Blog
Filtro por categoria
Noções gerais sobre o SISBAJUD: a ferramenta de busca de ativos financeiros substituta do BACENJUD
Nos processos em fase de execução, têm-se como grande desafio a árdua tarefa de localização de bens em nome do executado para a satisfação total da dívida.
O Código de Processo Civil estabelece que, na hipótese de inércia do devedor após a citação, deverá ser realizada a penhora, como ato de constrição patrimonial por meio do qual se apreendem tantos bens quanto bastem para o pagamento total da dívida. Além disso, a lei prevê que é prioritária a penhora em dinheiro (art. 835, §1º, CPC), seja em espécie, depositado ou aplicado em instituição financeira.
Entendida como uma das formas de auxiliar a busca pela satisfação da dívida e a fim de dar efetividade à prestação jurisdicional, os magistrados podem deferir o bloqueio judicial de valores disponíveis em contas bancárias em nome do executado.
Inicialmente, os bloqueios eram feitos de forma que não se prestigiavam os princípios da celeridade e efetividade processual, em razão da burocracia envolvida para a efetivação da constrição de crédito e do grande volume de pedidos diariamente enviados ao Banco Central do Brasil (“Banco Central”).
Nesse contexto, o Banco Central, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, criou o sistema Bacenjud, que, em 2020, foi sucedido pelo SISBAJUD – Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário, altamente utilizado pelos envolvidos nos litígios judiciais desde seu lançamento.
O contexto jurídico por trás da ferramenta SISBAJUD
A preferência legal pela penhora em dinheiro (art. 835, CPC)
Para que se possa melhor entender a ferramenta SISBAJUD, é importante compreender o contexto jurídico que há por trás de sua criação e função.
O dinheiro é o primeiro a constar no rol de bens penhoráveis do Código de Processo Civil, o que não é novidade, já que nos Códigos anteriores já havia tal previsão:
Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
Essa previsão se aplica quando há pluralidade de bens no patrimônio do executado e, não sendo necessária a penhora de todos eles, a lei prevê uma ordem de preferência a ser observada. No entanto, o rol contido no CPC não é absoluto, cabendo ao magistrado a análise das circunstâncias de cada caso.
Tendo isso em vista, extrai-se o entendimento de que, prioritariamente, a penhora recairá sobre dinheiro.
Sobre o tema, é importante destacar que a decisão de constrição de outros bens que não o dinheiro deve ser dada com cautela, pois, na prática, o objetivo da execução torna-se mais difícil e custoso para o exequente. O grau de dificuldade e o tempo envolvidos nos procedimentos de avaliação de bens, leilões e publicações de editais vão em sentido oposto aos dos princípios processuais civis.
Não obstante a isso, o CPC atual inovou no tema, ao trazer em seu artigo 835, § 2º, a equiparação do dinheiro à fiança bancária e ao seguro garantia judicial para fins de substituição da penhora, “desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento”, o que implica dizer que essas duas formas de garantia podem substituir qualquer modalidade de penhora.
Assim, a ordem de preferência legal deve ser respeitada, mas com a devida observância à ressalva do §2º do mencionado artigo.
A penhora online, além de respeitar a ordem de preferência legal, atende também à eficácia, à celeridade, à agilidade e à economia processual que se esperam do processo judicial. Por essa razão que o Superior Tribunal de Justiça se apegou à literalidade da lei ao sumular o assunto:
Súmula n.º 417: Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto.
Além disso, a penhora torna concreta a responsabilidade patrimonial do devedor, como bem leciona o Professor Haroldo Lourenço:
Com o início da execução, incide a responsabilidade patrimonial, respondendo todos os bens do devedor, presentes e futuros, pela satisfação da obrigação, salvo os impenhoráveis (art. 789), todavia, com a realização da penhora, essa responsabilidade patrimonial deixa de ser uma hipótese abstrata de garantia, tornando-se uma garantia concreta, ou seja, há uma individualização exata do bem ou dos bens que futuramente serão expropriados.
Assim, havendo uma penhora suficiente para satisfazer a execução, os demais bens do patrimônio do devedor são liberados.
Nesse contexto, recomenda-se aos magistrados que priorizem a penhora em dinheiro quando este estiver disponível, podendo, inclusive, rejeitar outros bens que sejam nomeados pelo devedor, respeitando-se a equiparação do seguro garantia judicial e da fiança bancária ao dinheiro.
As regras de impenhorabilidade de bens (art. 833, CPC)
É importante fazer um recorte especial sobre as regras da impenhorabilidade de bens do art. 833 do CPC, os quais tratam de exceção à responsabilidade patrimonial e devem ser observadas quando da constrição de bens.
A impenhorabilidade é uma técnica processual criada pelo legislador com o objetivo de respeitar minimamente a dignidade da pessoa humana, ou seja, visa a assegurar o mínimo necessário à sobrevivência digna do devedor e de sua família.
Apesar disso, essa regra não pode implicar prejuízo para o credor – não pode haver desproporção entre a restrição de um direito fundamental e a proteção de outro direito fundamental.
Como exemplos, temos por impenhoráveis os proventos oriundos do trabalho e o investimento financeiro em caderneta de poupança.
O artigo 833, inciso IV, do CPC, trata sobre a impenhorabilidade dos ganhos provenientes do trabalho, podendo ser o salário ou os honorários do profissional liberal, pois estes possuem natureza alimentar. Contudo, entende-se por impenhoráveis apenas os valores recebidos em um mês de trabalho e efetivamente gastos nesse mesmo período. Os valores não integralmente utilizados para a subsistência do executado e sua família perdem automaticamente a natureza alimentar, sendo passíveis, portanto, de penhora.
Em relação aos valores investidos em cadernetas de poupança, são impenhoráveis os valores até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos, ressalvado o direito do exequente de demonstrar eventual abuso, má-fé ou fraude. O Superior Tribunal de Justiça entende que, havendo várias poupanças, o que extrapolar no somatório total quarenta salários, será penhorável.
Além disso, excepcionalmente, a jurisprudência do STJ tem admitido a mitigação da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, sob a condição de não comprometer a subsistência digna do devedor e de sua família e quando infrutíferos outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução, como ocorreu no julgamento dos embargos de divergência em recurso especial n.º 1.874.222/DF (2020/0112194-8)1.
É o que explica, abaixo, o professor Haroldo:
Assim, um bem imóvel que serve de residência da família é impenhorável, contudo, sendo tal imóvel de elevado valor, nada justificaria sua proteção, pois somente o direito do executado estaria sendo protegido. Assim, deve ser realizada a venda judicial do bem, para se equalizar o direito de crédito e a proteção à família.
O que se busca demonstrar nesse tópico é que, ainda que essas hipóteses de impenhorabilidade existam no ordenamento jurídico brasileiro, sua aplicação deve ser avaliada no caso concreto, pois, conforme o mencionado anteriormente, deve-se haver proporção nos direitos da relação credor-devedor.
Nesse contexto, o manuseio da ferramenta de busca de ativos financeiros deve buscar um equilíbrio nas relações, visando à satisfação do crédito, sem deixar de lado os direitos fundamentais.
Afinal, o que é o SISBAJUD?
O sistema inicialmente chamado Bacenjud surgiu da aglutinação de duas palavras, Banco Central e Judiciário, e sua nomenclatura remete ao propósito de seu funcionamento: o trabalho cooperativo entre as duas instituições.
Segundo informações disponíveis no site do Conselho Nacional da Justiça:
“O BacenJud é um sistema que interliga a Justiça ao Banco Central e às instituições financeiras, para agilizar a solicitação de informações e o envio de ordens judiciais ao Sistema Financeiro Nacional, via internet.
Essa ferramenta tecnológica representa um grande avanço na modernização do Poder Judiciário, que deve acompanhar a vida cotidiana.
Atualmente, a moeda circula primordialmente pelo meio eletrônico, em substituição ao cada vez menos usado papel, o que evidencia a necessidade da criação e disseminação de mecanismos digitais para a resolução dos conflitos. Caso contrário, as tentativas de saldar a dívida teriam resultados mais frustrantes do que efetivos, o que é incompatível com os princípios processuais da eficiência, da efetividade e da duração razoável do processo.
Ademais, o sistema eletrônico reduz os riscos de vazamento de informações sigilosas, que são maiores quando o trâmite da documentação ocorre na via física, uma vez que há a possibilidade de extravio, danificação, deterioração ou guarda indevida dos documentos.
Em dezembro de 2019, foi firmado o Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Banco Central e a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN, segundo informações do próprio órgão, “visando o desenvolvimento de novo sistema para substituir o BacenJud e aprimorar a forma de o Poder Judiciário transmitir suas ordens às instituições financeiras.”
Como surgiu o SISBAJUD?
Vale pontuar que, antes da criação do SISBAJUD, a constrição de valores enfrentava um procedimento moroso que acabava por favorecer mais o devedor do que o credor, pois possibilitava a este último tomar conhecimento da ação e providenciar a ocultação dos bens antes que a constrição fosse efetivada, o que acabava por frustrar a execução.
Por meio de ofício expedido pelo juiz ao Banco Central, primeiro era questionada a existência de contas bancárias ou de aplicações financeiras em nome do executado e a resposta era enviada, por escrito, via correios. Em caso de resposta positiva, o juiz, então, enviava a ordem de bloqueio por meio de mandado judicial ou oficial de justiça.
Apesar da cooperação sempre existente por parte do Banco Central, havia uma enorme quantidade de ofícios recebidos de todo o país diariamente, além do tempo de deslocamento da carta e a necessidade de se aguardar pelos procedimentos administrativos do Banco Central e das agências bancárias, bem como o prazo do próprio Judiciário de expedição de ofícios, análise da resposta e análise do juiz para nova decisão.
Esse lapso temporal reforça o argumento anterior de que o trâmite burocrático dava ao devedor a chance de frustrar a execução, pois o titular da conta era informado da diligência e retirava todo o valor disponível, antes mesmo de ocorrer o bloqueio judicial.
Nesse contexto, atendendo aos princípios processuais e evitando a frustração da execução, o Banco Central desenvolveu um sistema eletrônico que localiza ativos financeiros do devedor e distribui, automaticamente, as ordens judiciais para as instituições financeiras onde esses valores estão depositados – o chamado Bacenjud.
Em 2001, para uso do sistema, foi firmado convênio entre o Banco Central, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal e, em 2002, com o Tribunal Superior do Trabalho, quando a penhora on-line passou a ser possível também na Justiça do Trabalho.
Posteriormente, visando ao aprimoramento da ferramenta, foi desenvolvido o SISBAJUD.
Como funciona?
A primeira versão do Bacenjud permitia que o magistrado, utilizando-se de senha personalíssima, enviasse uma ordem pela Internet que era recebida e cumprida por um funcionário da instituição financeira detentora dos depósitos do devedor.
A segunda versão, chamada “Bacenjud 2.0”, superou a necessidade de interferência humana no procedimento, tornando o processo totalmente automatizado.
Nessa versão, a ordem é expedida e, após um curto período, tem-se a resposta, podendo ser o bloqueio, o desbloqueio, a transferência de valor para uma conta judicial de valor previamente bloqueado, entre outros, que pode atingir tanto valores depositados em conta corrente quanto em conta de investimentos.
Com o tempo, surgiu a necessidade de renovação tecnológica da ferramenta para permitir a inclusão de novas funcionalidades, o que já não era possível com o Bacenjud, tendo em vista a natureza defasada das tecnologias em que assentado o sistema.
Então, em dezembro de 2019, foi firmado Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o Banco Central e a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN para desenvolver, instituir e incentivar o uso da nova ferramenta: o SISBAJUD – Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário.
Em relação às partes do processo
O pedido de bloqueio deve ser formulado pelas partes e fundamentada em petição dirigida ao Juízo da execução.
Importante destacar que, para a efetivação do pedido, também é necessário efetuar o recolhimento das custas da pesquisa, que podem sofrer variação de acordo com as regras de cada tribunal.
Para as pessoas físicas ou jurídicas que tiverem interesse (em razão, por exemplo, de serem litigantes habituais, como é o caso de grandes empresas e da Fazenda Pública), é possível a criação de conta única no SISBAJUD para penhora em dinheiro. Por meio do próprio portal, a parte envia a documentação necessária e faz o cadastro da conta, possibilitando que todas as ordens judiciais enviadas para bloqueio sejam feitas sobre uma única conta – que, por óbvio, deverá ter valores o suficiente para honrar os pedidos de bloqueio, sob pena de exclusão cadastral.
Por essa razão, na hipótese de insucesso do bloqueio sobre a conta única, é permitido que a ordem seja estendida às demais, pois preza-se pela satisfação integral da dívida.
Em relação ao Poder Judiciário
Toda a evolução do sistema tem por escopo prestigiar a segurança e a celeridade, minimizando os trâmites burocráticos e, consequentemente, diminuindo o tempo de resposta dos participantes do sistema. Além do acesso direto pelo magistrado, o sistema também pode ser acessado por servidor indicado para realizar trabalhos de minuta e protocolo, e o juiz, após conferência, pode emitir a ordem.
O funcionamento do SISBAJUD é explicado de forma didática no site do Banco Central2, confira-se:
Com a ferramenta, é dispensada a expedição de mandado. Nesse procedimento, excepcionalmente, ocorre o afastamento do sigilo bancário (uma vez que a determinação de pesquisa de ativos é exarada via ordem judicial), o juiz realiza a pesquisa informando o nome do executado e o CPF ou CNPJ, então, automaticamente, o sistema informa os relacionamentos entre os bancos..
As exceções de alcance do sistema são aquelas que não são reguladas pelo Banco Central, como as contas bancárias no exterior e as intermediadoras de pagamentos. Também não são abarcadas as instituições financeiras em processo de recuperação e/ou liquidação judicial.
Funcionalidades
Com o aperfeiçoamento da ferramenta, foram mantidas as boas funcionalidades já existentes e utilizadas pelas partes e o Judiciário, mas surgiram também novas funções.
Além do envio eletrônico de ordens de bloqueio e requisições de informações básicas de cadastro e de saldo, já permitidos pelo Bacenjud, o novo sistema permite requisitar informações detalhadas sobre extratos em conta corrente, e os juízes poderão emitir ordens solicitando às instituições financeiras que prestem as mais diversas informações dos devedores, como, por exemplo, cópia dos contratos de abertura de conta corrente e de conta de investimento, fatura do cartão de crédito, contratos de câmbio, cópias de cheques, além de extratos do PIS e do FGTS. Podem ser bloqueados tanto valores em conta corrente quanto ativos mobiliários, como títulos de renda fixa e ações.
Outra nova funcionalidade é a chamada “teimosinha”, que permite a reiteração automática de ordens de bloqueio a partir da emissão da ordem de penhora on-line de valores. Agora, é possível que o magistrado registre a quantidade de vezes que a mesma ordem terá que ser reiterada no SISBAJUD até o bloqueio do valor necessário para o seu total cumprimento, podendo deixar, também, as ordens pré-agendadas.
Esse novo procedimento elimina a emissão sucessiva de novas ordens da penhora eletrônica relativa a uma mesma decisão, como era feito no Bacenjud.
A jurisprudência atual é pacífica no entendimento de que a “teimosinha” é eficaz no processo de bloqueio de ativos financeiros e, portanto, o pedido é passível de deferimento:
Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu o pedido de penhora bancária de forma reiterada, conhecida como teimosinha. Inadmissibilidade. Ferramenta que substituiu o BACENJUD ampliando sobremaneira a eficácia do processo de bloqueio de ativos financeiros da parte executada. Possibilidade de bloqueio permanente até satisfação integral do débito executado. Decisão reformada. Recurso provido.
Diante de todas as inovações destacadas, é possível verificar que o Judiciário tem caminhado junto a outros órgãos rumo à modernização dos procedimentos, buscando formas de acompanhar a vida atual e de simplificá-los, ao mesmo tempo que mantém o rigor, a cautela e a transparência que cada situação exige.
Segundo informações do CNJ, os bloqueios realizados pelo SISBAJUD somaram, aproximadamente, 105 trilhões de reais desde o início de seus registros.
O órgão conta com o Painel do SISBAJUD que contabiliza os números que envolvem a prestação do serviço, tais como valores bloqueados, valores transferidos, quantidade de ordens de bloqueio geradas e os valores e quantidades por esfera judicial (federal, estadual, trabalhista, militar entre outros).
Os dados do período de 2020 a 2023 ressaltam a relevância do sistema para as ações que envolvem recuperação de crédito3:
Considerando números tão relevantes, verifica-se que o sistema e a regulamentação da penhora de dinheiro por meio eletrônico colocam em prática o princípio da celeridade processual, contribuindo para solucionar a morosidade e dificuldade envolvidas nos processos de execução.
Além disso, a transparência torna evidente que a ferramenta, além de ter contribuído com o seu propósito de redução nos prazos de tramitação dos processos, também aumentou a efetividade das decisões judiciais e o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, atendendo não apenas ao interesse individual do credor, mas também ao interesse coletivo.
Não obstante, é importante que não se deixe de lado a necessidade de manter o constante aperfeiçoamento do novo sistema, a fim de que este acompanhe o desenvolvimento da vida cotidiana e continue atendendo aos propósitos de sua criação, notadamente a segurança das informações e a eficiência no cumprimento estrito das ordens judiciais.
Autora: Camila Yumi Nagata Costa