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Lei Complementar 105/2001: Competência para Quebra de Sigilo Bancário na
Esfera Administrativa
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, dispõe acerca de garantias e direitos fundamentais garantidos a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país.
Dentre esses direitos essenciais, em seu inciso X [1], o texto da lei determina como inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, que, se desrespeitadas, garantem o dever de indenizar.
Nesse sentido, o inciso XII do art. 5º da CF/88, ainda afirma que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo quando, em último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.”.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior[2] assevera que os direitos elencados no inciso X do art. 5º da CF/88 são componentes essenciais da proteção do indivíduo, e que a intimidade, em especial, “se configura como o núcleo da esfera de proteção”, uma vez que ela abarca o conjunto de informações que apenas seu titular possuí, semintromissões externas ou o risco de exposição (nos Estados Unidos, aplica-se o conceito de que o direito a intimidade garante o “peace of mind”, ou seja, a paz de espírito, em tradução livre). Esse conjunto de informações particulares tem grande amplitude, variando desde a crença religiosa do indivíduo, até os dados de todas as suas contas bancárias.
O autor Lafer (1997) expõe que o direito à intimidade pertence ao privado e deve ser resguardada da melhor maneira que lhe couber. Em seu livro “A Reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hannah Arendt”, ele explica a importância do direito à intimidade, expondo que:
Para Hannah Arendt, coerente com o seu entendimento do público como o comum e o visível, o privado, na dimensão da intimidade, é aquilo que é exclusivo do ser humano na sua individualidade e, não sendo de interesse público, não deve ser divulgado.
A intimidade, como um direito autônomo da personalidade, foi articulada conceitualmente por Rousseau como resposta do indivíduo ao conformismo nivelador da sociedade, aquilo que Hannah Arendt qualifica como “o surgir do social”. Na fundamentação de sua tutela, entendo que Hannah Arendt oferece como critério para limitar o direito à informação o princípio de exclusividade.
Portanto, Lafer (1997) conclui que a intimidade seria exclusiva ao indivíduo, devendo, assim, ser protegida. Tal proteção mencionada por Lafer tornou-se preocupação mundial, dada a força da tecnologia e seus constantes avanços, tornandose nítido o aumento da necessidade de um maior filtro de controle o qual mediaria quais informações seriam de livre acesso e quais deveriam ser resguardadas e protegidas dada sua sensibilidade.
A proteção ao sigilo bancário nasceu desta preocupação. A Lei Complementar nº 105/2001 foi sancionada visando à proteção das operações realizadas em instituições financeiras. Em seu art. 1º, o conceito de sigilo bancário é exposto de forma clara, com o intuito de evidenciar o dever das instituições financeiras em conservar “sigilo acerca de suas operações ativas e passivas e seus serviços prestados.”
A lei não deixa margem de dúvida quanto ao que seriam as “instituições financeiras” abarcadas pela legislação. Em seu art. 1º, § 1o e § 2º, um rol taxativo é apresentado, enumerando, assim, quais instituições devem cumprir o dever de sigilo.
Entretanto, justamente pelo sigilo bancário ser um direito constitucionalmente protegido, e sabidamente essencial à atividade das instituições financeiras, a sua fiscalização também é de extrema importância ao bom funcionamento do Estado. A Lei Complementar nº 105/2001, consciente da necessidade de regularização, trouxe em seu art. 1º, § 3º outro rol taxativo no qual expõe em quais situações, excepcionalmente, a exposição de dados e operações de instituições financeiras não configurariam a violação do dever de sigilo.
Dentre as exceções, necessário voltar a atenção ao art. 1º, inciso V, da Lei nº 105/2001. A exceção trazida por esse inciso é essencial ao entendimento do sigilo bancário, uma vez que este expõe, de forma objetiva, que: a quebra do sigilo bancário é vedada, garantindo o direito à intimidade, desde que não exposta pelo próprio indivíduo detentor do direito. Ou seja, ainda que os fatos não configurem nenhuma exceção prevista em lei, estando o interessado de acordo com a exposição de suas informações, ou até mesmo solicitando-as, não há o que se falar em sigilo bancário.
Neste ponto, cabe o questionamento: o que acontece quando a situação fática não se resume a nenhuma das exceções previstas por lei e o interessado se opõe a quebra do sigilo bancário?
A Lei complementar, em seu art. 1º, § 4º, determina que a quebra de sigilo bancário poderá ser decretada em qualquer fase do inquérito (policial) ou processo judicial, desde que fiquem comprovados os fins de apuração de qualquer ilícito e/ou os crimes enumerados em seus incisos.
Dada a relevância e sensibilidade que acompanha a exposição da vida bancária de um indivíduo, a lei é específica ao mencionar as situações em que a quebra do sigilo bancária é tolerada, assim como é certeira em especificar quem detém a competência para tanto.
Sendo assim, torna-se claro, pela leitura do artigo, acompanhado pelo inciso XII do art. 5º da CF/88 que quem detém o poder de decretar a quebra do sigilo bancário, nos termos da lei, é o Poder Judiciário, por meio de ordem judicial emitida por magistrado, sempre limitada às hipóteses trazidas pelos incisos.
É mister mencionar que o Banco Central não detém competência para determinar quebra de sigilo bancário. Do contrário, o acesso às informações protegidas pela Lei Complementar lhe é garantido quando no exercício do seu dever de fiscalização, de tal forma que não há o que se falar em “quebra de sigilo bancário”, quando não há, nem sequer, a possibilidade oposição de sigilo frente à instituição, conforme art. 2º, § 1º, I e II, Lei Complementar nº 105/2001.
Outra situação digna de nota está prevista no art. 6º da mesma lei, a qual garante às autoridades e aos agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o exame de documentos abarcados pelo sigilo bancário, “quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.”.
Importante notar que, assim como ocorre com o Banco Central, essa autorização de exame de dados sensíveis é específica e muito bem delimitada, podendo ser cumprida apenas por autoridades e agentes fiscais tributários. Isso não garante a esses agentes acesso a informações sensíveis não relacionadas à fiscalização tributária.
Reitera-se, portanto, que à parte do Poder Judiciário, não há qualquer entidade ou instituição administrativa capaz de determinar a quebra de sigilo bancário sem ferir a competência prevista pela lei. E é justamente nesse ponto que a atuação das autoridades administrativas tem levantado questionamentos, uma vez que tem se tornado cada vez mais comum que, em determinados processos administrativos que envolvam instituições financeiras, as autoridades solicitem apresentação de documentos e informações sensíveis, o que, dada a proteção legal, resultariam em quebra de sigilo bancário – se atendidas.
Por outro lado, a ausência de prestação de informações quando solicitadas prejudica a defesa da instituição financeira, que, em respeito ao sigilo bancário, não possui formas de, documentalmente, comprovar a lisura de sua conduta.
E o impasse é: não há nada que possa ser feito para combater isso. Não há como conferir competência às autoridades administrativas para determinar a quebra de sigilo bancário, ainda que conste no processo administrativo que essa informação é essencial.
Conforme previsão da lei, isto só pode ocorrer quando o agente, analisando a informação sensível, o faça em seu papel de agente fiscalizador tributário.
Assim, a solicitação de autoridades administrativas, não tributárias, para apresentação de documentos que ensejariam a quebra de sigilo bancário, é impossível de ser atendida. E tal qual a sua impossibilidade, por determinação legal, o descumprimento por parte da instituição financeira não deveria ser visto como prejudicial, ou como fundamento para condenação, em razão da não cooperação.
Em resumo: a legislação voltada ao sigilo bancário é clara e objetiva quanto às possibilidades que autorizam a instituição financeira a suspender momentaneamente a obrigação de sigilo de suas operações. Não há margem para interpretações análogas ou expansivas, dada a fragilidade das informações que ficam à disposição de tais instituições.
A preocupação com vazamento e exposição de dados sigilosos e sensíveis cresce cada dia mais (nítido pela promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).
Assim, não é compatível com a legislação, que a autoridade administrativa solicite às instituições financeiras tais informações, e que as penalize quando não atendida.
Não havendo determinação legal expedida pelo Poder Judiciário, as instituições financeiras são proibidas, por determinação legal, de atender solicitações para quebra de sigilo bancário expedidas por autoridades administrativas, e principalmente, possuem o dever de resguardar tais informações.
Com tal conclusão, necessário relembrar que, se dentro do processo administrativo, o próprio indivíduo solicita informações, o dever de sigilo bancário se encerra. Nesse cenário, a autoridade administrativa é livre para solicitar apresentação de documentos e dados e o Banco não descumpre com a lei ao apresentar as informações solicitadas, uma vez que a própria pessoa abriu mão do seu sigilo.
Autora:
Carolina Vogl