O regime de execução de dívidas dos coobrigados, garantidores e devedores solidários em recuperações judiciais.

Para a apresentação da temática subsequente, é válido pontuar que o STJ, quando do julgamento do REsp. nº 1.333.349/SP [1], pela sistemática dos repetitivos e da edição da súmula 581[2], assentou o entendimento de que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005“. 

Posteriormente, no julgamento do REsp n. 1.794.209/SP (relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 12/5/2021, DJe de 29/6/2021), o mesmo STJ firmou o entendimento de que “A cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que se abstiveram de votar ou se posicionaram contra tal disposição”. 

Diante disso, percebe-se um crescente aumento de inserção de cláusulas, em planos de recuperação judiciais, os quais, na tentativa de “driblar” o entendimento do STJ, no sentido de que a supressão ou substituição de garantias somente seria possível com a anuência do seu titular, preveem que a aprovação do plano determinaria uma espécie de novação absoluta da obrigação principal, razão pela qual seria inexigível dos devedores solidários, coobrigados e garantidores a obrigação garantida, até que ocorra o cumprimento integral do plano (hipótese em que seria extinta a obrigação) ou a convolação em falência (hipótese em que as garantias e ações seriam restabelecidas em face dos coobrigados).  

Com todo respeito aos que pensam diferente, tem-se que o princípio da preservação da empresa não pode ser absoluto, devendo ser observadas a mens legis e a segurança normativa dela decorrente, sob pena de se criar uma injusta frustação no recebimento de créditos e na forma contratada pelos credores, ambas as coisas em razão do esvaziamento das garantias outorgadas ou da restrição ao prosseguimento das ações ajuizadas.  

A questão, portanto, é juridicamente singela e já foi, há quase uma década, dirimida pelo STJ, não havendo qualquer razão para, casuisticamente, alterar-se o entendimento consagrado, como se demonstra adiante.  

Art. 49, § 1º, da Lei nº 11.101, de 2005 – o regime do cumprimento das obrigações em relação aos coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.  

O art. 49, § 1º, da Lei de Recuperação Judicial e Falência, inserido na seção que trata das disposições gerais do regime de recuperação judicial, apresenta o seguinte teor, verbis: 

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.  

§ 1º. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.” 

O texto da lei é claro ao resguardar o direito de o credor buscar a satisfação do seu crédito de coobrigados e fiadores, mantendo, dessa forma, a garantia existente na relação obrigacional.  

Há muito, frise-se, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de reconhecer na dicção legal a premissa de não afastar do credor o exercício das garantias previstas na relação obrigacional originária, como se pode verificar, dentre outros, do seguinte precedente do Tribunal exarado há quase uma década [3]. 

É importante, ainda, destacar que a lei não faz distinção entre a autonomia do título que confere a obrigação solidária, se autônomo (como no caso do aval) ou subsidiário (como no caso da fiança com benefício de ordem). Ao contrário: ao elencar no mesmo comando normativo obrigações autônomas e subsidiárias, fica clara a intenção do legislador de não deixar espaço para que o intérprete faça a distinção.  

O raciocínio a ser aplicado é o de que, mesmo quando a responsabilidade é subsidiária, a premissa de modificação nas condições de pagamento da obrigação original significa, por imposição legal, o reconhecimento de recusa do devedor originário em cumpri-la, com o que se permite a satisfação do crédito do devedor subsidiário.  

O propósito legal da recuperação judicial (de contribuir para a continuidade das atividades de empresa em crise) não alcança as expectativas de crédito vinculadas às garantias prestadas por coobrigados, fiadores e responsáveis solidários, que, dispondo de patrimônio para saldar a dívida a que se impuseram, não podem se escusar das obrigações assumidas.  

É sabido que a certeza e celeridade na recuperação de crédito são elementos essenciais na atividade econômica, sem os quais a sua dinamicidade fica gravemente comprometida. É em atenção a essa realidade, e com a finalidade de preservar a expectativa dos credores, que a Lei de Recuperação Judicial e Falência é expressa ao determinar que a recuperação judicial não afasta dos credores a possibilidade de satisfazer seu crédito contra aqueles que prestaram garantias à relação obrigacional mantida com a empresa em crise.   

Não resta dúvida, portanto, de que, em termos gerais, a legislação permite a satisfação do crédito dos coobrigados, independentemente de o título que constitui a obrigação ser dotado de autonomia ou ser subsidiário. E essa mesma inteligência foi efetivamente capturada no julgamento do já tão conhecido e previamente citado julgamento do REsp. nº 1.333.349/SP, pela Segunda Seção do STJ, pela sistemática dos repetitivos.    

“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DIREITO EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, 49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005. 

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005”.  

2. Recurso especial não provido.” (REsp n. 1.333.349/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe de 2/2/2015.) 

Para que não se tenha a menor dúvida de que o precedente acima indicado efetivamente tratou de hipótese em que não se distingue a mera “supressão” de garantias com a “suspensão” da exigibilidade das garantias prestadas por coobrigados, vale a transcrição literal de trecho do voto do Eminente relator, Ministro Luis Felipe Salomão, acerca da controvérsia: 

A situação é bem diversa, por outro lado, em relação aos devedores solidários ou coobrigados. Para eles, a disciplina é exatamente inversa, prevendo a Lei expressamente a preservação de suas obrigações na eventualidade de ser deferida a recuperação judicial do devedor principal. 

Nesse sentido é o que dispõe § 1º do art. 49 da Lei: 

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. 

Portanto, não há falar em suspensão da execução direcionada a codevedores ou devedores solidários pelo só fato de o devedor principal ser sociedade cuja recuperação foi deferida, pouco importando se o executado é também sócio da recuperanda ou não, uma vez não se tratar de sócio solidário. 

Na I Jornada de Direito Comercial realizada pelo CJF/STJ foi aprovado o Enunciado n. 43, com a seguinte redação: “A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor“. 

Não há que se distinguir entre a “supressão” rejeitada pela jurisprudência do STJ, e a “suspensão” reiteradamente postulada em planos de recuperação. 

Pouco importa, como já se observa, a tentativa da diferenciação entre “SUPRESSÃO” das garantias outorgadas pelos coobrigados/devedores solidários por “SUSPENSÃO” da exigibilidade dessas garantias e respectivos processos enquanto perdurar a recuperação judicial. 

É válida a menção de que essa distinção não faz sentido sequer semântico.  “Suprimir” é extinguir, tirar uma parte de um todo; nesse sentido, a supressão de um crédito é a impossibilidade imposta ao credor de cobrar aquilo que lhe era devido. “Suspender” é interromper temporária ou definitivamente o desempenho de uma atividade ou função. Assim, a suspensão da exigibilidade dos créditos contra coobrigados, garantidores, avalistas e fiadores e das demandas em curso não é outra coisa senão a interrupção do exercício do direito do credor de cobrar o crédito do coobrigado que não é parte na recuperação judicial. 

O enunciado da Súmula 581/STJ, literalmente, estabelece que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.  Ora, proibir durante algum tempo (ou indefinidamente) a exigência de pagamento é a mesma coisa que impedir o prosseguimento das ações e execuções. 

Nem se diga, como também tenta fazer crer essa nova onda que se forma, que a suspensão tratada no referido precedente diz respeito à específica hipótese de (não) suspensão das ações ajuizadas em face dos coobrigados/devedores solidários somente por efeito do deferimento do processamento da recuperação judicial, não se aplicando, por entendimento heterodoxo (para não se dizer absurdo), à hipótese em que tal suspensão das ações estivesse disposta em cláusula inserida em plano de recuperação judicial não aprovada unanimemente.  

Ora, a alegação responsável do microssistema do processo de execução concursal previsto na Lei nº 11.101, de 2005, não permite concluir que aquele credor que pretendeu perseguir os seus direitos de crédito em face dos coobrigados/devedores solidários da sociedade em recuperação – e que sequer estava sujeito a qualquer suspensão legal das suas ações por efeito do processamento do regime recuperacional – pudesse ser “arrastado” por deliberação não unânime e para a qual não anuiu. Nada mais impróprio!  

Não se está aqui, reitera-se enfaticamente, a negar o efeito vinculativo da eficácia do plano de recuperação aos credores que não votaram favoravelmente à sua aprovação (mesmo que por efeito do cram down), muito menos o exercício do princípio da autonomia da vontade de credores e devedor no âmbito, legítimo, das negociações comerciais para o soerguimento da empresa em crise.  

O ponto aqui analisado é que, efetivamente, não é possível impor a credores que não compareceram à deliberação assemblear, com ela não concordaram ou dela se abstiveram de votar, os efeitos da suspensão da exigibilidade de seus créditos, quando a própria lei, nos termos do §1º do art. 49 da Lei 11.101, de 2005, lhes garante o exercício de “seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. 

De igual forma e de acordo com a mesma racionalidade, mais recentemente, uniformizando definitivamente o entendimento entre as turmas de direito privado, a Segunda Seção do STJ também decidiu que a cláusula do plano de recuperação judicial que previsse a supressão de garantias outorgadas por coobrigados/devedores solidários somente seria eficaz em relação aos credores que expressamente aprovaram o plano, sendo ineficaz, portanto, em relação àqueles que não compareceram à deliberação, votaram contrariamente ou dela se abstiveram de votar. A saber:   

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO. NOVAÇÃO. EXTENSÃO. COOBRIGADOS. IMPOSSIBILIDADE. GARANTIAS. SUPRESSÃO OU SUBSTITUIÇÃO. CONSENTIMENTO. CREDOR TITULAR. NECESSIDADE. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia a definir se a cláusula do plano de recuperação judicial que prevê a supressão das garantias reais e fidejussórias pode atingir os credores que não manifestaram sua expressa concordância com a aprovação do plano. 

3. A cláusula que estende a novação aos coobrigados é legítima e oponível apenas aos credores que aprovaram o plano de recuperação sem nenhuma ressalva, não sendo eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que se abstiveramde votar ou se posicionaram contra tal disposição. 

4. A anuência do titular da garantia real é indispensável na hipótese em que o plano de recuperação judicial prevê a sua supressão ou substituição. 

5. Recurso especial interposto Tonon Bionergia S.A., Tonon Holding S.A. e Tonon Luxemborg S.A. não provido. Agravo em recurso especial interposto por CCB BRASIL – China Construction Bank (Brasil) Banco Múltiplo não conhecido.” (REsp n. 1.794.209/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 12/5/2021, DJe de 29/6/2021.) 

Como se vê, não há razãopara qualquer distinção dessas cláusulas em planos de recuperação e para deixar de aplicar toda jurisprudência há muito assentada (cita-se, aqui, novamente, o REsp. nº 1.333.349/SP) no sentido de que “a recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005″ 

De toda forma, por amor ao debate, é importante verificar em que medida a novação prevista no art. 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência corrobora tudo que foi dito até agora. 

Art. 59 da lei n° 11.101, de 2005 e as peculiaridades da novação do crédito no regime recuperacional.

O art. 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência prevê que a aprovação do plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, nos seguintes termos: 

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta lei. 

A dúvida que poderia existir é se a novação prevista no art. 59 alcança a responsabilidade dos coobrigados, ou se se mantém salutar a garantia prevista na obrigação original.  

A jurisprudência do STJ já se debruçou sobre o tema, e reconheceu que a autonomia da garantia solidária permite a continuidade da execução do título contra os coobrigados, mesmo depois da aprovação do plano de recuperação judicial. É o que se extrai da leitura do seguinte precedente: 

DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO DO PLANO. NOVAÇÃO SUI GENERIS. EFEITOS SOBRE TERCEIROS COOBRIGADOS. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DAS GARANTIAS. ARTS. 49, § 1º E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005. 

1. A novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei n. 11.101/2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei n. 11.101/2005), sobretudo as reais, as quais só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º). Assim, o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a uma condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano (art. 61, § 2º, da Lei n. 11.101/2005). 

2. Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias, de regra, são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. 

3. Deveras, não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a homologação judicial. 

4. Recurso especial não provido. (REsp 1.326.888/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 05/05/2014 – grifou-se).  

Também a doutrina [4], de forma coesa, reconhece a especificidade da novação prevista no regime da LRF em relação àquela prevista no Código Civil, especificidade que implica, como não poderia deixar de ser, a prevalência das normas de recuperação nos eventuais casos de conflito normativo: 

O efeito mais polêmico da novação na recuperação judicial, todavia, é a manutenção das garantias das obrigações nos moldes e no valor originariamente pactuados. Assim, mesmo diante da extinção do crédito anterior para o devedor em situação de recuperação judicial, seus eventuais garantes, como fiadores e avalistas, assim como outros tipos de garantias, serão mantidos e poderão ser executados pelo credor no valor originário do crédito.  

Os eventuais garantidores e coobrigados permanecerão como direito de regresso, mas, para isso, terão que se habilitar na recuperação judicial, no estado em que se encontrar. 

(…) 

Observe-se, por oportuno, que o Código Civil, no art. 364, estabelece, taxativamente, que a ‘novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário’, ficando, portanto, acentua Orlando Gomes, exonerado o fiador se a novação for concluída sem o seu consentimento. 

‘in casu’, embora não tenha havido acordo entre o devedor principal, seu fiador e o credor quanto à subsistência da garantia fidejussória na hipótese de novação da obrigação ou dívida afiançada, as normas que devem prevalecer são as dos arts. 49, § 1º e 59 ‘caput’ da LRF, e não as do art. 364 do C, a primeira, porque, não obstante a doutrina, ao tratar do período ‘sempre que não houver estipulação em contrário’, enfatizada pelo art. 364, costume trabalhar com a hipótese de cláusula acordada, por mútuo consenso, em contrato sinalagmático, pelo devedor, credor e fiador, é legítimo entendê-la como estipulação prevista em lei, e somente o é a constante dos arts. 49, § 1º, e 59, ‘caput’, da LRE; a segunda, porque, como é curial, a solução corriqueira dos conflitos de leis deriva da aplicação do critério hierárquico e/ou cronológico e/ou da especialização, os quais, no caso em tela, levam à conclusão de que, desprezado o da hierarquia, pojs ambas as leis – o CC e a LRE – têm igual hierarquia, os outros dois penderiam para a LRE, porque ela é posterior e trata especificamente da subsistência da fiança na hipótese de novação da obrigação afiançada; a terceira, porque a LRE é de ordem pública, devendo prevalecer o seu comando; a quarta, porque, ‘ex vi’ do art. 61, § 2º, se convolada em falência a recuperação judicial, ‘os credores terão reconstituídos os direitos e garantias nas condições originalmente contratadas’, o que seria defeso se houvesse perecido na forma do art. 364 do CC.” 

Para além das considerações feitas anteriormente sobre a necessária manutenção das expectativas dos credores representadas pelas garantias obrigacionais solidárias, pertinentes também aqui, deve-se destacar que a jurisprudência do STJ foi precisa ao identificar a peculiaridade da novação prevista no procedimento da recuperação judicial, condicionada ao cumprimento do plano e podendo ser revertida caso a recuperação seja convolada em falência (art. 61, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Não há que se falar, nesse contexto, em extinção, supressão ou suspensão da responsabilidade dos coobrigados quando a própria obrigação original não é extinta, mas sim suspensa. 

Qualquer entendimento que suprime ou suspende qualquer direito de credor em face de coobrigados da empresa recuperanda que não anuíram expressamente com essa proposta é incompatível com uma interpretação sistemática do direito brasileiro 

Mesmo que se olhasse para a questão de direito colocada fora das regras da Lei de Recuperação de Empresas, ainda assim, a homologação da cláusula constante do plano de recuperação aprovado pela decisão recorrida afrontaria a interpretação sistemática do direito brasileiro. 

O art. 275 do Código Civil, além de conferir ao credor o direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores solidários, parcial ou totalmente, a dívida comum, também estabelece que a solidariedade passiva não se desfaz nem é suspensa se o credor propuser a ação contra um ou alguns dos devedores e que o pagamento parcial recebido de um deles não desonera os demais.  Em outras palavras, os resultados parciais da recuperação do crédito junto a um dos devedores solidários não impedem o credor de prosseguir na cobrança contra os demais (art. 277 e 282 do Código Civil). 

Pela mesma razão, o art. 281 do Código Civil, não permite que um devedor solidário oponha ao credor exceções que seriam pessoais de outro codevedor, como seria o benefício que este tivesse alcançado em uma recuperação judicial. 

Sob outro ponto de vista, a regra do art. 361 do Código Civil, estabelece o consagrado princípio de que a novação exige o “ânimo de novar”.  Sem este, não há que se falar em extinção da obrigação preexistente.  Ora, no caso, o recorrente não anuiu ao plano de recuperação e vem se opondo à cláusula de suspensão da execução desde a origem.  Em tal circunstância, como se presumir o “ânimo de novar” da parte do credor que tem devedores solidários?  

Nessa perspectiva, a interpretação sistemática da norma não permite outra conclusão senão aquela a que já chegou à jurisprudência do STJ, no sentido de que a novação prevista no art. 59 da Lei de Recuperação Judicial e Falência não afasta a responsabilidade dos coobrigados e fiadores de responder pela obrigação original [5]: 

Conclusão

Citam-se, a título de materialização, a as considerações no sentido de se advogar a tese de que a suspensão da exigibilidade dos créditos e das respectivas ações aforadas por credores em face de coobrigados/devedores solidários somente tem eficácia em relação àqueles que votaram favorável e expressamente à proposta veiculada no plano de recuperação judicial, não sendo oponível àqueles credores que não compareceram à deliberação assemblear, rejeitaram a proposta ou se abstiveram de votar.   

——– 

[1] “RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DIREITO EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, 49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005. 

1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005”. 

2. Recurso especial não provido.” (REsp n. 1.333.349/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe de 2/2/2015.) 

[2] “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória.”(Súmula n.  581, Segunda Seção, julgado em 14/9/2016, DJe de 19/9/2016.) 

[3] “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DEFERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL À EMPRESA CO-EXECUTADA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DO AVALISTA. SUSPENSÃO. NÃO CABIMENTO. AUTONOMIA DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS NO TÍTULO DE CRÉDITO EXEQUENDO. 

1.- Conforme o disposto art. 6º da Lei n. 11.101/05, o deferimento de recuperação judicial à empresa co-executada não tem o condão de suspender a execução em relação a seus avalistas, a exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária. 

2.- O Aval é ato dotado de autonomia substancial em que se garante o pagamento do título de crédito em favor do devedor principal ou de um co-obrigado, isto é, é uma garantia autônoma e solidária. Assim, não sendo possível o credor exercer seu direito contra o avalizado, no caso a empresa em recuperação judicial, tal fato não compromete a obrigação do avalista, que subsiste integralmente. 

3.- As deliberações constantes do plano de recuperação judicial, ainda que aprovados por sentença transitada em julgado, não podem afastar as consequências decorrentes das disposições legais, no caso, o art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101/05, o qual prevê que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. 

4.- Agravo Regimental improvido.” (AgRg nos EDcl no REsp 1.280.036/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 05/09/2013 – grifou-se). 

[4] CAMINHA, Uinie, e MARINHO, Sarah Morgana. A novação na recuperação judicial: análise das peculiaridades da aplicação do instituto de direito civil ao direito falimentar. Em: Revista NEJ – Eletrônica, vol. 18 – n.1 – p. 142 e 143. Disponível em: www.univali.br/periódicos 

[5] Pelo ângulo agora analisado, a controvérsia situa-se em momento posterior à decisão que defere o processamento da recuperação (arts. 6º, caput, e 52 da Lei n. 11.101/2005). Acomoda-se, precisamente, na segunda fase da recuperação, quando o plano já fora aprovado em assembleia e a recuperação judicial concedida pelo juiz (art. 58 da Lei n. 11.101/2005).  

A relevância da questão consiste em que, diferentemente da primeira fase, em que as ações são suspensas, a aprovação do plano opera novação dos créditos e a decisão homologatória constitui, ela própria, novo título executivo judicial, nos termos do que dispõe o art. 59, caput e § 1º, da Lei n. 11.101/2005. 

(…) 

Assim, a prosperar a tese defendida no presente recurso – e em vários outros que aportam a esta Corte -, após a novação da dívida, as execuções intentadas contra a empresa recuperanda e seus garantes deveriam ser extintas, nos termos do que dispõem os arts. 364 e 365 do Código Civil, a respeito da novação comum: 

(…)  

Nessa linha de raciocínio, as garantias somente seriam restabelecidas em caso de futura decretação de falência, por força do art. 61, § 2º da Lei, segundo o qual “[d]ecretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial”. 

Contudo, penso que a argumentação não resiste a uma análise mais detida do sistema recuperacional. 

É certo que um dos principais efeitos da novação civil é a extinção dos acessórios e garantias da dívida, como previsto no art. 364 do Código Civil, não obstante a própria lei civil possibilitar a ressalva quanto à manutenção das garantias, com exceção das reais concedidas por terceiros estranhos à novação. 

(…) 

Com efeito, percebe-se de logo que a novação prevista na lei civil é bem diversa daquela disciplinada na Lei n. 11.101/2005. Se a novação civil faz, como regra, extinguir as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto (art. 364 do Código Civil), a novação decorrente do plano de recuperação traz, como regra, ao reverso, a manutenção das garantias (art. 59, caput, da Lei n. 11.101/2005), as quais só serão suprimidas ou substituídas “mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”, por ocasião da alienação do bem gravado (art. 50, § 1º). 

Por outro lado, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os “credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas” (art. 61, § 2º). Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daqueloutra, comum, prevista na lei civil. 

(…) 

Portanto, muito embora o plano de recuperação judicial opere novação das dívidas a ele submetidas, as garantias reais ou fidejussórias são preservadas, circunstância que possibilita ao credor exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impõe a manutenção das ações e execuções aforadas em face de fiadores, avalistas ou coobrigados em geral. 

Deveras, não haveria lógica no sistema se a conservação dos direitos e privilégios dos credores contra coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da Lei n. 11.101/2005) dissesse respeito apenas ao interregno temporal que medeia o deferimento da recuperação e a aprovação do plano, cessando tais direitos após a concessão definitiva com a decisão judicial.” (REsp n. 1.333.349/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe de 2/2/2015.) 

Autor: Gustavo Cesar de Souza Mourão

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