Afetação e julgamento de temas de alienação fiduciária pelo STJ e os impactos nos contratos de direito bancário

Etimologicamente, alienação fiduciária significa “transferir algo com confiança”, pois é exatamente o que ocorre nessa operação jurídica. O fiduciário concede o crédito ao fiduciante que, por sua vez, transfere a propriedade do bem adquirido com aquele capital ao fiduciário que permanece nessa posição até o adimplemento da dívida, mantendo a propriedade resolúvel daquele bem, ao passo que o fiduciante mantém sua posse direta. Adimplido o contrato, o bem é transferido à esfera de propriedade do fiduciante. 

A alienação fiduciária foi introduzida na Lei de Mercado de Capitais, Lei nº 14.728/1965, mas somente em um único dispositivo acerca da garantia real para contratos de abertura de crédito de bens móveis. Posteriormente houve uma evolução legislativa e sobrevieram novas leis dispondo sobre o instituto ou temas que lhe fossem caros. Até mesmo o Código Civil, em seus arts. 1.361 a 1.368, dispõe sobre a alienação fiduciária para pessoas não integrantes do sistema financeiro nacional. 

Todavia, a maior relevância do instituto se dá nos mercados de compra e venda de veículos e de imóveis, regulados pelo Decreto-lei nº 911/69 e pela Lei nº 9.514/97, respectivamente. 

Em vista da mens legis, há uma robusta proteção processual no que atine à alienação fiduciária, justamente para dar instrumentos que garanta segurança ao credor fiduciário quando preciso, notadamente a ação de busca e apreensão (com a utilização de medida liminar de urgência rotineiramente) e a ação de execução. Ademais, alia-se à proteção processual as medidas extrajudiciais que aparecerão ao longo da análise dos precedentes, julgados e temas.  

Não existem maiores implicações jurídicas quando da perfectibilização do contrato celebrado com alienação fiduciária. Todavia, ao se verificar a inadimplência, revelam-se os desafios práticos e jurídicos que, rotineiramente, resultam em milhares de ações na Justiça. 

Inserida nesse contexto, a jurisprudência dos tribunais, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, interpreta os diferentes dispositivos – e suas inevitáveis lacunas – à luz do ordenamento jurídico, o que impulsiona os operadores de direito – e de crédito – a adequarem suas operações, a fim de manter o primado da alienação fiduciária: a garantia do contrato. 

Temas afeitos à alienação fiduciária de bens imóveis 

O Superior Tribunal de Justiça, Corte com a missão institucional de interpretação e uniformização da lei federal no Brasil, possui diversos precedentes a respeito de alienação fiduciária, bem como julgamentos a serem realizados. A seguir os destrincharemos organizando pelas temáticas das alienações fiduciárias em contratos de venda e compra de imóveis e de móveis, nessa ordem.  

No final de 2022, a Corte publicou o acórdão que resolveu o tema repetitivo 1095, cuja tese colocada em julgamento era se prevalecia, ou não, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor quando da resolução do contrato. A Segunda Seção, em voto capitaneado pelo Min. Marco Buzzi, fixou a tese de que “em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.” 

Ponderou o Ministro relator, ainda, que “existindo o inadimplemento […] o procedimento especial de consolidação da propriedade fiduciária e eventual devolução de valores ao adquirente se processará pela Lei nº 9.514/97”, já que é norma especial e posterior ao Código de Defesa do Consumidor. 

A fundamentação para o reconhecimento da Lei nº 9.514/97 como aplicável tem origem na ideia de que a lei especial derroga a lei geral, sendo muito mais exauriente ao tema que estava sub judice, bem como pelo caráter de acepção temporal da lei especial que é posterior à lei consumerista, ainda que estejam no mesmo plano formal de igualdade hierárquica das leis. 

A questão jurídica analisada é de suma importância, pois a primeira leitura, inevitavelmente, é que a compra e venda de imóvel, sobretudo quando adquirido de construtora ou incorporadora, é uma típica relação de consumo, esquecendo-se que existe legislação específica sobre o tema, especialmente quando essa inobservância tem potencial de desvirtuar o instituto jurídico da alienação fiduciária. 

O segundo ponto é a questão prática, isto é, a execução da própria lei quando da retomada do imóvel, uma vez que a legislação específica prevê uma série de regras e procedimentos para a persecução da garantia, destino que não seria o mesmo se reconhecesse a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, diploma mais protetivo. 

Ainda quanto à alienação fiduciária de bem imóvel, a Primeira Seção da Corte afetou tema correlacionando ao fisco e à relação de propriedade entre o credor fiduciário e o devedor fiduciante. A questão registrada sob o tema nº 1158 pretende “definir se há responsabilidade tributária solidária e legitimidade passiva do credor fiduciário na execução fiscal em que se cobra o IPTU de imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária”, ou seja, se o devedor fiduciante (quem está na posse e uso do imóvel) ficar inadimplente quanto à obrigação tributária de recolher o IPTU, seria o credor fiduciário (instituição financeira que financiou o imóvel e detém a propriedade resolúvel) coobrigado solidariamente e com legitimidade passiva na execução fiscal? 

Caso o entendimento se fixe no sentido da solidariedade entre fiduciante e fiduciário, as instituições financeiras poderão figurar passivamente em execuções fiscais, representando um risco real de prejuízos, desequilibrando economicamente os contratos, sobretudo quando a efetividade desta tender a ser satisfeita mais sobre as instituições financeiras em vez dos fiduciantes inadimplentes, em razão da evidente capacidade econômica. 

Cumpre-nos registrar, ainda, que assunto semelhante está em pauta no Supremo Tribunal Federal, que definirá se o credor fiduciário pode ser cobrado em execução fiscal referente a débitos de IPVA incidentes sobre o veículo alienado, em razão, também, de possuir a propriedade resolúvel do bem. O tema foi registrado sob o nº 1153 e aguarda julgamento. 

Alienação fiduciária de bens móveis e temas correlatos 

Outros assuntos caros à alienação fiduciária também foram objeto de julgamento, mas não afetados e registrados sob o escopo dos temas repetitivos. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, fixou o entendimento de que consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário, não é possível a purgação da mora. Em leitura da Lei 13.465/2017, a Turma entendeu que a referida lei apenas assegura ao devedor o direito de preferência de compra do bem alienado, mas não lhe garante purgar a mora depois da consolidação da propriedade. A relatora do REsp 2.007.941, Min. Nancy Andrighi, recordou, ainda, que a jurisprudência da Corte era no sentido da possibilidade de purgar a mora até a assinatura do auto de arrematação, o que ficou superado com o novo texto legal. 

A Terceira Turma da Corte resolveu, ademais, questão afeita à execução – se judicial ou extrajudicial – do crédito fiduciário de imóvel. A questão jurídica submetida é a definição se o credor estaria obrigado a promover a execução extrajudicial do “crédito na forma determinada pela Lei nº 9.514/1997”. 

O recurso especial recebeu o nº 1.695.973 e foi relatado pelo Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, que afirmou que, estando presentes a liquidez, certeza e exigibilidade do crédito, estão cumpridos os requisitos para a propositura de execução judicial, seja à luz do Código de Processo Civil de 2015 ou de 1973 (arts. 786 ou 580, respectivamente). 

Cumpre-nos lembrar que a possibilidade de execução judicial, além de ser mais um instrumento na recuperação de crédito, é de suma importância para as instituições financeiras, pois garantem a possibilidade de o credor fiduciário perseguir o valor residual da venda do bem que porventura não seja suficiente para a cobertura da dívida, situação ordinária nas operações de crédito com alienação fiduciária. 

Quanto à alienação fiduciária de bem móvel, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também se debruçou sobre diferentes dispositivos, notadamente àqueles atinentes ao inadimplemento da dívida e à execução da garantia. 

Submeteu-se à Segunda Seção a tese para definição se o atraso na baixa do gravame de alienação fiduciária em veículo automotor configuraria dano moral in re ipsa, ou seja, dano moral presumido e que não dependeria de provas do efetivo dano, mas tão somente da ocorrência do atraso. O tema repetitivo recebeu o nº 1078 e teve como paradigma principal o REsp 1881453/RS, da relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze (em conjunto com o REsp 1881456/RS). Fixou-se o entendimento de que o atraso, pela instituição financeira, na baixa do gravame de alienação fiduciária no registro do veículo, por si só, não tem o condão de configurar dano moral in re ipsa, salvo se demonstrado que as situações específicas do caso ultrapassaram o mero dissabor e invadiram a personalidade e “prestígio social” do então devedor fiduciário, provocando-lhe lesões. 

O julgamento tem grande impacto no cotidiano das operações de crédito de veículos, pois havia o risco de, quando houvesse mínimo atraso (considerando que o período para baixa de gravame é de 10 dias, segundo disposição do art. 9º, § 2º, da Resolução nº 689, de 27 de setembro de 2017, do Conselho Nacional de Trânsito), a instituição financeira ser responsabilizada pelo pagamento de danos morais, bastando que o fiduciante ingressasse com ação indenizatória e comprovasse documentalmente que o gravame foi baixado em prazo superior aos 10 dias, o que implicaria, indubitavelmente, o  aumento expressivo do risco nessa operação. 

Mais recentemente, a mesma Segunda Seção afetou e posteriormente colocou em julgamento mais um tema relativo à execução de garantia em contratos de alienação fiduciária: a comprovação da mora. 

Quando do inadimplemento do contrato garantido por alienação fiduciária, o credor fiduciário, visando à execução da garantia, precisa cumprir a formalidade da comprovação da mora e isso é operacionalizado através do envio de notificação extrajudicial ao devedor fiduciante inadimplente que assinaria um aviso de recebimento ou documento correspondente que comprovasse a entrega. Ocorre que, em alguns casos, terceiros recebiam essa notificação extrajudicial e esse fato foi levado sistematicamente à Justiça e interpretado como ausência de comprovação da mora, o que invalidaria a medida de retomada da garantia, por via de consequência. 

Nesse sentido, submeteu-se essa questão repetitiva a julgamento sob o registro do tema nº 1132, a fim de definir “se, para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual, dispensando-se, por conseguinte, que assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário”. 

Ainda no assunto da constituição em mora, o Superior Tribunal de Justiça já havia julgado o tema 921, em caso relatado pelo saudoso Min. Paulo de Tarso Sanseverino, em que fora fixada a tese acerca da constituição de mora através do protesto de título por tabelionato no seguinte sentido: 

 (i) o tabelião deve esgotar os meios de localização do devedor, sobretudo no endereço informado por aquele que procedeu o apontamento, para então proceder com a intimação por edital;  

(ii) o credor fiduciário pode optar pelo protesto do título no tabelionato em que se situa a praça de pagamento ou o do domicílio do devedor. 

O Ministro relator relembrou que a Corte já possuía jurisprudência consolidada, também pelo rito dos recursos repetitivos à luz do CPC/1973, que era válida a notificação expedida por “cartório localizado em comarca diversa da de domicílio do devedor”, mas que remanescia entendimento a esse respeito quanto à hipótese de protesto de título.  

Pontua-se, ainda, a evolução legislativa com relação à comprovação da mora – e outras particularidades da lei -, sobretudo à evolução das coisas e das tecnologias, ao exemplo da possibilitar da constituição em mora através do envio de carta com aviso de recebimento. 

O entendimento tem impacto direto nas operações com alienação fiduciária, visto que a constituição em mora é requisito indispensável à excussão da garantia, ou seja, quão mais medidas forem possíveis para a constituição em mora, mais há possibilidades para a busca e apreensão, por exemplo, cumprindo o vaticínio da alienação fiduciária. 

Outros precedentes relacionados ao instituto 

A execução da garantia e as hipóteses que a circundam ocorrem, segundo a lógica formal e dedutiva, quando do inadimplemento das obrigações por parte do devedor fiduciante. Importante para o credor fiduciário, do ponto de vista financeiro, é que as obrigações assumidas sejam adimplidas para que o sistema de concessão de crédito continue funcionando de forma hígida. Além das execuções, retomadas de bens e seus congêneres, verifica-se, ainda, a utilização de outras medidas contra a inadimplência, como a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito.Nesse sentido, a jurisprudência da Corte Superior já enfrentou variadas situações em que foi preciso interpretar a lei federal à luz das interações do sistema de apontamento de nome dos devedores nos referidos órgãos.  

Dentre os casos julgados, destaca-se o REsp nº 1.833.824/RS, julgado pela Terceira Turma sob a relatoria da Min. Nancy Andrighi. Tratava-se de uma empresa que pactuou contrato de abertura de crédito fixo com garantia de alienação fiduciária, cuja avença contou com o aval de um de seus sócios. Anos após a retirada do sócio dos quadros societários, a empresa entrou em recuperação judicial e ficou inadimplente com relação às parcelas do contrato supracitado, o que provocou a inclusão do nome do avalista, ora ex-sócio, nos quadros dos órgãos de proteção ao crédito. 

O ex-sócio, por sua vez, que figurou como recorrente, argumentou que a negativação de seu nome como avalista só poderia se dar em momento posterior à venda do bem e, ainda, em caso de existência de saldo devedor. 

A ação foi julgada procedente em 1º grau com o reconhecimento de que o nome dele devesse ser excluído dos órgãos de proteção ao crédito. Levado o caso ao 2º grau através do sistema recursal, houve o provimento do apelo da instituição financeira que figurava no polo passivo com o reconhecimento de que “inexiste obrigação de o credor buscar antes a garantia real e depois a pessoal”, sendo que a única condicionante à negativação é a existência da dívida. 

Instado o E. Superior Tribunal de Justiça através do manejo de recurso especial, ponderou a Ministra relatora, em voto seguido por unanimidade, que no ordenamento jurídico brasileiro coexiste um “duplo regime da propriedade fiduciária”: (i) do Código Civil, art. 1.361 e seguintes, aplicável às coisas móveis infungíveis, podendo ser o credor pessoal natural ou jurídica, e; (ii) o “regime jurídico especial”, composto por algumas leis especiais sobre o tema, dentre elas o DL 911/1969, que “trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de créditos”, mas que é restrita às instituições financeiras. 

Na espécie se considerou aplicável a lei especial (DL nº 911/1969) que, de fato, prevê a faculdade ao credor fiduciário de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução, mas que, independentemente do caminho adotado estrategicamente pelo credor fiduciário, é lícito e configura exercício regular de direito a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito em razão do inadimplemento das obrigações. Acrescenta a Ministra que, “a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular […] mas também à proteção do crédito em geral”. 

Considerou-se, inclusive, argumentos de ordem econômica, uma vez que temos uma economia de consumo muito presente em nosso país e o crédito representa um instrumento fundamental para a consecução das políticas de fomento à economia e ao consumo, bem como a possibilidade de criação e manutenção de bancos de dados de órgãos de proteção ao crédito – inclusive em casos garantidos por alienação fiduciária – .Sendo assim, é instrumento indispensável nesse sentido, pois traz clareza aos agentes do mercado, prestigia o bom pagador e parametriza a concessão de crédito através do histórico de (in)adimplência dos consumidores.  

O precedente é importante no cotidiano das operações das instituições financeiras, pois significa a utilização um instrumento legítimo e eficaz contra a inadimplência que são as bases dos órgãos de proteção ao crédito, de forma a proteger o crédito, a instituição financeira e o mercado de consumo de modo geral.  

Outro precedente interessante da Corte diz respeito à postulação de acessoriedade entre o contrato de compra e venda do bem e o próprio contrato de financiamento para aquisição do bem. 

O recorrente adquiriu um veículo através do contrato de financiamento que contou com registro de alienação fiduciária, como comumente ocorre na venda e revenda de veículos. Após o início da utilização destes, foram relatados defeitos e, ainda que estivesse no prazo de garantia estipulada com a revendedora, pleiteou-se a rescisão do contrato de venda e compra e de financiamento, bem como a devolução dos valores pagos no contrato de financiamento. 

Todavia, a demanda fora proposta contra a revenda de veículos e, também, contra a instituição financeira que realizou o financiamento do referido bem, em flagrante confusão entre os contratos de venda e compra e o de financiamento. 

A ação foi julgada procedente em 1º grau com a declaração de rescisão dos contratos de venda e compra e de financiamento, bem como condenou os dois réus que figuravam no polo passivo ao pagamento, solidário, das parcelas pagas pelo contrato de financiamento como forma de restituição. Houve, ainda, a condenação ao pagamento de danos morais ao que se referia à revenda de veículo. 

Ambas as partes interpuseram recurso de apelação e o TJDFT entendeu que haveria uma relação de acessoriedade entre os contratos de venda e compra e o de financiamento, devendo a instituição financeira responder, também, pela restituição dos valores pagos a título de adimplemento do contrato de financiamento. Ademais, utilizando-se de lógica inversa, aduziram que a instituição financeira reaveria o veículo em caso de inadimplemento (em razão da alienação fiduciária), sendo ela – instituição – a real proprietária do veículo até a conclusão dos pagamentos e a resolução da garantia. 

A instituição financeira, por sua vez, já que demandada e contra a qual a sentença e o acórdão operavam efeitos, interpôs os devidos recursos até que a cadeia recursal chegou ao E. Superior Tribunal de Justiça através do REsp nº 1014547/DF, que tramitou na Quarta Turma, sob a relatoria do Min. João Otávio de Noronha. 

No acórdão proclamado em votação unânime, há a nítida distinção entre o contrato de financiamento e o contrato de venda e compra do bem. A instituição financeira que figurou como credora fiduciária, não é responsável pela qualidade do bem fornecido, justamente por não ter sido ela a fornecedora do veículo, devendo responder tão somente pelo financiamento e as suas implicações, o que não foi objeto do processo. 

Verificou, por fim, que o tribunal local entendeu que o contrato de mútuo era acessório ao contrato de compra e venda, o que o acórdão corrigiu, afirmando que “não há por que confundir os institutos”, ressaltando, ainda, que o único contrato acessório na relação é o de alienação fiduciária em relação ao mútuo. 

Nesse sentido, foi dado provimento ao recurso especial para declarar válida e eficaz o contrato de financiamento, com a tese jurídica de que o “banco não está obrigado a responder por defeito de produto que não forneceu tão-somente porque o consumidor adquiriu-o com valores obtidos por meio de financiamento bancário”. 

Caso a tese jurídica postulada de que a instituição financeira fosse responsável pelo bem adquirido com o financiamento fosse vencedora, além da evidente subversão do conceito de fornecedor de produtos e serviços, as instituições estariam submetidas às discussões de toda a ordem sobre produtos e serviços que sequer teriam a possibilidade de controle de qualidade, respondendo por perdas e danos por atos de terceiros, inviabilizando, portanto, esse tipo de operação de crédito. 

No mesmo sentido, a Terceira Turma da Corte fixou entendimento que o contrato de compra e venda e o de financiamento são autônomos ao julgar caso em que a instituição financeira arrolada no polo passivo da demanda pelo antigo dono de um veículo em razão da existência de débitos fiscais e de multas de trânsito. 

O REsp nº 1.025.928/RS, relatado pelo Min. Massami Uyeda, foi provido por unanimidade para reconhecer a ilegitimidade passiva da instituição financeira, consignando a tese de autonomia entre os contratos de venda e compra e o de financiamento com garantia de alienação fiduciária, posto que a instituição não participa – e nem teria como fazê-lo – da relação jurídica de registro do veículo nos órgãos de trânsito, bem como com eventuais multas e penalidades aplicadas nesse sentido. 

Reconhece o Ministro que “de fato, a obrigação de registrar a transferência do veículo se reporta ao primeiro negócio jurídico […] do qual a instituição financeira não faz parte. Assim, inexistia qualquer dever desta em promover o registro da transferência.” 

Verifica-se ser outro precedente importante que ressalta a ideia de autonomia entre os contratos, pois, do contrário, estaria inviabilizada a operação de financiamento, ao passo que as instituições financeiras estariam submetidas a toda sorte de acontecimentos que sequer participam. 

Conclusão 

Conclui-se, portanto, que é de suma importância a atuação constante nos Tribunais Superiores, sobretudo sob a ótica da criação de precedentes na interpretação das leis federais que regulam os contratos de alienação fiduciária. Perceba-se que os precedentes reverberam condições e situações reais das operações das instituições financeiras nesse importante instrumento que possibilita a elas concederem crédito com maior segurança de adimplência. 

Autor: Bruno Morais Di Santis

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