelmente maior do que no Brasil. Entre junho de 2021 e junho de 2022, houve 910 pedidos; entre junho de 2022 e junho de 2023, esse número cresceu para 1.093 pedidos (dados do Serasa Experian). Se compararmos com os Estados Unidos da América, para os mesmos períodos, teremos 4.429 pedidos de Chapter 11 no primeiro intervalo e 5.986 pedidos no segundo intervalo.
Ao mesmo tempo que a existência de sustentáculo normativo não pode ser a razão de um subdimensionamento de riscos, o fato é que quem concede empréstimo quer saber para quem concede a fim de que possa dimensionar os seus riscos. É a soma do binômio (1) evolução da compreensão do dimensionamento de riscos e (2) segurança jurídica, que determinará o futuro do DIP Financing no Brasil (afinal, poucos se arriscarão a injetar dinheiro novo numa empresa em crise se não estiverem ao menos relativamente seguros sobre o seu futuro ou, principalmente, o futuro tratamento de seu crédito). E, se porventura questão dessa natureza for judicializada, muitas especificidades terão que ser observadas a fim de se verificar a sua regularidade.
Conclusão
É fato que a disciplina do financiamento das empresas em crise passa também, por outra reflexão, que é a de se entender qual a finalidade que se espera de um Direito das Empresas em Crise.
Por exemplo, enquanto no Brasil se fala em preservação da empresa (no já mencionado art. 47 da Lei nº 11.101/2.005). Diferentemente, na Alemanha, afirma-se que “o processo de insolvência serve para satisfazer coletivamente os credores do devedor através da liquidação dos ativos do devedor e da distribuição dos rendimentos ou através da celebração de um acordo num plano de insolvência, nomeadamente para preservar a empresa. Aos devedores honestos é dada a oportunidade de obter o perdão da dívida residual” (§ 1 do InsolvenzOrdnung). Por sua vez, nos Estados Unidos da América, parte da doutrina entende que há um objetivo distributivo no sistema concursal, respeitando-se os diversos interesses envolvidos, e, outra parte, entende que o regime jurídico das empresas em crise deve buscar a maximização dos valores a serem distribuídos aos credores. O que, talvez, possa ser compreendido como um ponto de consenso, quer nos Estados Unidos, quer na Alemanha, é que só há possibilidade de uma nova investida da empresa em crise se sobrevierem novos recursos.
Outra análise comumente feita nesses países, inclusive no processo decisório de se conceder ou não financiamento a uma empresa em crise, diz respeito ao motivo pelo qual a companhia está passando por essa situação. Vale dizer, há crises endógenas (isto é, cuja causa envolve elementos internos da companhia) e crises exógenas (que diz respeito a elementos externos à requerente do procedimento concursal). Quando a razão da crise é endógena, é possível se vislumbrar com mais facilidade cenários em que, por exemplo, um novo modelo de negócio ou uma revisão nas políticas de governança corporativa, possa mitigar ou resolver a situação de crise. Quando o motivo é exclusivamente exógeno, talvez a saída da crise tenha obstáculos maiores. A compreensão das razões da crise (e elencá-las é, inclusive, requisito da petição inicial) é fundamental, se não para que o processo de recuperação judicial seja exitoso, ao menos para a obtenção de novas fontes de financiamento. Esse tipo de clareza é relevante porque há uma tendência em se apontar nas petições iniciais motivos relativamente genéricos, o que, embora pudesse, em um primeiro olhar parecer positivo (porque a companhia evitaria se expor), na verdade, surte efeito negativo (porque efetivamente um investidor em potencial não saberá dizer se a empresa é recuperável ou não).
Autor: Bruno Marques Bensal