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TJSP reconhece impossibilidade de supressão de cláusula de supervisão judicial de Planos de Recuperação
Em decisão recente, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, deu provimento ao recurso de apelação interposto por empresa do setor alimentício (autos nº 1057402-52.2019.8.26.0100). Nela, foi reformada a decisão proferida em primeiro grau que, simultaneamente, homologou o plano de recuperação judicial com ressalvas e encerrou o procedimento recuperacional, com fundamento nos arts. 58 e 61 da Lei 11.101/ 2005 (“LREF”).
Em referido acórdão se entendeu que, de um lado, o encerramento da recuperação judicial, mediante a supressão do período de supervisão, fora admitido pela Lei 14.112/ 2020, porque o legislador substituiu o verbo impositivo do art. 61 da LREF – “permanecer” –, por “poderá determinar”; de outro lado, tal aplicação, afirma o acórdão, deve se dar de forma comedida, observando cuidadosamente o contexto fático que permeia o caso.
A ponderação feita pelo TJSP foi que a supressão de supervisão potencializa predominantemente os prejuízos dos credores, pois apenas após concedida a recuperação é que o plano em seu bojo apresentado é posto em prática e sua exequibilidade é testada.
Sendo assim, dentro deste cenário, a supervisão e fiscalização atuam como elementos indispensáveis que não devem ser desprezados, de modo que não cabe ao Poder Judiciário apenas testemunhar atos praticados, mas agir ativamente para resguardar a lisura de seus efeitos e, quando necessário, aplicar medidas para preservar e reorganizar a atividade empresarial, mesmo que em confronto a interesses dos sócios da empresa em crise. Vale dizer, o art. 61 da LREF visa garantir um enforcement para que o devedor cumpra o plano, sob pena de convolação da recuperação em falência (art. 61, § 1º e 73, IV, da LREF).
Da própria perspectiva de gestão do Poder Judiciário não há vantagem em se suprimir o período de supervisão do cumprimento dos Planos de Recuperação Judicial. Isso porque, verificadas hipóteses de descumprimento do plano, advirão pedidos de falência ou, na melhor das hipóteses, de execução específica de determinadas cláusulas (sob pena de, confirmado o descumprimento, aplicar-se o procedimento falimentar).
Seja do ponto de vista de razoável duração do processo ou da possibilidade de efetivos contraditório e ampla defesa, suprimir-se a supervisão judicial pode levar a prática de atos processuais desnecessários e menos ordenados do que seriam feitos se no âmbito de um processo de recuperação já existente.
Apenas a título de exemplo, há julgados diversos do TJSP no sentido de intervir no conteúdo de cláusulas de planos de recuperação que prevejam pagamentos com carência superior ao prazo de supervisão judicial (v.g., TJSP, AI n. 2081908-89.2016.8.26.0000, rel. Des. Carlos Alberto Garbi, AI n. 2140328-87.2016.8.26.0000, rel. Des. Fábio Tabosa, AI n. 2042945-75.2017.8.26.0000, rel. Des. Claudio Godoy).
Ora, se assim o é, não há que se falar em dispensabilidade da supervisão judicial. Veja-se que, embora talvez pudesse se discutir qual o prazo pelo qual haverá a supervisão, não há espaço exegético para se suscitar a sua dispensa. O que o art. 61 da LREF fixa é um prazo máximo de 2 (dois) anos, mas não autoriza, em momento algum, que o Judiciário não monitore o cumprimento dos planos de recuperação. A entender-se de modo diverso, quem sairá prejudicado é o próprio Poder Judiciário, com a proliferação de pedidos incidentais vários.
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Esse período máximo pelo qual deve perdurar o estado recuperacional do devedor representa o limite pelo qual o cumprimento das obrigações do plano se sujeitará à supervisão judicial, inexistindo óbice de previsão, no plano, de obrigações excedentes a esse prazo, após o qual se transfere esse encargo aos credores. Implementado o interregno legal, “os autos devem ser conclusos ao juiz para que ele verifique se é o caso de a convolar em falência. Não havendo razões para a convolação, ele deve proferir a sentença de encerramento da recuperação judicial” (COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas – 15ª ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 254). Disso decorre que a finalização exitosa da recuperação pressupõe a prolação de sentença judicial, não se operando automaticamente, com o implemento do segundo aniversário de concessão e homologação do plano de soerguimento, de forma a perdurar o estado de supervisão judicial, enquanto não proferida a respectiva decisão jurisdicional de ultimação do estado recuperacional (art. 63 da Lei n. 11.101/2005”.
(STJ, 3ª Turma, REsp 1.707.468 – RS, j. em 25/10/2022)
Tanto é relevante a observância do art. 61 da LREF, que o entendimento doutrinário a respeito das hipóteses de convolação de uma recuperação judicial em falência é pela taxatividade do rol do art. 73 do mesmo texto normativo1. Ora, se há um rol taxativo que inclui a supervisão judicial do cumprimento do plano – visando equacionar interesses das partes credora e devedora –, não há razão que autorize seu descumprimento. Vale dizer: uma suposta economia processual não pode servir de aríete para a inobservância da rácio legislativa.
Por fim, sob o viés da recuperabilidade da empresa em crise, há um trade-off a se superar: primeiro, a permanência em recuperação judicial é elemento que dificulta a obtenção de crédito (cuja classificação de risco deve observar os termos da Resolução nº 2.682/1999 do Banco Central do Brasil); segundo, a manutenção do período de fiscalização faz permanecer competente o juízo da recuperação judicial sobre “atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial” (art. 6º, § 7º-B da LREF, cuja redação foi adotada a fim de reforçar o entendimento pacificado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça de que são exemplos o AgInt no CC 150.072/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, AgRg no CC 113.861/GO, Rel. Min. Luís Felipe Salomão e AgInt no CC 152.900, Rel. Min. Lázaro Guimarães).
A forma de superar esse trade-off é o autoconhecimento: uma vez que a empresa em crise conheça seus passivos e ativos, deve (ou recomendável seria que assim o fizesse), ao elaborar seu plano, fazer juízo de ponderação que permita seu cumprimento no menor prazo possível para que se aumente os caminhos para o financiamento de sua atividade.
Autor: Bruno Marques Bensal