O cabimento de reclamação constitucional para controle de precedentes vinculantes  

O advento do Código de Processo Civil de 2015 promoveu mudanças importantes no instituto da reclamação constitucional, em virtude da ampliação de suas hipóteses de cabimento para além daquelas já previstas pela Constituição Federal de 1988, conferindo-lhe o papel de instrumento de controle da aplicação de precedentes qualificados.  

Essas alterações foram introduzidas em razão da mudança paradigmática implementada pela nova ordem processual de 2015, introduzindo sistematicamente a teoria dos precedentes vinculantes como meio de alcançar a estabilidade do direito brasileiro, garantindo maior segurança jurídica, igualdade e previsibilidade nas relações sociais.   

Nesse contexto, os dois primeiros capítulos deste trabalho abordarão o sistema de precedentes judiciais vinculantes em suas particularidades, a fim de demonstrar que a sua adoção fortalece a uniformização da interpretação do direito pelas Cortes Superiores, assim como o instituto da reclamação constitucional age como meio de alcance efetivo da aplicação da teoria dos precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro.  

Em contrapartida, ainda neste segundo capítulo do trabalho, pretende-se abordar a equivocidade das modificações formuladas pela Lei 13.256, de 2016, que condicionaram a propositura da reclamação, na hipótese de observância de precedentes formados nos julgamentos de recursos repetitivos e recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ao esgotamento das instâncias ordinárias.  

Este artigo  também se dedicará a analisar a interpretação dicotômica das Cortes Superiores sobre o assunto, uma vez que, apesar de o  Superior Tribunal de Justiça ter fechado suas portas para o cabimento da reclamação ajuizada para controle dos seus precedentes, o Supremo Tribunal Federal tem admitido a sua propositura para controlar a aplicação destes, desde que tenham  sido formados no julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, e desde que, também, tenham sido esgotadas as instâncias ordinária e que se confira teratologia no ato reclamado pelo instituto-  como, por exemplo, a inegável incorreção na aplicação de determinada tese ao caso concreto pelas tribunais locais.  

Finalmente, em tópico conclusivo, o presente artigo  buscará sustentar que o instituto da reclamação é, sim, instrumento essencialmente compatível com o sistema de precedentes, motivo pelo qual, em virtude da futura regulamentação da relevância da questão federal (overruling), a qual provocará a redefinição do papel institucional do Superior Tribunal de Justiça como corte de vértice no atual microssistema de precedentes, o entendimento firmado por aquela Corte de Justiça no julgamento da Rcl 36.476/SP precisará ser revisitado.  

O sistema de precedentes judiciais

A constitucionalizaçãoi do direito brasileiro, fortalecida expressamente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, assegurou a inafastabilidade do controle jurisdicional, nos termos do seu art. 5º, inciso XXXV, ampliando o acesso à justiça, como direito fundamental de cada cidadão brasileiro, visando à consolidação do Estado Democrático de Direito.  

A mudança paradigmática, apesar de proporcionar a ampliação e garantia dos direitos fundamentais, estimulou um aumento significativo do número de processos em tramitação perante o Poder Judiciário, e, em virtude de deficiências estruturais dos órgãos jurisdicionais, ocasionou uma redução importante na prestação jurisdicional ofertada aos litigantes.  

O aumento na propositura das ações acabou por gerar, inclusive, a elevação da repetitividade de questões tuteladas, elevando o risco de prolação de decisões conflitantes sobre controvérsias idênticas.  

Délio Mota de Oliveira Júnior esclarece que esse cenário provocou o legislador ordinário a promover sucessivas reformas processuais desde o início da década de 90, em razão justamente dessa disfuncionalidade sistêmica, com a pretensão de valorizar os efeitos vinculantes de decisões paradigmáticas. Isso ocorreu a partir da observação do sistema de precedentes judiciaisii, de modo a evitar a reiteração de discussões já solucionadas pelos órgãos julgadores, garantindo, consequentemente, a estabilidade das relações na sociedade contemporânea.  

Com efeito, visando à estabilização do direito brasileiro, no âmbito do ordenamento constitucional, a Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a reforma do Poder Judiciário, incorporou alterações no âmbito de ações em controle concentrado de constitucionalidade, no que importa à eficácia erga omnes e os efeitos vinculativos das decisões proferidas nessa esfera constitucional, assim como introduziu o instituto da súmula vinculante.  

Sob outra perspectiva, quanto à ordem processual infraconstitucional, com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, o sistema de precedentes foi efetivamente regulamentado em nosso ordenamento jurídico, especialmente, a partir da introdução das disposições dos arts. 926 e 927.  

Neste capítulo, com base nessa contextualização, passa-se a justificar o uso do sistema de precedentes como forma de garantir a segurança jurídica e conferir maior integridade sistêmica ao ordenamento jurídicoiii, ofertando, assim, segurança, igualdade e previsibilidade ao direito, premissas básicas do um Estado Democrático de Direito.  

O referido argumento, não por outra razão, decorre do próprio conceito de precedente, pois, por derivar de fonte primária com autoridade, interferindo em casos semelhantes e subsequentes, deve ser respeitado tanto pelo órgão que o produziu como por aqueles que estão obrigados a observá-lo, por imposição legal, mas, também, e por princípio, pela própria autoridade da decisão antecedenteiv.   

Nesse sentido, Marinoni assiná-la:  

“os cidadãos têm o direito de esperar que o Judiciário decida como no passado, não variando sem fundamento forte o seu entendimento. As decisões não podem ser incompreensíveis ou destituídas de significado claro, pela mera razão de que o jurisdicionado precisar de parâmetros para definir o seu comportamento. Pelo mesmo motivo, o Judiciário deve se preocupar com a uniformidade das suas decisões, haja vista que o cidadão dela depende para pautar suas condutas no desenvolvimento de suas atividades”.v  

Em outro argumento relevante para defesa do uso do sistema de precedentes (stare decisis), William Pugliese sinaliza a necessidade de garantir o tratamento isonômico entre os litigantes de processos judiciais diferentesvi, em reverência ao princípio da igualdade, por não se admissível, em um ordenamento jurídico balizado pelo Estado Democrático de Direito, o tratamento diferenciado de jurisdicionados com controvérsias idênticas ou semelhantes apenas com fundamento na falácia retórica do livre convencimento motivado de juízes.   

Nessa ordem de ideais, visando à estabilização e à previsibilidade das relações jurídicas, a fim de proporcionar a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, o Código de Processo Civil de 2015 regulamentou o sistema de precedentes obrigatórios, tendo na disposição do art. 926 a norma orientadora desse novo paradigma processual, como denotam Dierle Nunes, Flavio Quinaud Pedron e André Frederico de Sena Hortavii em artigo publicado meses após a entrada em vigor da nova ordem processual.  

Como pedra fundamental do sistema, o art. 926 do CPC impôs a necessidade de todos os tribunais brasileiros uniformizarem sua jurisprudência, de modo a mantê-la estável, integra e coerente. Não obstante, a interpretação do dispositivo legal implica a compreensão pelos operadores do direito do que seria uma jurisprudência estável, íntegra e coerente.  

Quanto à estabilidade jurisprudencial, não há dúvidas sobre o fato de que os tribunais devem observar os entendimentos firmados por seus próprios órgãos, como, também, àqueles estabelecidos pelas Cortes Superiores, respeitando o componente da verticalidade e da horizontalidade dos precedentes, haja vista a imposição (doutrinária e legal) de demonstração fundamentada das hipóteses de distinguishing (existência de distinção entre os casos) e overruling (superação de entendimento em razão de alteração legal ou mudança/evolução social), nos termos do art. 489, § 1º, inciso VI, do CPC.  

A integridade e a coerência sistêmicas, sob outro ponto de vista, não podem ser vistas como palavras com significados semelhantes, como alguns parecem crer. Ao tratar do assunto, Alexandre Freire particulariza a distinção entre elasviii, chamando atenção para o fato de que o Código de Processo Civil também não tratou esses termos como sinônimos em seu art. 926.  

A coerência é definida pelo ato de o tribunal repetir seus entendimentos anteriores em casos futuros, a fim de evitar a fragmentação jurisprudencial. A integridade, por outro lado, é resultado da avaliação do julgador se decisões passadas afrontam princípios basilares do ordenamento legal, a fim de evitar que entendimentos equivocados se perpetuem no tempo, violando a dignidade do Poder Judiciário.  

Nesse contexto, Alexandre Freire arremata o assunto: 

“integridade não se opõe à coerência, antes a corrige, quando for ela negativa. Ou seja, quando a coerência instruir os juízes a aplicarem precedentes anteriores injustos e incompatíveis com os aspectos concretos situacionais do caso presente, devem eles abandoná-la em favor da integridade. Mas, é claro, eles terão a obrigação constitucional de explicar por que esse precedente é errado e não deve ser empregado no caso que lhe foi apresentado”ix.   

Como se percebe, portanto, com a imposição legal de que os tribunais mantenham a sua jurisprudência estável, íntegra e coerente, o Código de Processo Civil de 2015 fortaleceu a cultura dos precedentes com a pretensão de proteger, no fim das contas, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável do processo, da confiança e isonomia entre os jurisdicionadosx, como meio de regulamentar o processo civil de acordo com os valores e normas estabelecidos na Constituição Federal de 1998.  

Com efeito, o fortalecimento da cultura jurisprudencial pressupõe, necessariamente, o respeito pelos tribunais e juízes dos precedentes judiciais, quando aplicáveis ao caso em análise pela jurisdição, como na tradição do commow law, em que esse respeito decorre propriamente do costume enraizado de respeito às decisões antecedentes, em razão do seu poder e/ou qualidade de convencimentoxi, o que nunca ocorreu, no entanto, no sistema judicial brasileiro, formando pela tradição da civil law.  

Por essa razão, diferentemente da tradição do commow law, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, os efeitos vinculativos dos precedentes são decorrência lógica da própria ordem legal (ope legis), em virtude do rol taxativo do art. 927, que dispôs sobre os tipos de decisões com força de precedente obrigatório ou com natureza vinculativa, conforme reproduzido na sequência: 

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: 

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; 

II – os enunciados de súmula vinculante; 

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos; 

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; 

V – a orientação do plenário ou do órgão especiais aos quais estiverem vinculados.  

Foi a partir disso, com a regulamentação do sistema de precedentes pelo Código de Processo Civil de 2015, havendo a imposição legal de seus efeitos vinculativos perante juízes e tribunais em todo território nacional, que alguns institutos jurídicos pretéritos passaram a ganhar força e nova índole, tais quais  instrumentos processuais aptos a fazer valer a vontade do legislador ordinário, como é o caso da reclamação constitucional, haja vista a sua nova atribuição de instrumento de controle dos precedentes formados no âmbito dos Tribunais Superiores.   

Em estudo sobre o papel reservado à reclamação na teoria dos precedentes, Fernando Natal Batista assim particulariza a sua aplicação no âmbito desse sistema processual: 

“em um sistema judicial de precedentes, é necessário como pressuposto de sua consolidação e harmonização, a possibilidade de o jurisdicionado pleitear diretamente ao órgão jurisdicional prolator a correta e isonômica aplicação ao caso concreto do precedente (binding effect), por intermédio de um instrumento processual que seja apto e direcionado a impor a autoridade de sua observância, consagrando, de forma efetiva, o devido processo legal constitucional (fair trial), assim definido pelo Supremo Tribunal Federalxii.  

No próximo capítulo desse estudo, portanto, passa-se a abordar a reclamação em suas várias particularidades, desde o seu surgimento, de forma inédita, como específica Daniel Mitidieroxiii, em sua obra sobre o instituto nas Cortes Supremas, em virtude de construção pretoriana pelo Supremo Tribunal Federal, até a sua estruturação procedimental pelo Código de Processo Civil de 2015, considerado as alterações implementadas pela Lei nº 13.256, de 2016, as quais serão objeto de considerações mais adiante.   

A mudança da figura da reclamação constitucional a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015

O instituto da reclamação constitucional teve origem em construção formulada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, baseado na teoria norte-americana dos poderes implícitosxiv xv, conforme entendimento estabelecido no julgamento da Reclamação 141, em 25 de janeiro de 1952xvi, em acórdão assim ementado: 

EMENTA – A competência não expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construção constitucional. Vão seria o poder, outorgado ao Supremo Tribunal Federal de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fora possível fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos. – A criação dum remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças, está na vocação do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus poderes. – Necessária e legítima é assim a admissão de processo da reclamação, como o Supremo Tribunal tem feito. – É de ser julgada procedente a reclamação quando a justiça local deixa de atender á decisão do Supremo Tribunal Federal.  

Nesse julgamento, como se percebe, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a sua competência constitucional outorgaria, ainda que implicitamente, poderes para impor o cumprimento e observância de suas decisões proferidas em recursos extraordinários, entendendo que a reclamação constituiria meio adequado para afastar eventuais violações perpetradas pelos tribunais ordinários, fazendo prevalecer o seu entendimento sobre determinada matéria já analisada.  

Basicamente, por essa razão, a reclamação ganhou os contornos que lhe outorgou mais tarde a Constituição Federal de 1988, objetivando a garantia de autoridade das decisões proferidas pela Excelsa Corte Suprema e da preservação de sua competência funcional, como específica Carlos Eduardo Rangel Xavierxvii, em obra sobre o tema na perspectiva dos precedentes judiciais.  

No presente estudo, sem adentrar com maior profundidade  
à divisão histórica proposta por José da Silva Pacheco, reproduzida por Marcelo Navarro Ribeiro Dantasxviii, e adotada por boa parte da doutrina, pretende-se discorrer sobre os contornos dados à reclamação apenas após a edição do Código de Processo Civil de 2015, considerando a reforma legislativa promovida pela Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de 2016.  

Isso porque, como abordado no capítulo antecedente, o Código de Processo Civil de 2015 teve como uma das suas principais preocupações a busca pela racionalidade na aplicação do direito, com uniformização, estabilidade e coerência das decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, como forma de garantir a segurança jurídica e a confiança do jurisdicionado.  

E, em face da pretensão do legislador ordinário de fortalecer o sistema jurisprudencial, a nova ordem processual ampliou as hipóteses de cabimento da reclamação, além daquelas previstas pela Constituição Federal de 1988, por meio dos seus arts. 102, inciso I, alínea “l”, 105, inciso I, alínea “f”, e 111-A, § 3º, para preservação da competência e garantia da autoridade de suas decisões perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho, respectivamente.  

Outrossim, apenas a título de rigor expositivo sobre as hipóteses de cabimento do referido instituto, não é demais relembrar que a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, introduziu, também, a hipótese de cabimento da reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula vinculante aplicável ou que indevidamente a aplicar, a partir da inclusão na Constituição do art. 103-A, § 3º.   

Isso posto, a redação original do art. 988 do CPC era a seguinte: 

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:  

I – preservar a competência do tribunal; 

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; 

III – garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; 

IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.  

Com efeito, a leitura intercalada dos arts. 927 e 988 do CPC, em sua redação original, confirma a intenção do legislador ordinário de inicialmente transformar a reclamação constitucional como instrumento de preservação dos julgados/precedentes com força obrigatória, haja vista que, além das hipóteses de cabimento constitucional, foi admitido o seu cabimento no caso de “garantir a observância de enunciado de súmulas vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência”.  

Todavia, como é de conhecimento de todos, ainda no período da vacatio legis, por motivação de política judiciária, a Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de 2016, promoveu alterações nos incisos III e IV do referido dispositivo, estabelecendo, em síntese, que caberia reclamação para “garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade” (inciso III), assim como para “garantir a observância de acordão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência” (inciso IV).  

Também houve a introdução do § 5º ao art. 988 do CPC, no sentido de ser inadmissível o cabimento de reclamação quando proposta “após o trânsito em julgado da decisão reclamada” e, principalmente, “para garantir a observância de acordão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acordão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias”.  

Essas alterações propositadamente restringiram o uso da reclamação como elemento de controle de aplicação de precedentes vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiçaxix, em todas as instâncias, haja vista a vedação de acesso per saltum às Cortes Superiores, afastando a possibilidade de ajuizamento da reclamação em face de decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição e que contrariassem os seus precedentesxx.   

O referido dispositivo processual também é objeto de dispersão interpretativa pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, ao que concerne  ao cabimento do instituto, em virtude dos entendimentos formados por essas Cortes Superiores nos julgamentos da Rcl 36.958/SP e da Rcl 36.476/SP, respectivamente, havendo divergência quanto à utilidade da reclamação como instrumento de adequação dos precedentes formados em sede de recursos repetitivos e com repercussão geral reconhecida. 

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Rcl 36.476/SP, estabeleceu o entendimento de que não seria cabível a reclamação para o controle da aplicação de tese firmada em sede de recurso especial repetitivo, tendo como um dos fundamentos principais o fato de que a Lei nº 13.256, de 2016, buscou encerrar a hipótese de cabimento de reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal para o controle da aplicação de acórdãos sobre questões repetitivas, tratando-se de opção política judiciária para desafogar os trabalhos nas Cortes de superposição.  

Já o Supremo Tribunal Federal, por outro lado, no julgamento da Rcl 36.958/SP, não restringiu a “utilidade da reclamação quanto aos precedentes repetitivos, ao contrário, maximiza, dentro da reserva legal, a sua aplicabilidade, como, além, deveria ser também feito pelo STJ, para o fortalecimento de seus precedentes”, como corretamente assiná-la Fernando Natal Batistaxxi.  

Portanto, compreendem-se as problemáticas descritas nos últimos parágrafos deste trabalho de forma que elas envolvam dificuldades que ainda precisam ser superadas para que, dessa forma, o instituto da reclamação alcance a finalidade pensada originalmente pelo legislador ordinário ao ampliar o seu cabimento com a intenção de admitir o seu uso como ferramenta de fiscalização da aplicação de precedentes vinculantes pelas instâncias ordinárias.  

Sob esse olhar, a conclusão deste trabalho pretende apresentar considerações que sustentem o cabimento do instituto para adequação de decisões judiciais aos entendimentos constituídos em sede de precedentes com força vinculante, à luz do rol disposto no art. 927 do CPC, como medida a pôr novamente em ordem a pretensão legislativa de conferir integridade ao sistema judiciário brasileiro, por meio do uso da teoria dos precedentes.  

Conclusão  

No curso do presente artigo, foi possível observar que a reclamação constitucional assumiu o importante papel de assegurar a correta aplicação dos precedentes qualificados formados no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, em razão da implementação pelo Código de Processo Civil de 2015 de um modelo de precedentes vinculantes no ordenamento jurídico pátrio.  

A reconfiguração da reclamação constitucional como ferramenta de controle de precedentes, além de evitar o engessamento do direito, impediria a ocorrência de incorreções sistêmicas em nosso ordenamento jurídico, a partir da prolação de decisões contrárias às teses firmadas pelas Cortes Superiores.  

Não obstante, a utilização plena da reclamação na construção eficaz do nosso sistema de precedentes restou obstada com a reforma legislativa promovida pela Lei 13.256, de 2016, que alterou, entre outros aspectos importantes, a disposição do art. 988 do CPC, introduzindo o § 5º, para prever o descabimento de reclamação para controle de precedentes em sede de recursos repetitivos ou com repercussão geral reconhecida, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.  

De modo igual, como reforço ao enfraquecimento do sistema de precedentes, ao interpretar o art. 988 do CPC, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a reclamação não seria a via adequada para controle de aplicação de tese firmada em sede de recursos especiais repetitivos, levando em consideração para essa conclusão as modificações introduzidas no CPC pela Lei 13.256, de 2016, que supostamente teria posto fim à possibilidade de reclamação dirigida às Cortes Superiores para controle da aplicação dos acórdãos sobre questões repetitivas.  

Essas inconsistências fragilizam o controle dos precedentes qualificados pelas instâncias ordinárias e, de outro lado, geram instabilidade jurídica, ao permitir a existência de decisões divergentes, proferidas em casos semelhantes ou idênticos, àquelas teses firmadas antecedentemente pelas Corte Superior responsável por interpretar o direito e uniformizar sua aplicação perante todo o território nacional.  

O presente artigo, com a finalidade de propor medidas aptas a reparar essa fragilidade sistêmica, entende que a implementação de relevância da questão federal é uma oportunidade única do STJ rever esse posicionamento, tendo em vista que a reclamação é uma ferramenta importante para o controle da correta aplicação do precedente qualificado pelas instâncias ordinárias.  

Autora: Marina Pereira Antunes de Freitas 

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