Expurgos Inflacionários nos Juizados Especiais 

A ação de cobrança e os expurgos inflacionários
Com o advento dos Planos Bresser, Verão, Collor I e Collor II, poupadores supostamente prejudicados na correção de suas cadernetas de poupança buscaram o judiciário com o intuito de obter a condenação da Instituição Financeira na qual possuíam conta de poupança para que, assim, reouvessem tais diferenças monetárias. Com isso, foram ajuizadas diversas ações de cobrança, tanto na justiça comum, quanto no juizado especial cível. 

O suposto prejuízo dos poupadores na edição dos planos econômicos tem como fundamento o período de instabilidade em que, de acordo com as normas do Governo Federal, as Instituições Financeiras aplicaram às contas de poupança, bem como a outros produtos financeiros, como os depósitos judiciais, índices de correção diversos do contratado pelo poupador. Tal fenômeno é chamado de expurgo inflacionário. 

Em síntese, as ações de cobrança que pleiteiam expurgos inflacionários devem demonstrar o liame jurídico entre o poupador/autor e o banco/réu, comprovando, documentalmente, a existência de conta poupança ativa durante o período da respectiva correção monetária pretendida, observando os anos de edição de cada um dos planos econômicos. Além da demonstração da relação jurídica, será necessário comprovar que a conta poupança pleiteada não teve valores bloqueados e transferidos para o Banco Central, evidenciando, assim, a legitimidade do banco réu para o pagamento de eventuais valores expurgados. Deve-se comprovar, ainda, que, a depender do plano econômico, deve-se comprovar que a conta poupança aniversaria dentro da primeira quinzena do mês, isso porque as contas com aniversário na segunda quinzena não possuem direito adquirido à correção monetária. 

 A fim de definir o valor da causa, o poupador/autor deve juntar com a petição inicial cálculos que demonstrem o valor da diferença que deixou de receber no momento da correção monetária de sua conta poupança. Muitas vezes, tendo em vista a quantidade de contas-poupança de planos econômicos pleiteados, ou de ambos, os cálculos apresentados pelas partes são insuficientes para a definição da condenação pelo magistrado, sendo necessária a realização de perícia contábil para apuração do valor da condenação.  

Em sua defesa, dentre outros argumentos jurídicos, a instituição bancária analisa os documentos juntados pelo autor/poupador na inicial, principalmente documentos pessoais e extratos da caderneta de poupança, os quais devem indicar a conta pleiteada. Nesse momento, podem ocorrer divergências entre os dados dos documentos apresentados pelo autor e os dados constantes nas bases internas do banco, a indicar indício de fraude/falsidade documental. Em diversas vezes, faz-se necessária uma análise aprofundada da veracidade documental, inclusive com expertise de perícia, podendo, inclusive, ser iniciado incidente de falsidade documental para tal apuração.  

Finalmente, caso a sentença venha a ser favorável para o autor/poupador, a procedência do pedido de correção monetária de expurgos inflacionários impõe a liquidação da sentença, sendo necessária a perícia contábil para se apurar os índices de correção a serem aplicados. 

Tendo isso em vista, idealmente, nas ações de cobrança que pleiteiam expurgos inflacionários se faz mister a dilação probatória e sua ausência pode limitar a ampla defesa do réu. 

A competência dos Juizados Especiais Cíveis para o julgamento de ações que pleiteiam expurgos inflacionários 
A competência do Juizado Especial Cível tem como pilares os critérios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, sendo de ótima valia nas causas de menor complexidade com valor da causa dentro do teto definido pela Lei 9.099/95.

O artigo 3º da Lei 9.099/95 define a competência do Juizado Especial Cível para as causas cíveis de menor complexidade e, conforme Enunciado 45 editado no XVI Fórum Nacional dos Juizados Especiais, a “menor complexidade” deve ser aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material. A jurisprudência vem sendo aplicada neste mesmo sentido, definindo-se que tal complexidade a ser analisada será a complexidade probatória.  

Segundo dados do CNJ1, aponta-se que o tempo médio de tramitação de uma ação nos juizados especiais é quase dois anos menor do que a tramitação na justiça comum. Tais dados também demonstram um grande salto no ajuizamento de ações no Juizado Especial nos últimos anos, desafogando a justiça comum. Com isso, é possível observar um ganho no que tange à celeridade processual, que, no entanto, deve estar acompanhada da eficácia, objetivando a boa aplicação da justiça.  

Na prática, observa-se a competência dos Juizados Especiais Cíveis no julgamento das ações que discutem expurgos inflacionários, sob o entendimento majoritário da jurisprudência de que meros cálculos aritméticos não dependem de perícia. O entendimento também se funda no artigo 32 da Lei 9.099/95, considerando a possibilidade de produção de prova nos Juizados Especiais quando esta for simples, célere e eficaz. Para facilitar a aplicação do entendimento no caso concreto, a discussão foi sumulada pelos Colégios Recursais da Capital e do Interior de São Paulo.  

Ocorre que as ações que envolvem expurgos inflacionários necessitam de dilação probatória não pela complexidade da matéria de direito, mas pela complexidade da perícia, a qual envolve questões essenciais para a procedência da ação, como a veracidade dos documentos do poupador, o índice de correção monetária e a condenação ao valor expurgado. 

Deste modo, embora os Juizados Especiais Cíveis possam entregar às partes uma solução mais rápida, a rapidez pode não ser a melhor solução para as ações de expurgos inflacionários, uma vez que a veracidade documental e os valores expurgados, considerando os corretos índices de atualização monetária, são a essência dessa ação de cobrança. Com a dúvida sobre a veracidade documental e sobre os índices de atualização monetária, não se tem a melhor aplicação do direito no caso concreto. 

Diante das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, a realidade mostra que, tendo em vista o valor da causa, muitas das ações que discutem expurgos inflacionários são ajuizadas nos Juizados Especiais, e embora o banco defenda os pontos aqui destacados, o entendimento da competência dos Juizados Especiais prevalece2.  

Quanto aos desafios apresentados por toda situação, a jurisprudência tende a afastar a possibilidade de incidente de falsidade nos Juizados Especiais, entendido pela impossibilidade de arguição da matéria diante da complexidade3, o que significa que a ampla defesa do réu poderá ser limitada às provas simplificadas possíveis nos Juizados Especiais. Por fim, quanto aos índices de atualização monetária4 para os saldos de caderneta de poupança, encontra-se maior facilidade em aplicação sem a necessidade de perícia, quando no processo houver apresentação de extratos e planilha de cálculo, conforme enunciado nº 58 do Comunicado nº 116/2010 do Conselho Superior do Sistema de Juizados Especiais. 

Autoras:

Cristiane Pereira e Luciana Alfeld Silvestre

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