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STJ reconhece sucessão parcial entre instituições financeiras e exclui responsabilidade solidária sobre imóvel
Nos anos 1970, uma empresa de engenharia prometeu comprar um imóvel de um banco estadual, que o recebera como dação em pagamento de uma dívida de outra empresa. A empresa de engenharia não pagou as últimas parcelas da promessa de compra e venda e o banco, em 1975, propôs uma ação com o objetivo de resolver o contrato, reintegrar-se na posse do imóvel e obter a declaração de perda do valor já recebido (cerca de 67% do preço total), a título de perdas e danos.
Em 1990, a construtora ajuizou ação distribuída por dependência à ação que fora movida pelo banco, pedindo a manutenção da promessa de compra e venda, com a condenação da promitente vendedora na indenização em perdas e danos.
A sentença, proferida em 1992, julgou procedente a primeira ação e improcedente a segunda. Houve apelação e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 1995, inverteu o resultado, julgando improcedente a ação movida pelo banco e procedente a ação movida pela construtora.
A liquidação da sentença se prolongou por vários anos. Enquanto isso, o banco que realizara o negócio e era parte nas ações já havia passado por um processo de resolução das suas atividades, que envolveu diversas operações societárias. Inicialmente, parte dos seus ativos e passivos fora transferido para outra instituição financeira e a parte não transferida continuou com a instituição financeira que contratara a promessa de compra e venda originalmente, que entrara em regime de liquidação extrajudicial.
Após a liquidação da sentença, que tramitara contra o banco em liquidação extrajudicial, iniciou-se a fase de cumprimento da sentença e a construtora pretendeu executar o julgado contra a instituição financeira que adquirira parte dos ativos e passivos (vinculados à assunção da atividade bancária) do réu original, e não contra o banco que se encontrava em liquidação extrajudicial.
O executado embargou a execução, alegando que não sucedera o promitente vendedor nos efeitos do contrato que era discutido nos autos, enquanto que a construtora argumentava que o negócio havido entre os dois bancos importava na sucessão universal do adquirente em todos os passivos do banco alienante, que continuava em liquidação extrajudicial.
A sentença rejeitou os embargos, afirmando que o adquirente seria sucessor a título universal. Houve apelação, mas o Tribunal estadual manteve a afirmação da legitimidade passiva do adquirente.
O vencido interpôs Recurso Especial, que não foi admitido no tribunal de origem, tendo sido sucessivamente interposto Agravo contra o despacho denegatório do Recurso Especial, que veio a ser provido pelo Superior Tribunal de Justiça para anular o acórdão do Tribunal Estadual, determinando que ele reexaminasse os pontos que haviam sido indicados como omissos no recurso interposto pelo banco adquirente.
O Tribunal estadual rejulgou a apelação e manteve a sua decisão anterior, afirmando a legitimidade do banco adquirente por entendê-lo sucessor do banco que firmara o contrato de promessa de compra e venda quase 40 anos antes.
Novo Recurso Especial foi interposto pelo banco adquirente, que alegou:
- ter havido negativa de prestação jurisdicional por parte do Tribunal de origem ao não analisar todas as peculiaridades referentes à natureza da operação que ocasionou a transferência da atividade bancária e dos ativos e passivos a ela relacionados;
- a ilegitimidade passiva em virtude da lei que rege o regime próprio do PROER/PROES, que fora o fundamento para a transferência de ativos e passivos selecionados entre as empresas;
- inexistência de responsabilidade solidária com as obrigações da empresa cindida; e
- necessidade de redimensionamento dos ônus sucumbenciais fixados pelas instâncias ordinárias.
Novamente o Tribunal local não admitiu o recurso especial do adquirente, que interpôs novo Agravo contra o despacho denegatório. No STJ, inicialmente esse agravo foi conhecido para negar-se provimento ao REsp, mas o adquirente interpôs Agravo Regimental. Ao examinar este último recurso, o Ministro relator reconsiderou a decisão monocrática e determinou a subida do recurso para melhor exame da matéria.
A ordem de subida dos autos, todavia, não pode ser cumprida na sua literalidade, porque o Tribunal estadual, nos termos de um ato normativo anterior, determinara o arquivamento dos autos físicos e estes haviam se extraviado.
O STJ, então, converteu os autos do agravo de instrumento em autos do recurso especial e, em fevereiro de 2018, julgou o recurso.
Ao julgar o mérito, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça partiu da análise dos fatos feita pelo Tribunal local, mas deu-lhes interpretação diversa, pelo que chegou a conclusões opostas.
Para o STJ, considerando que a obrigação objeto da execução era a devolução de quantia recebida pelo antigo banco estadual para a venda de um imóvel, cuja discussão judicial era anterior aos atos societários que, ao ver do Tribunal estadual teriam resultado na cisão parcial do contratante original, e não tendo o adquirente assumido qualquer direito ou obrigação específicos relativamente ao imóvel objeto da promessa de compra e venda original, não se poderia concluir pela responsabilidade solidária do adquirente naquele caso concreto.
O acórdão do STJ afirmou, ainda, que nos casos de cisão parcial de sociedades, a sucessão somente se dá quanto aos direitos e obrigações relacionados no ato de cisão (art. 229, §1º e art. 233 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976), sendo lícito que o ato de cisão estipule a ausência de solidariedade, respondendo cada sociedade apenas pelas obrigações transferidas no ato.
Depois desse acórdão, a construtora interpôs dois Embargos de Declaração discutindo os ônus da sucumbência, mas ambos foram rejeitados.